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Thaís Oyama

Carla Zambelli não chora mais

A deputada Carla Zambelli no tempo em que ainda vertia lágrimas  - Reprodução/Facebook
A deputada Carla Zambelli no tempo em que ainda vertia lágrimas Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

24/07/2020 19h54

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Em maio de 2019, o PSL ainda era "a bancada do Jair".

Tracionados pelo ex-capitão, seus 54 deputados foram eleitos com votação extraordinária, poucos recursos e promessas de "varrer a corrupção", "endurecer com os bandidos", "livrar as escolas da doutrina da esquerda" e, sobretudo, inaugurar uma nova era na política onde não haveria espaço para o toma lá, dá cá.

A deputada Carla Zambelli era um desses recém-chegados. Ex-líder de um movimento que pediu o impeachment de Dilma Rousseff, ela se elegeu com a bandeira do antipetismo e da luta contra a corrupção.

Naquele mês de maio, Zambelli e seus pares no Congresso discutiam uma Medida Provisória do governo que definiria, entre outras coisas, com que ministério ficaria o Coaf - o estratégico órgão de fiscalização considerado ferramenta imprescindível para o combate à corrupção pelo então titular da Justiça, Sérgio Moro.

Bolsonaristas defendiam que o Coaf ficasse com Moro; deputados do Centrão queriam que ele fosse para o Ministério da Economia.

Às vésperas da votação da MP, no dia 9, Bolsonaro convocou uma reunião de emergência no Palácio com a bancada do PSL.

Para surpresa de muitos dos deputados presentes, o ex-capitão pediu que eles apoiassem o relatório que tirava o Coaf das mãos de Moro. Explicou que isso fazia parte de um acordo com o Centrão, sem o qual a MP caducaria.

Assim que o presidente se calou, a deputada Carla Zambelli começou a chorar. Dizendo-se decepcionada com o que acabara de ouvir, abandonou a reunião aos prantos (hoje ela atribui a proposta de tirar o Coaf do Ministério da Justiça não ao presidente, mas à sua arquiinimiga Joice Hasselman). A MP acabou aprovada horas antes de perder a validade e Moro ficou sem o Coaf. Era a primeira vez, que Bolsonaro deixava de lado suas convicções lavajatistas e cedia à lógica da barganha com o Congresso.

Desde então, essa situação se repetiu muitas vezes.

O presidente Bolsonaro mudou de posição quanto:

- à manutenção do foro privilegiado (era contra e passou a ser a favor)

-à possibilidade de reeleição para a Presidência da República (prometeu acabar com ela e agora se apresenta como candidato)

- à prisão de réu após julgamento em segunda instância (em outubro do ano passado, chegou a mandar o filho Carlos Bolsonaro apagar um post em que defendia a medida)

Bolsonaro também:

- empenhou-se, por meio dos filhos, em evitar a abertura da CPI da Lava Toga (de forma a agradar àquele que seria o principal alvo da comissão, o presidente do STF, Dias Toffoli)

- Forçou a demissão do ex-juiz da Lava Jato

- Lançou-se nos braços do Centrão, o bloco de partidos notório pelo apego às mais velhas práticas da barganha política.

Carla Zambelli, no entanto, nunca mais chorou.

Em entrevista à Jovem Pan, a deputada —que não esconde a sua satisfação por ter sido nomeada vice-líder do governo no início deste mês — afirmou não se sentir incomodada com os recuos de Bolsonaro, que atribuiu à "maturidade" do presidente.

A fala da deputada mostra que não foi apenas Bolsonaro que abandonou o bolsonarismo.

Nem bolsonaristas de primeira hora levam mais essa conversa a sério.