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Rubens Valente

Autores de pedidos de impeachment cobram Maia e citam pressão da covid-19

Jair Bolsonaro tenta cumprimentar Zé Gotinha, mas acaba abraçando personagem - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
Jair Bolsonaro tenta cumprimentar Zé Gotinha, mas acaba abraçando personagem Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

19/01/2021 04h02

Resumo da notícia

  • Dos 61 pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro protocolados na Câmara dos Deputados, 21 têm relação com seu papel na pandemia do coronavírus
  • Pedidos estão paralisados há meses à espera de uma decisão do presidente da Casa, Rodrigo Maia, que pode arquivar a denúncia ou iniciar sua tramitação
  • Para autores dos pedidos, tragédia da semana passada em Manaus, má gestão sobre vacina e até impeachment de Trump podem mudar o cenário no Brasil

O desastre na saúde em Manaus na semana passada, que levou à morte de pacientes por falta de oxigênio, a má gestão sobre a vacina e o cerco do Congresso norte-americano ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fizeram os autores dos pedidos de impeachment contra Bolsonaro acreditar que aumentaram as chances de o atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ou de seu sucessor, seja ele quem for, não conseguir mais suportar as pressões e autorizar a tramitação de pelo menos um desses processos.

Na sexta-feira (15), quando um panelaço foi convocado em redes sociais, o assunto impeachment ficou entre os mais buscados no Google e foi destaque no Twitter. Dos 61 pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro protocolados até este domingo (17) na Câmara dos Deputados, 21 têm por foco principal ou lateral o comportamento do presidente e do seu governo durante o combate à pandemia do novo coronavírus.

Maia mantém a posição de que a prioridade da Casa é buscar soluções para a pandemia no país.

O presidente se manifestou sobre o assunto na sexta-feira, em entrevista a José Luiz Datena, na Band. Afirmou que não será derrubado "na mão grande" e que "só Deus" poderia tirá-lo da Presidência.

Procurada na noite desta segunda-feira (18) para comentar sobre os pedidos de impeachment contra Bolsonaro, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação) do Ministério das Comunicações não havia se manifestado até o fechamento deste texto.

Para Alessandro Molon, deputado líder do PSB na Câmara, o principal motivo pelo qual Maia não abriu um processo de impeachment "foi a compreensão de que isso geraria instabilidade no país", uma visão que seria compartilhada "pelos setores econômicos".

"O cenário [para impeachment] está mudando, sim, a situação dramática pela qual passa o Amazonas funciona um pouco como uma antecipação do que pode ocorrer no restante do país. Na minha opinião, foi uma compreensão equivocada [de Maia]. Não há nada que provoque mais instabilidade no Brasil do que a permanência de Bolsonaro na Presidência. A economia não se recupera com esse desequilibrado na Presidência. Como vai se recuperar com as pessoas morrendo aos milhares?", diz Molon.

O PSB já protocolou dois pedidos de impeachment focados no tema da pandemia. O primeiro foi apresentado há mais de 260 dias. Na sexta-feira (15), o partido subscreveu, ao lado dos partidos de oposição PT, PCdoB, PDT e Rede, um novo pedido, agora baseado no desastre humanitário e sanitário em Manaus, além de acusar o presidente de "sabotar pesquisas e campanhas de vacinação, desincentivar o uso de máscaras e incentivar o uso de medicamentos ineficazes".

Afinidade de Maia com a pauta econômica fala alto, afirma advogado

Ex-presidente da Comissão de Ética Pública do Palácio do Planalto nos mandatos de Dilma Rousseff e Michel Temer, o advogado Mauro Menezes assina dois pedidos de impeachment -um dos quais trata da covid-19.

