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PF se recusa a divulgar salários e local de trabalho de seus policiais
A direção-geral da Polícia Federal se recusou a informar à coluna o local de trabalho de um grupo de delegados sob o argumento de que são "informações pessoais". Esse entendimento cria o chamado "sigilo eterno", segundo o qual os dados podem ficar restritos por até cem anos.
O órgão confirmou ainda que não fornece ao Portal da Transparência, mantido na internet pela CGU (Controladoria Geral da União), os salários, lotação e data de ingresso no serviço público de quaisquer de seus servidores.
A PF argumentou "necessidade de garantia da capacidade investigatória e de repressão a delitos" e "a proteção da incolumidade dos policiais e de seus familiares".
Contudo, salários e lotação de quase todos os órgãos dos diversos Poderes são divulgados nos diversos portais de transparência na internet, incluindo os de ministros de tribunais superiores, desembargadores de Justiça, juízes, delegados de Polícia Civil nos Estados, promotores e procuradores da República que lidam diariamente com casos que envolvem o crime organizado em todo o país.
A transparência ativa inclui servidores que desempenham atividades de risco, como fiscais ambientais do Ibama, que multam e embargam propriedades no interior do país, servidores da Funai, que coíbem invasão de terras indígenas, e auditores do Trabalho, que reprimem crimes como trabalho escravo em locais ermos. Em 2004, por exemplo, três auditores e um motorista do Ministério do Trabalho foram assassinados quando multavam fazendas em Unaí (MG).
Dois especialistas em transparência e lei de acesso consideraram um "abuso" e "completamente equivocada" a interpretação da PF de que lotação e salário de um policial configuram "informação pessoal". Esse tipo de definição dada pela PF escapa dos três graus de sigilo previstos na LAI (reservado, secreto e ultrassecreto) e, assim, os dados não são acompanhados pelo termo de classificação que deveria indicar a data final do sigilo. A prática do "sigilo eterno" se alastrou no governo Bolsonaro pela Esplanada dos Ministérios e hoje incide sobre diversos outros documentos e informações, sob protestos das organizações especializadas em acesso à informação e transparência.
A coluna apurou que o não envio dos dados dos policiais federais ao Portal da Transparência ocorre desde o governo de Michel Temer (2016-2018) e não foi revisto pelo primeiro ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, o ex-juiz federal Sérgio Moro, tornando-se uma prática administrativa desde então.
Na época da promulgação da LAI (Lei de Acesso à Informação), que entrou em vigor em 2012, no governo de Dilma Rousseff (PT), houve um intenso debate sobre a legalidade da divulgação dos salários dos servidores públicos brasileiros nas diversas esferas públicas. Diversas carreiras de servidores recorreram ao Judiciário para impedir a divulgação também alegando riscos pessoais dos servidores, sem sucesso. Ao final, ficou definido o entendimento, inclusive a partir de decisões do STF (Supremo Tribunal Federal), que a administração pública pode divulgar os salários.
A coluna não pediu à PF que indicasse os salários dos delegados, mas sim apenas o local de lotação de quatro delegados e se atualmente ocupam cargos comissionados ou funções gratificadas no órgão. Ao negar as informações, a PF citou o artigo 31 da LAI (lei 12.527) para dizer que "informações pessoais são de acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo, não podendo ser fornecidas pelos órgãos e entidades do poder público a terceiros, exceto diante de previsão legal específica ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem".
Especialista vê violação ao decreto que regulamentou a Lei de Acesso
A assessora do programa de acesso à informação da organização não governamental Artigo 19, Júlia Rocha, bacharela em relações internacionais pela USP (Universidade de São Paulo), disse que a negativa de informação da PF "é preocupante".
"Em primeiro lugar a gente vê esse abuso do artigo 31 da LAI a fim de negar acesso a informações que deveriam estar em transparência ativa, como o caso das agendas do presidente e visitantes do Palácio do Planalto. Também há uma violação do artigo 7º do decreto 7724 que fala sobre a necessidade de divulgar informações básicas pelas entidades da gestão pública em transparência ativa, obrigatoriamente", disse Julia.
O decreto 7724, de 2012, que regulamentou a LAI. Julia citou o inciso VI do artigo 7º, que prevê a divulgação ativa da "remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluídos os auxílios, as ajudas de custo, os jetons e outras vantagens pecuniárias, além dos proventos de aposentadoria e das pensões daqueles servidores e empregados públicos que estiverem na ativa, de maneira individualizada, conforme estabelecido em ato do Ministro de Estado da Economia".
