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Thiago Herdy

REPORTAGEM

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Moro: risco de ataque a Bolsonaro atrasou transferência de líderes do PCC

Depois de transferência, o líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, passou a cumprir pena em presídio federal - Sérgio Lima/AFP
Depois de transferência, o líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, passou a cumprir pena em presídio federal Imagem: Sérgio Lima/AFP

Colunista do UOL

30/11/2021 04h00Atualizada em 30/11/2021 10h21

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O governo federal adiou a transferência de 22 lideranças do PCC (Primeiro Comando da Capital) para presídios federais por medo de integrantes da facção criminosa tentarem promover um atentado contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no começo de 2019.

O episódio é revelado pelo ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública e pré-candidato do partido Podemos à Presidência da República, Sergio Moro, em seu livro de memórias "Contra o sistema da corrupção" (288 págs, Editora Sextante), que será lançado nesta quinta-feira (2), em Curitiba.

Na condição de ministro, Moro articulou a operação de transferência em parceria com o governo paulista, em atendimento a um antigo pedido do Ministério Público do Estado de São Paulo, que alertava sobre a descoberta de planos para resgatar líderes da facção nas unidades em que eles se encontravam.

O líder máximo do PCC (Primeiro Comando da Capital), Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, e outras 21 pessoas acusadas de integrarem a cúpula da facção foram transferidos para presídios federais no dia 13 de fevereiro de 2019.

Procurado pela coluna para comentar a afirmação de Moro, o Palácio do Planalto não se pronunciou até o momento.

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O presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Sergio Moro
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Operação Imperium

Intitulada Operação Imperium, a ação mobilizou praticamente todo o sistema de segurança estadual e federal e resultou na transferência para unidades federais no Distrito Federal e em Rondônia das principais lideranças do grupo.

Em seu livro, Moro conta que decidiu sobre a transferência ainda durante o governo de transição, no fim de 2018, quando travou as primeiras conversas a respeito do assunto com o então governador eleito de São Paulo, João Doria (PSDB).

No relato, o ex-ministro conta que a ideia era realizar a operação ainda em janeiro de 2019. "As transferências deveriam ser feitas com urgência - quanto mais demorassem, maior seria a possibilidade de que a informação vazasse e colocasse em risco a operação", escreveu.

No entanto, sugiram contratempos. O primeiro foi a viagem com Bolsonaro para o Fórum de Davos, no fim de janeiro. "Não seria conveniente realizar realizar essa operação arriscada estando fora do país", escreveu.

O segundo contratempo foi a internação do presidente no hospital Albert Einstein, em São Paulo, em 27 de janeiro, para retirada de uma bolsa de colostomia que colocara após o atentado sofrido durante a campanha eleitoral.

"Seria conveniente fazer as transferências com o presidente internado em um hospital de São Paulo? Se o PCC quisesse retaliar o governo federal, não seria o hospital um alvo possível?", escreveu Moro.

O temor era que a organização repetisse os atentados de 2006, quando o grupo patrocinou rebeliões em presídios, incêndios de ônibus, ataques a unidades policiais e agentes penitenciários, em retaliação ao tratamento carcerário mais rigoroso imposto às lideranças do grupo.

De acordo com o ex-ministro, a previsão era de que Bolsonaro ficasse internado por uma semana após a cirurgia. Então, por "prudência", segundo ele, a operação foi marcada para 13 de fevereiro, "quando o presidente já teria tido alta e estaria em Brasília".

A medida quase deu errado. Isso porque houve complicações na cirurgia e Bolsonaro teve a internação estendida por 17 dias. O presidente deixou a capital paulista no dia 13, o mesmo dia da operação.

"Não havia mais como postergar a operação, por questões de logística e riscos de vazamento", escreveu.

O temor maior das autoridades de segurança dizia respeito ao que pudesse ocorrer nos dias seguintes à transferência.

No livro, o ex-ministro relata a preocupação de Bolsonaro com o risco de ocorrerem ataques a civis. O medo de ser responsabilizado por isso - até mesmo com eventual processo de impeachment - levou o presidente a pedir a Moro o cancelamento da medida. No entanto, diante das decisões judiciais pela mudança, isso não era mais possível.

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O governador João Doria entrega ao ex-ministro Sergio Moro a Ordem do Ipiranga, no Palácio dos Bandeirantes, em 2019
Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Críticas ao governo de São Paulo

Em seu livro, Moro criticou o governo paulista por ter permitido que o PCC crescesse e se tornasse mais perigoso ao longo dos anos.

"Houve, com todo o respeito, uma certa acomodação do governo paulista no modo de lidar com a organização criminosa e suas lideranças. Isso enviou uma mensagem errada ao mundo do crime, permitindo o crescimento e fortalecimento desse grupo e levando criminosos comuns a pensar: 'se o Estado não tem coragem de enfrentar a facção, eu quero fazer parte dela para ter a mesma proteção.'", escreveu o ex-ministro.

Moro diz que sempre parece ter interessado às lideranças do PCC continuar nos presídios de São Paulo, onde, mesmo encarceradas, "mantinham o controle da organização".

"O que era basicamente um grupo criminoso paulista transformou-se em uma organização nacional, com ramificações em vários estados e conexões internacionais relevantes", escreveu o ex-juiz.

As disputas por poder e dinheiro dentro da principal organização criminosa do Brasil são narradas na segunda temporada do documentário do "PCC - Primeiro Cartel da Capital", produzido por MOV, a produtora de documentários do UOL, e o núcleo investigativo do UOL.

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