Valmir Salaro

Valmir Salaro

Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Suicídios de policiais crescem 26% no Brasil, aponta Fórum de Segurança

Os suicídios dentro das polícias brasileiras são uma realidade cruel que não nos surpreende mais. Faz parte da rotina dos quartéis e delegacias do país a notícia de um colega ou ex-colega que cometeu suicídio.

Um novo dado serviu de alerta ainda maior.

Em 2023, 118 policiais deram fim à própria vida no Brasil, segundo levantamento do Anuário da Violência do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O número é altíssimo e assustador: aumentou 26,2%, em comparação aos dados de 2022.

"Os suicídios têm crescido porque, durante uma ação, tenta se mostrar, nesses anos todos, que os policiais são heróis e que precisam combater o crime a qualquer custo. É uma profissão pouco valorizada e de alto risco."

Essa é a opinião do presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima.

O aumento é mais uma camada da epidemia da violência em um quadro já muito doente: a falta de segurança que vivemos há décadas no país.

Policial da Rota em operação no centro de São Paulo
Policial da Rota em operação no centro de São Paulo Imagem: Zanone Fraissat -2.jun.20/Folhapress

O brasileiro vive com medo

Os dados do Anuário mostraram que o medo dos brasileiros é real: crimes e mais crimes se multiplicam a cada segundo (sem exagero) em todos os pontos do país.

Continua após a publicidade

Roubos, assassinatos, estupros, confrontos entre policiais e criminosos, golpes, feminicídios (que viram manchetes a todo momento). Os números são precisos e refletem o aumento da violência e da criminalidade.

Um Código Penal inteiro de crimes é registrado pela polícia brasileira todos os dias.

Entre eles estão os dados citados sobre o suicídio dos policiais civis e militares mostrados pelo relatório.

Eles matam, morrem e se suicidam.

"As condições são perversas, por exemplo: muitos policiais recebem gratificações quando ultrapassam as horas de trabalho. Mas, se tiram licença médica por saúde mental, por exemplo, perdem a gratificação", aponta Renato Sérgio.

Esses policiais que se suicidam têm quase sempre a própria arma ao lado.

Continua após a publicidade

Um recorde trágico

Lá no começo falamos em 118 casos em 2023, um "recorde" — palavra que só deveria ser usada para conquistas — em relação a 2022.

Em São Paulo os números explodiram: foram 31.

Agentes da Polícia Civil de São Paulo em operação
Agentes da Polícia Civil de São Paulo em operação Imagem: Divulgação

Por que houve esse aumento?

Segundo o ex-chefe do Centro de Atenção Psicológica e Social da Polícia Militar de São Paulo, Paulo Augusto Leite Motooka, o principal fator é a questão familiar na vida do policial.

Continua após a publicidade

"Ele tem conflitos, desavenças e separações, além de outras questões pessoais dentro de casa que podem levar ao suicídio", explica ele.

Outro fator, segundo Motooka, é a exposição constante da profissão. Policiais que atuam diretamente contra o crime vivem em crise constante. Os danos mentais são grandes diante do aumento da violência.

O psicólogo, que atuou quase duas décadas na PM dando apoio e atendendo policiais em crises de estresse e depressão, admite que pode haver subnotificação dos casos.

Muitas vezes, a ação trágica acontece quando os policiais já estão aposentados ou afastados definitivamente da polícia devido a doenças.

"Quando a gente conversa com as instituições, quase sempre elas colocam na conta do indivíduo: ele [o policial] tinha problema em casa, era alcoólatra, brigava com a família", diz Renato Sérgio de Lima.

"Mas isso não justifica condições de trabalho precárias e a falta de acolhimento. A urgência é de que isso seja visto como uma questão institucional e não só como problema individual de policiais."

Continua após a publicidade
Polícia Civil do RJ faz operação contra lavagem de dinheiro do tráfico
Polícia Civil do RJ faz operação contra lavagem de dinheiro do tráfico Imagem: Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O 'bico', sem farda e mais trabalho

Uma questão importante pode elevar essa tensão interna: os salários baixos, muitas vezes, levam a uma segunda jornada de trabalho depois que o policial tira a farda — o famoso "bico".

Os PMs usam o tempo de lazer e descanso para prestar serviços de segurança particular, usando a arma da corporação e sem nenhuma proteção durante um eventual ataque.

"O suicidio de policiais é preocupante em todas as polícias do mundo. Policiais têm à disposição um instrumento para resolver uma aflição pré-suicida, que é a arma de fogo. Por isso, a taxa de suicidio entre policiais é maior, em comparação à da população em geral", argumenta o coronel José Vicente da Silva, consultor de segurança.

"Toda a instituição policial deve estar atenta aos sinais de policiais que estão passando por crise depressiva e tentar ajudar o policial."

Continua após a publicidade

Segundo José Vicente e Motooka, a Polícia Militar de São Paulo criou no ano passado um serviço de atendimento 24 horas por dia para dar suporte aos policiais aflitos com o acúmulo dos problemas pessoais e o risco que correm nas ruas.

"Depois da criação do sistema de telepsicologia o número de suicídios teve uma queda significativa. Caíram quase 60% dos casos neste primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado", diz o coronel Paulo Motooka.

Esperamos que essa tendência de queda no número de suicídios de policiais seja refletida na próxima edição do Anuário da Violência no Brasil.

Centro de Valorização da Vida

Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes