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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Ato de Damares exclui sociedade civil, diz Conselho de Direitos Humanos

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em cerimônia no Palácio do Planalto - Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo
A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em cerimônia no Palácio do Planalto Imagem: Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

11/02/2021 18h58

Em nota divulgada nesta quinta-feira (11), o presidente do CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos), Yuri Costa, disse que a portaria da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) que pretende "analisar" a Política Nacional de Direitos Humanos "exclui a sociedade de um debate fundamental".

Publicada em Diário Oficial nesta quinta-feira, a portaria nº 457, assinada pela ministra, institui um grupo de trabalho ministerial com o objetivo de "analisar aspectos atinentes à formulação, desenho, governança, monitoramento e avaliação da Política Nacional de Direitos Humanos [PNDH-3], com vistas a oferecer recomendações para seu aprimoramento e de seus programas".

A PNDH-3 foi aprovada em 2009, durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e está em vigor desde então. Uma de suas principais finalidades "é dar continuidade à integração e ao aprimoramento dos mecanismos de participação existentes, bem como criar novos meios de construção e monitoramento das políticas públicas sobre Direitos Humanos no Brasil".

Na portaria, Damares definiu que o grupo de trabalho terá 14 integrantes, todos servidores do seu próprio ministério. O grupo será coordenado por uma das secretarias do seu ministério. Eles têm até novembro para apresentar um relatório.

O CNDH é também vinculado administrativamente ao MMFDH (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos), mas é formado por 11 representantes da sociedade civil e 11 de órgãos públicos. Suas funções são promover e defender os direitos humanos no país por meio de ações de prevenção, proteção e reparação e trabalhar para equiparar as leis brasileiras sobre direitos humanos aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

O presidente do CNDH lembrou na nota que a PNDH-3 consolidou, em 2009, "uma construção coletiva elaborada após amplo debate público, que considerou propostas aprovadas em 27 conferências em todos os estados e no Distrito Federal, 137 encontros prévios às etapas estaduais e distrital, conferências livres, regionais, territoriais, municipais ou pré-conferências, nas quais aproximadamente 14 mil pessoas participaram do processo de revisão e atualização do PNDH-2 e elaboração do PNDH-3".

Yuri Costa, que é defensor público federal e professor de história da Uema (Universidade Estadual do Maranhão), afirmou na nota que a portaria de Damares "lista uma série de representantes do MMFDH sem, contudo, prever espaços de representação da sociedade civil ou de outros órgãos públicos responsáveis ou interessados pela política de promoção e defesa dos Direitos Humanos".

"É com surpresa que o CNDH recebe o texto da nova portaria ministerial, que, na composição do grupo de trabalho, exclui a sociedade de um debate fundamental, de interesse de todas as pessoas. Para garantir os preceitos constitucionais e democráticos, é imprescindível a participação social legítima, inclusive com representação de minorias, além de previsão de tempo suficiente para aprofundamento e amadurecimento das discussões e de um amplo debate sobre qual será a agenda priorizada para ampliação da garantia de direitos humanos em nosso país", diz a nota.

Yuri Costa frisou que que, 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro e de Damares Alves, "houve a extinção, por decreto presidencial, do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3, sem que tenha havido instituição de grupo com a mesma atribuição".

"O CNDH manifesta ainda preocupação quanto à [falta de] democratização do processo proposto pela portaria, já que seu art. 4, § 5º, veda expressamente a divulgação das discussões em curso antes do encerramento das atividades, comprometendo, ao que tudo indica, a transparência necessária a tão relevante debate público. Por fim, o CNDH informa que foi provocado para se manifestar formalmente sobre a portaria em questão e para adoção das providências reputadas cabíveis sobre o caso, o que fará segundo os procedimentos adotados pelo conselho", diz a nota divulgada nesta quinta-feira.

Ministério diz que poderá convidar sociedade civil, mas portaria não dá direito a voto

O MMFDH afirmou, em nota divulgada pela assessoria de comunicação no site do ministério, que a equipe do grupo de trabalho "será composta por diversos representantes do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e contará com a participação da sociedade civil".

Indagada como haverá essa participação, já que não há representante da sociedade civil previsto na portaria, a assessoria mencionou o parágrafo 3º do artigo 3º. O trecho, contudo, fala sobre hipótese de convite de representante de "entidades públicas e privadas" que, de qualquer forma, "não terá direito a voto".

A íntegra do parágrafo: "O Grupo de Trabalho poderá convidar para participar de suas reuniões representantes de entidades públicas e privadas com atuação na temática de direitos humanos, sem direito a voto".

De acordo com a nota do ministério, "o grupo de trabalho poderá convidar para participar de suas reuniões servidores, especialistas e pessoas de outros órgãos ministeriais, conselheiros de direitos e instituições públicas e privadas com atuação nas variadas áreas dos direitos humanos para colaborar com os trabalhos a serem desenvolvidos. As reuniões serão realizadas semanalmente e sempre que a coordenação convocar".