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Tales Faria

REPORTAGEM

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Desabamento no Rio revela genocídio provocado pela ascensão das milícias

Chefe da Sucursal de Brasília do UOL

03/06/2021 12h03

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O desabamento de mais um pequeno prédio na comunidade de Rio das Pedras, no Rio de Janeiro, é emblemático. Representa bem o momento pelo que passa o país. Rio das Pedras é um bairro próximo à Barra da Tijuca e a Jacarepaguá, onde nasceram as milícias na cidade que chegaram a ser saudadas como uma solução para a violência.

Lembra daquele outro prédio que também desabou na Muzema, uma espécie de sub-bairro de Rio das Pedras? Seus construtores chegaram a ser presos sob acusação de serem milicianos. O sucesso temporário da milícia como uma espécie de polícia do bairro provocou um inchamento vertiginoso de Rio das Pedras, com barracos de alvenaria colados uns nos outros e tornando-se pequenos prédios.

Os milicianos armados, além de cobrar pela "proteção", digamos assim, passaram a também cobrar por TVs a cabo clandestinas, bujões de gás e outros serviços. Tornaram-se os grandes empresários da região, até mesmo construindo e vendendo prédios.

O que desabou na Muzema teria sido um desses. Este agora, não se sabe. Mas era uma construção irregular colada às construções vizinhas, também improvisadas, numa das muitas ruelas do bairro.

Milícias como a de Rio das Pedras, formadas sobretudo por policiais e ex-policiais, se apresentaram como força de combate aos traficantes que dominavam as favelas. Acabaram se tornando uma força paralela, ora em disputa, ora em convívio com o tráfico.

Tomaram praticamente todo o estado. Destruíram a hierarquia na polícia e se envolveram até no assassinato de Marielle Franco.

Não resolveram o problema da violência. Pelo contrário, agravaram, mas se espalharam pelo país. Na verdade, hoje há um verdadeiro genocídio de negros e pobres nas favelas e comunidades periféricas dos centros urbanos brasileiros. Com policiais, milicianos e traficantes misturados nesses atos de violência.

Fabrício Queiroz — que foi subtenente da polícia militar por 31 anos e também o principal assessor do senador Flavio Bolsonaro, quando este era deputado estadual Rio de Janeiro — teve seu envolvimento com milícias apontado em investigações do Ministério Público, inclusive com grupos de Rio das Pedras.

As milícias entraram na política e hoje ocupam postos em praticamente todos os partidos, mas com maior concentração nas pequenas legendas de centro e ultradireita.

Como fizeram com a cidade e o estado do Rio de Janeiro, também estão tornando a política brasileira um território violento, com defesa de teses como a da liberação geral do porte e posse de armas, pena de morte e coisas do tipo.

Não à toa, tornaram a palavra genocídio um vocábulo comum nas discussões políticas, ampliado agora com a pandemia do coronavírus e toda essa conversa de que liberdade é poder sair às ruas sem máscaras e propagandear remédios que não fazem efeito.

Tudo isso está representado ali, naquele prédio mal construído que desabou numa comunidade de pessoas pobres e subjugadas por milícias misturadas com o aparato estatal e político.

A pergunta é: como sairemos dessa?