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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Ex-curadora é impedida de visitar bilionária em coma há 5 anos em SP

Anita Harley (à direita), ex-diretora-presidente das Pernambucanas, e Cristine Álvares Rodrigues em missa em memória da mãe de Anita, Helena Lundgren (1922-1990) - Reprodução
Anita Harley (à direita), ex-diretora-presidente das Pernambucanas, e Cristine Álvares Rodrigues em missa em memória da mãe de Anita, Helena Lundgren (1922-1990) Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

16/03/2022 16h23Atualizada em 16/03/2022 16h24

A disputa judicial que envolve a herdeira e ex-diretora presidente das Casas Pernambucanas, Anita Louise Regina Harley, 74, tem um novo capítulo. A comerciária Cristine Álvares Rodrigues agora está impedida de visitar a empresária, internada há mais de cinco anos, em coma, no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, após sofrer um acidente vascular cerebral hemorrágico. Cristine disse que diariamente visitava Anita desde novembro de 2016.

Conforme o UOL revelou no último dia 6, em 1999 Anita — que, segundo a revista Forbes, possuía um patrimônio de R$ 1,85 bilhão em 2020 — assinou uma procuração pela qual concedeu a Cristine, funcionária das Pernambucanas desde 1966 e seu braço direito na companhia por mais de 30 anos, "poderes especiais", incluindo acesso livre ao seu leito em caso de doença ou situação incapacitante — cenário que enfrenta desde novembro de 2016, quando sofreu o AVC em sua casa, na capital paulista.

Após a internação, contudo, os efeitos da procuração passaram a ser desconsiderados pela Justiça, que em 2017 concedeu a função de curador ao advogado paulistano Guilherme Chaves Sant'Anna, desconhecido de Anita, mas da confiança do juiz Paulo Nimer Filho, da 10ª Vara, na qual tramita o processo de interdição dela. Nessa condição, o advogado define os cuidados de saúde e também a gestão do patrimônio da empresária.

Como Anita é uma das maiores acionistas individuais das Pernambucanas, o curador também deve representá-la ou indicar representantes para acompanhamento de assembleias e outros atos da empresa. Assim, temas de alto interesse para a empresa — com 466 lojas físicas no país em 14 estados e no Distrito Federal, 16 mil colaboradores e ativos de R$ 8,3 bilhões em 2020 —, também guardam relação com as disputas judiciais em torno da curadoria sobre a paciente, tanto agora quanto no futuro.

No último dia 11 de fevereiro, a equipe médica, os cuidadores e os seguranças que controlam o acesso a Anita foram substituídos, segundo o hospital, por solicitação do curador. Desde então, a defesa de Cristine luta na Justiça e no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para reverter as decisões.

No último dia 3, Cristine tentou visitar Anita, mas foi impedida no hospital. Por email enviado à advogada de Cristine, a gerência jurídica do Sírio-Libanês informou que a instituição estava "seguindo ordens do curador definitivo da paciente, onde há essa restrição de visita. Só vamos nos manifestar com detalhes através de uma ordem judicial".

Ao UOL a assessoria do hospital informou que "está atendendo aos pedidos do responsável legal".

Sant'Anna foi procurado novamente nesta terça-feira (15) e não se manifestou até a publicação desta reportagem. Caso se manifeste, o texto será atualizado. No último dia 1º, ele escreveu à coluna, por email, que "o processo a que o sr. se refere corre em segredo de justiça e como auxiliar do juízo, não posso fazer comentários nem noticiar a respeito".

O advogado também foi procurado duas vezes anteriormente, em janeiro e fevereiro, e também disse que estava impossibilitado de dar detalhes.

O Tribunal de Justiça informou, no início de março, que o juiz Nimer Filho não se manifestaria sobre o assunto.

Anita Harley (à direita), ex-diretora-presidente das Pernambucanas, e Cristine Álvares Rodrigues durante missa em memória da mãe de Anita, Helena Lundgren (1922-1990) - Reprodução - Reprodução
Anita Harley (à direita), ex-diretora-presidente das Pernambucanas, e Cristine Álvares Rodrigues durante missa em memória da mãe de Anita, Helena Lundgren (1921-1990)
Imagem: Reprodução

Em entrevista concedida nesta segunda-feira (14) ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, Cristine também falou sobre o impedimento de visitar Anita.

"O que mais me angustia é a falta de notícias da saúde dela, de não poder vê-la. Eu a via diariamente. Eu tinha notícia dela durante o dia todo, de todos os sinais vitais dela, eu sabia exatamente o que estava acontecendo com ela em cada minuto. Hoje eu não tenho notícias dela, eu não posso vê-la. Então isso me angustia demais. Eu quero ter a curatela pessoal, que fique bem claro, que eu não quero a curatela patrimonial. Não era isso que estava no testamento. É exatamente o que está no testamento, a curatela pessoal, não a patrimonial."

Em nota enviada à coluna no início de março, o hospital informou: "Mudanças no cuidado da sra. Anita Louise Regina Harley foram solicitadas pelo seu advogado Guilherme Chaves Sant'Anna, que apresentou termo de curatela definitiva, tornando-se curador da paciente e tendo, portanto, autonomia para definir o tratamento da paciente".

Cristine chegou a exercer, por ordem do juiz Paulo Nimer Filho, durante três meses em 2017, a função de curadora provisória dos assuntos pessoais de Anita. Os assuntos sobre patrimônio ficaram aos cuidados de outro antigo funcionário das Pernambucanas, Toshio Kawakami. Contudo, ambos foram destituídos pelo juiz e substituídos por Sant'Anna em setembro daquele ano.

O argumento principal para a decisão foi que uma terceira pessoa se apresentou à Justiça como tendo um relacionamento amoroso e uma união estável com Anita. O juiz passou a entender que os curadores tinham interesse na causa e os afastou, nomeando no lugar Sant'Anna.

A defesa de Cristine foi ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), mas a Corregedoria deu uma decisão favorável a Nimer Filho, dizendo que não houve irregularidade nas suas decisões. Em recurso, a defesa quer que o plenário do CNJ avalie o assunto.

Pela lei, em casos como o de Anita, quando a pessoa fica impossibilitada de exercer as tarefas mais básicas, o Judiciário determina sua interdição e designa um ou mais curadores com a responsabilidade de zelar pelos compromissos financeiros, patrimônio e bem-estar da "interdita". Em troca, os curadores e suas equipes são remunerados mensalmente com recursos da conta bancária da paciente, sob acompanhamento e autorização da Justiça e do Ministério Público. A defesa de Cristine afirmou que ela abriu mão de qualquer remuneração, em 2017, e se interessa pela curadoria pessoal, não a patrimonial.

O advogado de Cristine, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, disse que é "inaceitável que Cristine não possa visitar aquela que é sua melhor amiga e que lhe deixou a incumbência de zelar por ela. É inaceitável, desumano e ofensivo à dignidade humana o que está se fazendo nesse caso. Nós estamos tomando as medidas cabíveis para tentar reverter mais essa violência contra os direitos de Anita e de Cristine".