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Réu foi defendido de acusação errada e DPU pede que STF anule o processo
O advogado de um ajudante de pintura condenado no Paraná apresentou recurso sobre um crime pelo qual seu cliente sequer era acusado. A defesa foi feita por um advogado dativo, isto é, indicado pela Justiça e remunerado pelo Estado nas comarcas que não contam com Defensoria Pública para réus pobres. A petição tratou de um crime de homicídio, mas o réu fora condenado por assalto a mão armada.
A DPU (Defensoria Pública da União) constatou o erro ao assumir, em 2018, a defesa do ajudante de 37 anos. Agora o defensor público federal Gustavo de Almeida Ribeiro pede a nulidade do processo em agravo ao STF (Supremo Tribunal Federal). A Primeira Turma do tribunal deverá analisá-lo em sessão virtual nesta sexta-feira (7).
O réu está preso há dez anos na penitenciária de Presidente Prudente (SP). Foi preso pela Polícia Civil em 2011 e acusado pelo Ministério Público por sete assaltos a mão armada em locais diferentes na cidade de Porecatu (PR), de abril a julho de 2011, incluindo uma lotérica e um mercado, dos quais teria levado cerca de R$ 3,1 mil ao todo. De acordo com a denúncia do MP, o réu admitiu participação em quatro assaltos.
Os advogados dativos são designados pela Justiça quando o réu não tem recursos financeiros para contratar sua defesa. O acusado teve dois dativos no Paraná. O primeiro renunciou à causa, "por motivo de foro íntimo", ainda em janeiro de 2012. Ele pediu que fosse remunerado. O juiz nomeou outro defensor.
O réu foi condenado na primeira instância a 25 anos e 11 meses de reclusão. A última informação nos autos é que ele cumpre a pena numa penitenciária de Presidente Prudente (SP). O seu novo advogado dativo recorreu ao Tribunal de Justiça do Paraná para pedir a absolvição. A petição tinha uma lauda e meia. Os argumentos, três parágrafos.
Mas o Ministério Público estadual também recorreu para pedir que a pena fosse majorada para 36 anos e 4 meses em regime fechado. Nas contrarrazões ao recurso especial protocoladas no TJPR (Tribunal de Justiça do Paraná), o advogado do réu peticionou, em junho de 2017, falando sobre um crime totalmente diverso do discutido no processo.
"A indignação do Ministério Público se baseia unicamente no fato de os Jurados não terem acolhido a tese da Acusação. O Conselho de Sentença foi composto por pessoas de bem. O julgamento transcorreu normalmente. As partes tiveram idênticas oportunidades de explorarem suas teses. Os quesitos foram formulados em perfeito respeito aos ditames de lei. Os Jurados escolheram uma das teses apresentadas, que melhor encontrou amparo nas provas dos autos", escreveu o advogado.
O processo, porém, nunca passou por um Conselho de Sentença, formado por jurados, pois a acusação era de assalto a mão armada e não de homicídio. Ao longo do processo, nunca ficou esclarecido porque o advogado falou de um caso diverso do julgado.
O TJPR manteve a decisão da primeira instância. Na sua decisão de outubro de 2017, o desembargador relator nada falou sobre a defesa esdrúxula do réu. As contrarrazões foram enviadas ao STJ (Supremo Tribunal de Justiça), onde a representante da PGR (Procuradoria Geral da República) concordou que a pena fosse aumentada de 25 anos para 36 anos de reclusão. Também nada falou sobre a peça da defesa que falava de outro crime.
Em 4 de maio de 2018, o ministro relator do caso no STJ, Félix Fischer, acolheu o pedido do MPF e elevou a pena para 36 anos e 4 meses. Assim, o réu que havia sido condenado a 25 anos e recorreu da sentença, por meio do seu advogado dativo, acabou recebendo mais dez anos de prisão.
Somente em 11 de maio de 2018 a petição sobre o crime errado foi debatida nos autos. Isso ocorreu porque o réu passou a ser representado pela DPU, que atua nos tribunais superiores em Brasília em defesa de réus pobres. A defensora Arlinda M. Dias apontou que "o recurso foi julgado sem a necessária apresentação de contrarrazões por parte da defesa. Verifica-se que foi protocolado contrarrazões de apelação (matéria afeta ao Tribunal do Júri), e não as contrarrazões ao Recurso".
A defensora disse que a "ausência de contrarrazões fere o contraditório e a ampla defesa, partes essenciais do 'due process of law' [devido processo legal]". "Em situações como esta, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de devolver ao órgão de origem para sanar a nulidade", escreveu a defensora.
O ministro Félix Fscher discordou e manteve a decisão. Ele disse que "são cabíveis embargos declaratórios quando houver na decisão embargada qualquer contradição, omissão ou obscuridade a ser sanada".
"Podem também ser admitidos para a correção de eventual erro material, consoante entendimento preconizado pela doutrina e jurisprudência, sendo possível, excepcionalmente, a alteração ou modificação do 'decisum' embargado. Não há, na hipótese, qualquer vício a ser sanado. A nulidade alegada simplesmente não se confirma", afirmou o ministro.
Em agravo regimental, um segundo defensor público federal, Felipe Dezorzi Borges, disse que a análise dos autos "revela que houve verdadeira falta de defesa a tornar nulos todos os atos processuais praticados a partir do encerramento da fase instrutória".
"A despeito da maquiagem perpetrada pelo advogado dativo, dirigindo a peça a esse Superior Tribunal de Justiça (STJ), não se verifica qualquer pertinência dos fundamentos lançados ao caso dos autos. Da simples leitura do que foi aduzido pelo advogado dativo, não se observa qualquer relação com o que foi debatido neste processo, tampouco consta uma linha em contraposição ao recurso especial proposto pelo Ministério Público."
O defensor disse que houve "um embate fictício pela defesa dativa em face de um julgamento dado pelo Tribunal do Júri, quando o que foi objeto de debate no pleito recursal da acusação cingiu-se a exacerbação da pena em face da consideração do aumento dado pelo parágrafo único do artigo 70 do Código Penal".
Em sessão na 5ª Turma, o STJ manteve a decisão de Fischer e negou o agravo da DPU, com votos dos ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik. A DPU recorreu então ao STF por meio de um habeas corpus.
A ministra relatora, Rosa Weber, negou seguimento ao habeas corpus em dezembro de 2020. Ela disse que "não se verifica ofensa ao direito de defesa, uma vez que, tal como pontuado pela Corte Superior, o defensor dativo [...] foi intimado pessoalmente para apresentar contrarrazões ao recurso especial no dia 12/06/2017 e que a petição de fls. 501-508, foi protocolizada em 19/06/2017, em contrarrazões ao recurso especial apresentado pelo Ministério Público".
A ministra escreveu ainda que o acórdão do STJ "encontra-se em harmonia com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Federal, tal como sintetizada na Súmula 523/STF: No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu".
'É por isso que casos midiáticos não me impressionam', diz defensor
A DPU recorreu de novo. Em agravo interno interposto em 11 de fevereiro último em face da decisão de Rosa Weber, o defensor público federal Gustavo de Almeida Ribeiro afirmou que, desde o começo do processo, o réu "contou com uma defesa dativa meramente formal que em nenhum momento enfrentou verdadeiramente as questões tratadas no processo". O réu, disse o defensor, não teve "a possibilidade de exercer seu direito constitucional de defesa".
"A defesa preliminar apresentada pelo acusado possuía 5 laudas, todavia, 4 delas tratando de honorários. A resposta ao aditamento da denúncia tinha 1 lauda. As alegações finais continham 2 páginas. As razões de apelação, 2 laudas. Já as contrarrazões ao recurso especial do Ministério Público trataram de crime da competência do Tribunal do Júri - ou seja, sem qualquer relação com o caso em exame. Com a máxima licença, o agravante esteve completamente indefeso durante todo o processo. Não se admite a confirmação de condenação de pessoa nessas condições. Defesa, em sede penal, não pode ser mera fachada, aparência", afirmou Ribeiro no agravo.
O defensor escreveu no último dia 4, em uma rede social, que não tem maiores esperanças sobre o resultado do julgamento na Primeira Turma. "Em meu sentir, no caso em questão, o acusado foi processado e julgado sem defesa, conforme se observa da peça. Penso que a decisão monocrática da Ministra será mantida pela 1ª Turma do STF, restando indeferida a ordem. O julgamento virtual do agravo terá início dia 7 de maio de 2021 e não há chance de sustentação ou de retirada do sistema virtual. É por isso que casos midiáticos não me impressionam. Vivo em outro mundo, no mundo dos anônimos."
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