O pedido é subscrito por 66 personalidades, de artistas, como Chico Buarque, Olivia Byington e Lucélia Santos, a líderes de movimentos da sociedade civil, como João Pedro Stedile, do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), e Sonia Guajajara, da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

Menezes disse ao UOL que o agravamento da pandemia reforça a necessidade de afastamento do presidente. "Tenho, sim, esperança de que seja ainda no mandato de Maia ou no próximo, o surgimento das condições de tomada de consciência da sociedade, da opinião pública, acerca da gravidade dos atos do presidente, e que isso leve à abertura do processo."

O advogado disse, por outro lado, que "não se ilude" sobre o risco de insucesso. "Sabemos até aqui que em Rodrigo Maia, embora de certa forma ele tenha sido menosprezado pelo Poder Executivo, falou muito alto a adesão e a afinidade com a pauta econômica do governo. Então, diante de um pedido pertinente de impeachment, creio que ele, institucionalmente, pode considerar pertinente, mas a afinidade que ele tem com a pauta econômica o leva a não desestabilizar essa administração."

Eleições no Congresso são determinantes

O que garante que poderia ser diferente com o sucessor de Maia? Dois deputados disputam o cargo com mais chances, o bolsonarista Arthur Lira (Progressistas-AL) e o candidato "costurado" por Maia, Baleia Rossi (MDB-SP).

Nesta segunda-feira (18), Lira manteve distância do assunto, dizendo que impeachment "não é pauta para candidatura à presidência da Câmara".

Cobrado especialmente pelo PT a manifestar-se publicamente, Baleia Rossi já afirmou que o Congresso "não pode abrir mão da prerrogativa" de instalar um processo contra o presidente.

Todo cidadão brasileiro pode protocolar um pedido de impeachment de um presidente da República por crime de responsabilidade. A Constituição prevê, no artigo 51, que compete ao plenário da Câmara autorizar, por meio da votação favorável de dois terços dos parlamentares, a instauração de processo contra o presidente.

Para que o pedido seja submetido ao plenário, contudo, é necessário antes que o presidente da Casa faça o chamado juízo de admissibilidade, ou seja, uma análise sobre as condições mínimas de tramitação do pedido. Todos os pedidos de impeachment contra Bolsonaro estão parados na primeira fase, dependendo ainda dessa avaliação de Rodrigo Maia, que deixará o cargo no começo de fevereiro.

"Parceria" entre Maia e Bolsonaro acabou, avalia movimento negro

O pedido de impeachment da Coalizão Negra de Direitos, subscrito por personalidades como o professor Silvio de Almeida e o cantor e compositor Emicida, denunciava, há 150 dias, "o genocídio da população negra e as mais de 100 mil mortes na pandemia do coronavírus".

O frei franciscano David Raimundo dos Santos, integrante do movimento negro e diretor-presidente da organização não-governamental Educafro, disse que já subscreveu três pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Ele acha que agora os ventos estão mudando a favor do afastamento e que um processo pode começar a tramitar durante o mandato de Rodrigo Maia.

"A gente percebe que houve um fato novo, que foi uma briga mais feia do Maia com o Bolsonaro. O que antes fazia o Maia não levar os pedidos para frente era um acordo para Bolsonaro proteger Maia nos seus processos e, por outro lado, Maia passou a dar total apoio às posições do Bolsonaro [contra o impeachment]. Eles brigaram e fizeram as pazes várias vezes. Mas agora nos passaram que essa briga foi decisiva."

Mas como fazer um impeachment sem o povo nas ruas? A pandemia força milhares de brasileiros conscientes dos riscos de aglomeração a ficar em casa quando podem. O deputado Molon acredita que o afastamento poderia ocorrer mesmo sem protestos massivos de manifestantes, uma ausência "compreensível pelo momento de agravamento da pandemia no país".

O líder do PSB não acredita que Maia dê início a qualquer processo. "Sem dúvida nenhuma, a salvação do país depende da eleição da Câmara [em fevereiro]. Por isso não é uma eleição qualquer. Quando a morte chega perto não há como achar bom ou ótimo um presidente que permite que o caos se instale no país. Todo mundo já perdeu alguém próximo. Isso só vai se agravar "