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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Butantan pediu a Pazuello, mas não recebeu R$ 145 milhões para CoronaVac

19.mai.2021 - Ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello durante o depoimento à CPI da Covid, no Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
19.mai.2021 - Ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello durante o depoimento à CPI da Covid, no Senado Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Colunista do UOL

22/05/2021 04h00

Um pedido de R$ 145 milhões feito em agosto passado pelo Instituto Butantan ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para cobrir gastos com estudos clínicos e instalação de uma nova fábrica da vacina Coronavac não foi atendido pelo ministério, segundo o instituto.

Os pedidos estão documentados em dois ofícios de 18 de agosto entregues pelo Butantan nesta quinta-feira (20) à CPI da Covid no Senado em resposta a um requerimento aprovado pela comissão. Os ofícios foram divulgados no ano passado pela imprensa, mas na época o governo federal disse que já colaborava ou iria colaborar com o Butantan.

Procurado nesta sexta-feira (20), o Butantan informou à coluna, por meio de sua assessoria de imprensa, que não veio ajuda do ministério relacionada aos dois pedidos: "Até o momento, o Instituto Butantan recebeu, por meio de sua fundação de apoio (Fundação Butantan) apenas recursos provenientes do fornecimento da vacina contra o novo coronavírus. A fábrica que produzirá a vacina em sua integralidade, incluindo o Ingrediente Farmacêutico Ativo, recebeu recursos exclusivos de doações da iniciativa privada, superiores a R$ 180 milhões. As obras devem ser concluídas em setembro".

Dimas Covas - Governo do Estado de São Paulo - Governo do Estado de São Paulo
Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan
Imagem: Governo do Estado de São Paulo

Saúde não responde a questionamento

Procurado às 13h20 desta sexta-feira (21), o Ministério da Saúde não havia se manifestado até o fechamento deste texto. Durante os dois longos depoimentos prestados por Pazuello nos dias 19 e 20 à CPI, o ex-ministro não foi indagado pelos senadores sobre o assunto.

Em janeiro de 2021, quando começaram a ser aplicadas as primeiras doses da Coronavac no Brasil, Pazuello disse, numa entrevista coletiva em Brasília: "Você sabia que tudo que foi comprado pelo Butantan foi com recursos do SUS? Todas as vacinas, não foi com um centavo de São Paulo. Autorizado por mim. É difícil ficar ouvindo isso o tempo todo. Eu ouço calado o tempo todo a politização da vacina".

Minutos depois, em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) disse à imprensa que estava atônito com a declaração do ministro. "É inacreditável como um ministro de Estado da Saúde [...] ainda mente ao dizer isso. A vacina do Butantan só está em São Paulo e no Brasil porque foi investimento do governo do Estado de São Paulo. Não há um centavo, até agora, do governo federal, para a vacina — nem para o estudo, nem para a compra, nem para a pesquisa. Nada. Chega de mentiras, ministro."

Trecho de ofício de agosto/2020 pelo qual o Butantan pediu R$ 85 milhões para o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para custeio de testes clínicos da vacina Coronavac - Reprodução - Reprodução
Trecho de ofício de agosto/2020 pelo qual o Butantan pediu R$ 85 milhões para o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para custeio de testes clínicos da vacina Coronavac
Imagem: Reprodução

Pedidos de recursos sem atendimento

Os dois ofícios de agosto foram assinados pelo diretor do Butantan, Dimas Covas. No primeiro, de número 78, Covas explicou a Pazuello que a Coronavac vinha "apresentando resultados que confirmam sua segurança e eficácia nas duas fases dos Estudos Clínicos já realizados". Explicou que a fase três dos estudos clínicos, bancada pelo Butantan, já havia começado e que o trabalho fora "devidamente aprovado pela Anvisa", a agência de vigilância em saúde do próprio governo federal.

Os estudos clínicos, segundo Covas, que eram essenciais para se chegar à vacina, estavam "orçados em R$ 130 milhões, parte deles, R$ 45 milhões, devidamente contemplados por doações". Assim, escreveu o diretor do Butantan, restava uma expressiva parcela sem financiamento, e por isso ele recorreu ao ministro da Saúde.

"Possível notar que ainda se encontra em aberto a quantia de R$ 85 milhões para completar o gasto com os referidos Estudos Clínicos, o que motiva-me solicitar o empenho do Ministério da Saúde, a fim de que seja concedida a verba retro mencionada, verba essa que poderá ser repassada à Fundação Butantan, fundação de apoio ao Instituto Butantan, a quem compete a realização dos referidos estudos clínicos", escreveu Dimas Covas.

"Certo da atenção que esta solicitação merecerá, receba meus protestos de elevada consideração", encerrou o diretor do Butantan.

No segundo ofício, do mesmo dia 18 de agosto e de nº 79, igualmente dirigido a Pazuello, Dimas Covas explicou que, "para viabilizar a produção da vacina em nosso país", o Butantan havia criado "um projeto conceitual e encontra-se em desenvolvimento um projeto executivo para a instalação de uma fábrica com capacidade produtiva de 100 milhões de vacinas anualmente".

"Para agilizarmos o processo de instalação da nova fábrica", descreveu o diretor do Butantan, "iremos utilizar um prédio já edificado, o qual necessita de readequações e pequenas reformas, mais os equipamentos necessários à produção da vacina".

O projeto todo, entre "readequação, reforma e aquisições", custaria R$ 156 milhões. Desse total, disse Covas, "já foram prometidos R$ 96 milhões em doações", ficando em aberto "R$ 60 milhões para completar o gasto para finalizar a fábrica".

"Dessarte, permito-me solicitar a especial análise de Vossa Excelência, a fim de que seja concedida a verba retro mencionada pelo Ministério da Saúde, com repasse à Fundação Butantan, fundação de apoio ao Instituto Butantan, a quem competirá realizar o projeto. Certo da atenção que esta solicitação merecerá, receba meus protestos de elevada consideração", escreveu Dimas Covas.

Em setembro, um mês depois dos ofícios, o governador João Doria chegou a dizer à imprensa que o Ministério da Saúde iria liberar R$ 80 milhões "para a fábrica de vacinas do Butantan". Contudo, a julgar pelas suas declarações de janeiro, os recursos não chegaram.

Numa entrevista coletiva em 26 de janeiro, Doria reafirmou que "todo investimento, desde maio até agora, foi suportado pelo governo de São Paulo e pelo Instituto Butantan. Até o presente momento, nós não recebemos um único centavo do Ministério da Saúde".