Topo

Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Eleições. Militares poderão colocar Justiça Eleitoral sob suspeita

O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, se reúne com o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e técnico das Forças Armadas -  Alejandro Zambrana/Secom/TSE
O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, se reúne com o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e técnico das Forças Armadas Imagem: Alejandro Zambrana/Secom/TSE

Colunista do UOL

15/09/2022 14h21Atualizada em 15/09/2022 15h21

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Até 1932, quando entrou em vigor o Decreto 21.076 a criar a Justiça Eleitoral e a instituir o voto secreto, votação no Brasil sempre foi algo escandaloso. No popular, era um "assalto".

O jogo eleitoral era marcado pela influência abusiva do governo. Havia o clientelismo nas áreas rurais e contava o componente plutocrático, ou seja, o poder do dinheiro. A lição do iluminista Jean-Jacques Rousseau era piada: "o povo é livre apenas uma vez. Quando se dirige a votar para os seus representantes".

Os militares, em 1889, tinham proclamado a República e nunca se afastaram da vida política. Para o historiador José Murilo de Carvalho, o tenentismo começou com a proclamação da República.

O Clube Militar, como se dizia, era um verdadeiro e influente ministério. O marechal Hermes da Fonseca, depois de presidente e de volta de uma longa viagem ao exterior, virou presidente do referido Clube Militar e azucrinou a presidência de Epitácio Pessoa.

A Justiça Eleitoral deu certo. Deu tão certo que a ditadura do populista Getúlio Vargas acabou com ela em 1937. Só voltou em 28 de maio de 1945.

No período da ditadura militar manteve-se viva, mas burocrática e submissa. Com a redemocratização, voltou ao seu papel de garante das eleições e do princípio republicano de manter a igualdade entre os concorrentes, em especial nos períodos de propaganda.

Depois de longos anos de espera, a Justiça Eleitoral tirou as Forças Armadas para dançar, no baile das eleições de 2022.

A Têmis eleitoral - no momento - é presidida pelo ministro Alexandre de Moraes. O outro par da dança —- as Forças Armadas —- tem como comandante supremo Jair Bolsonaro.

E o ministro da Defesa - general Paulo Sérgio Nogueira - é um simples agente da autoridade do presidente da República. A lembrar: o ministro da Defesa é demissível "ad nutum", a significar por um balanço de cabeça do presidente Bolsonaro.

Como esperado, os dançarinos não combinam nos passos. A desarmonia impera. Sapatos e coturnos são pisados pelos salões. E a música da orquestra a animar essa dança —- onde é difícil até o dois para lá e dois para cá —-, não deverá terminar tão cedo.

Com Bolsonaro a apontar —- sem nenhuma comprovação —- a vulnerabilidade das urnas eletrônicas, o Tribunal Superior Eleitoral — em 2021 e à época presidido pelo ministro Roberto Barroso —- teve a péssima ideia de convidar as Forças Armadas. Isso para —com outras entidades — fiscalizar as eleições e integrar a Comissão de Transparência das Eleições.

Barroso tirou os militares da sua atribuição constitucional. Chamou as Forças Armadas para o movediço terreno da política.

Péssima ideia. E pela razão única de Bolsonaro - como comandante das Forças Armadas e chefe de outro poder (do Executivo) — usar o discurso da falta de segurança nas urnas eletrônicas para embalar os seus discursos golpistas.

Bolsonaro - que mente no seu discurso de risco de fraude eleitoral - precisa de alguma contestação ao sistema eleitoral pelas Forças Armadas. Isso para continuar a bater na tecla de sempre e, se perder, afirmar não terem sido limpas as eleições.

Nesta semana, no seu mea culpa, ele manteve a desconfiança nas urnas eletrônicas. Foi um mea culpa sem sinceridade e voltado a colher dividendos nas urnas.

Como lembrou o ministro Fachin — já presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)-, as Forças Armadas não têm competência e nem legitimação constitucional para ter participação no processo eleitoral. Chegou a falar ser eleição da competência de forças desarmadas.

Fachin só esqueceu — e acabou sendo grosseiro — que as Forças Armadas foram convidadas pelo próprio TSE a colaborar.

Enfim, o ministro Fachin tinha dado por encerrada a colaboração das Forças Armadas e frisou, numa segunda grosseria, que as sugestões finais por elas apresentadas seriam analisadas depois da eleição de 2022.

O ministro Moraes reconsiderou a decisão de Fachin e as Forças Armadas — para alegria de Bolsonaro— voltaram à cena.

Segundo noticiado, as Forças Armadas realizarão uma apuração paralela por amostragem. Farão a fiscalização e a totalização dos votos de cerca de 385 sessões eleitorais. Uma tarefa exclusiva da Justiça Eleitoral.

Por amostragem, as Forças irão fiscalizar o caminho do voto, ou seja, a transmissão da urna para os Tribunais Regionais e destes para o Tribunal Superior.
A pergunta que não quer calar é a que feita sempre pelo saudoso cientista político Maurice Duvergerger: " "Qui garde le gardien?", ou seja, quem fiscaliza o fiscal.

E tem mais. No dia da eleição, por sugestão das Forças Armadas, teremos de 32 a 64 eleitores, — ao vivo e em cores—, a participar da testagem por biometria da integridade das urnas.

As reuniões entre Moraes e o general Paulo Sérgio Nogueira, — quando faltam poucos dias para a eleição - estão sendo tensas, com portas fechadas. Pior, sem lavratura de atas. Sem atas, fica a palavra de um contra a do outro.

As Forças Armadas, na verdade, querem fiscalizar de ponta a ponta e nos dois turnos. São instituições de Estado e não de governo. Mas, com Bolsonaro, estão a revelar muita tolerância com o presidente.

Todos já percebem que as Forças Armadas, pelo ministro da Defesa, estão a colocar, — com pelos em ovos —, a legitimação da Justiça eleitoral em conduzir eleições aptas a se extrair a vontade do eleitor.

Pelo caminhar dos coturnos, as Forças Armadas poderão colocar sob suspeita a Justiça Eleitoral.