"Essa justificativa [da recusa da PF] é completamente infundada e eles teriam a obrigação de fornecer essa informação", disse a pesquisadora do Artigo 19. "Tem aí um uso equivocado do decreto regulador da LAI, que muitas vezes ele é ignorado. Usa-se a LAI de maneira a promover o sigilo em detrimento da transparência e ainda se ignora o decreto. O mais importante é que existe a obrigatoriedade do fornecimento e o não fornecimento está sujeito a sanção disciplinar."
Fabiano Angélico, pesquisador e consultor para temas de "accountability" social, transparência e integridade, especialista no tema do acesso à informação e autor do livro "Lei de Acesso à informação: reforço ao controle democrático", disse que "tecnicamente, me parece completamente equivocada essa decisão" da PF.
"Se eles estão entendendo que é dado pessoal, há um equívoco imenso. Há estudos sobre decisões da CGU [Controladoria Geral da União] dizendo que informação pessoal é a que diz respeito à intimidade da pessoa na sua vida privada, por exemplo, a sua vida sexual. [...] A LAI não diz qual conjunto de dados deve ser público. O que diz é o que não pode ser público. Ou seja, a premissa é que a transparência é a regra. O que não é encaixado como sigilo, é público. Se os órgãos não conseguem justificar que a informação traz enormes riscos ou não consegue justificar que é um dado pessoal, ela é pública", disse Angélico.
PF diz que pedido de acesso aos dados é "desarrazoado"
Procurado pela coluna, o Ministério da Justiça afirmou que "a questão se refere a uma necessidade levantada pela Polícia Federal e demandada diretamente à Controladoria Geral da União, não sendo necessário aval do Ministério da Justiça e Segurança Pública para tal".
A CGU não havia se manifestado até o fechamento deste texto.
À coluna, a PF argumentou que haveria "exposição" dos servidores. A PF emitiu duas notas. A primeira, ao negar o acesso à lotação dos quatro delegados:
"Conforme o disposto nos artigos 6º, III e 31, ambos da Lei nº 12.527, de 2011, informações pessoais são de acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo, não podendo ser fornecidas pelos órgãos e entidades do poder público a terceiros, exceto diante de previsão legal específica ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem."
Na segunda nota, respondeu à dúvida sobre a ausência de dados no Portal da Transparência. Na íntegra, a manifestação:
"A não divulgação no Portal da Transparência de dados relacionados a servidores da Polícia Federal justifica-se pela necessidade de garantia da capacidade investigatória e de repressão a delitos por parte das organizações policiais, bem como a proteção da incolumidade dos policiais e de seus familiares, nos termos dos arts. 22, 23 e 31 da Lei nº 12.527, de 2011.
"Importante destacar que, ao longo da carreira, servidores da Polícia Federal atuam no cumprimento de diligências, ordens de movimentação e de missão, que os expõem a riscos, ameaças, atentados à integridade física e até à vida. A exposição de dados cadastrais ou qualquer outro tipo de informação relacionada ao policial potencializaria o grau de vulnerabilidade de todo o corpo funcional, assim como da própria sociedade e do Estado. Isso porque a percepção de insegurança decorrente da exposição de seus dados pessoais poderia vir a inibir determinadas ações, o que, em última análise, implicaria também prejuízo à própria capacidade investigatória da Polícia Federal.
"Ademais, a divulgação das informações em comento equivaleria ao atendimento de um pedido desarrazoado, a respeito do qual o art. 13, II do Decreto nº 7.724, de 2012, prevê o não acolhimento, tendo em vista que um dos princípios que regem o acesso à informação é o da razoabilidade. Quanto ao pedido desarrazoado, a publicação 'Aplicação da Lei de Acesso à Informação na Administração Pública Federal da Ouvidoria-Geral da União' (2019, 4ª edição) dispõe ser aquele que 'não encontra amparo para a concessão de acesso solicitado nos objetivos da LAI e tampouco nos seus dispositivos legais, nem nas garantias fundamentais previstas na Constituição (...), um pedido que se caracteriza pela desconformidade com o interesse público, segurança pública, celeridade e economicidade da Administração Pública'.
"Dessa forma, entende-se que solicitações dessa natureza são desarrazoadas e não podem ser atendidas por representar risco à capacidade investigatória e de repressão a delitos por parte da PF, bem como à proteção da incolumidade dos servidores."
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