Pesquisadora do Datafolha não negou entrevista por posicionamento político
É falso que uma pesquisadora do Instituto Datafolha tenha deixado de entrevistar um apoiador de Jair Bolsonaro (PL) por causa do posicionamento político dele, como sugere um vídeo que circula nas redes sociais Kwai e Facebook. É parte do procedimento padrão da empresa não aceitar entrevistas de pessoas que se ofereçam para responder o questionário, o que ocorreu naquela ocasião, segundo o Datafolha. Isso é feito para garantir que a amostra seja aleatória e evite vieses. Ao Comprova, os institutos Quaest e Ipec afirmaram que a prática é comum.
Conteúdo investigado: Vídeos publicados nas redes sociais Kwai e Facebook, em 13 de setembro, que mostram dois homens abordando uma mulher identificada como pesquisadora do Datafolha e acusando-a de se recusar a entrevistar eleitores que declaram voto no presidente Bolsonaro.
Onde foi publicado: Kwai, Facebook e TikTok.
Conclusão do Comprova: É falso que uma pesquisadora do Instituto Datafolha tenha se negado a entrevistar um homem porque ele é apoiador do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PL). "Se você é bolsonarista, ela não aceita; só aceita do Lula", diz o autor da gravação. Nota publicada pelo instituto informa que o homem abordou a pesquisadora, perguntou se ela trabalhava no Datafolha e solicitou que ela o entrevistasse. O fato ocorreu, segundo a empresa, no dia 13 de setembro, na cidade de São Paulo.
Como o Datafolha publicou, "não aceitar entrevistas de pessoas que se ofereçam para responder a um questionário é uma das principais normas de condução que esses pesquisadores devem atender durante sua abordagem". Desta forma, as afirmações feitas pelo autor do vídeo são falsas, já que, conforme explica o Datafolha, "os pesquisadores do instituto recebem um treinamento padronizado, que determina que pessoas que se oferecem para serem entrevistadas devem ser obrigatoriamente evitadas, para que a amostra seja aleatória".
"É uma prática comum entre os institutos de pesquisa não entrevistar quem se dispõe a responder. Isso é para evitar vieses", diz a cientista política Tathiana Chicarino, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo - Escola de Humanidades (FESPSP). Ela explica que esse cuidado é para evitar, por exemplo, respostas de eleitores de determinado candidato que, ao saber que a pesquisadora está naquele local, se desloquem até lá para participar da pesquisa.
Consultado pelo Comprova, o Quaest, instituto que também tem feito pesquisas eleitorais semanais nesta campanha, informou que segue o mesmo procedimento. "Temos protocolos de condução de entrevista e abordagem que incluem a orientação de não entrevistar pessoas que se ofereçam para esse fim", afirmou a empresa. O Ipec também confirmou que seus pesquisadores são orientados a não entrevistar pessoas que se ofereçam para participar da pesquisa.
No vídeo aqui verificado, o autor filma a pesquisadora, tenta mostrar o nome dela no crachá e a agride verbalmente. Como explica a Folha, os pesquisadores também são instruídos "a não dar permissão para ser filmado e a não usar o crachá do Datafolha enquanto estiver se deslocando".
Em certo momento, a mulher tenta interromper a filmagem, mas, em seguida, usa uma prancheta para esconder o rosto, continua andando na calçada e se afasta do agressor, ainda sob ataques verbais.
A última rodada da pesquisa Datafolha sobre a eleição presidencial, publicada em 15 de setembro, mostrou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 45% das intenções de voto para o 1º turno. Bolsonaro aparece em seguida, com 33%. Na rodada anterior, divulgada no dia 10 de setembro, antes da gravação do vídeo, Lula registrou 45% e Bolsonaro, 34%. O fato de o levantamento apontar o presidente atrás do petista na pesquisa é motivo de frequentes ataques de bolsonaristas.
O Comprova classifica como falso todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga conteúdos que tenham maior alcance nas redes sociais. Até o dia 19 de setembro, o vídeo teve cerca de 50 interações, entre curtidas, comentários e compartilhamentos, no Kwai. No Facebook, que sinaliza o conteúdo como informação falsa, foram mais de 3 mil interações, entre visualizações, curtidas, comentários e compartilhamentos.
O que diz o autor da publicação: As publicações no Kwai e no Facebook tiveram origem em um vídeo postado, inicialmente, no TikTok. Como esta plataforma não permite o envio de mensagens entre contas que não se seguem mutuamente, o Comprova encontrou o perfil do autor da publicação original, Israel Rangel, no Facebook. Não obtivemos retorno dele, entretanto. Conseguimos entrar em contato com o outro homem que aparece no vídeo verificado, Tiago Candeias, mas não foi possível colher o depoimento dele antes do fechamento desta verificação. Em caso de resposta, este texto será atualizado.
Como verificamos: Fazendo uma busca no Google pelas palavras-chave "pesquisadora" e "Datafolha", o Comprova encontrou duas checagens que tratavam do mesmo vídeo aqui investigado, uma feita pela Reuters e a outra, pela Fato ou Fake. Além disso, a pesquisa resultou em uma nota do Datafolha sobre o caso, relatando procedimentos seguidos pela funcionária no episódio. Outro resultado obtido foi uma reportagem da Folha de S.Paulo, ao qual o Datafolha é associado, sobre a hostilidade sofrida por pesquisadores do instituto em geral.
Em seguida, para confirmar a localização do vídeo, o Comprova identificou elementos que pudessem indicar onde a abordagem à pesquisadora ocorreu, como o número de um edifício e dois detalhes de fachadas de prédios.
| Capturas de tela do vídeo investigado mostram elementos na fachada de um prédio
No vídeo, o autor diz: "Datafolha fazendo a pesquisa aqui na Queiroz Filho, no Alto da Lapa". Na nota do instituto, há informação de que a pesquisadora foi abordada na Vila Leopoldina, na cidade de São Paulo. Com isso, a equipe buscou no Google Maps por "Queiroz Filho, número identificado em um prédio no vídeo e Vila Leopoldina". O endereço em questão fica, na verdade, na Vila Hamburguesa, bairro ao lado da Vila Leopoldina e do Alto da Lapa. Elementos da imagem do Google Street View confirmam que o vídeo verificado foi gravado nessa localização.
| Capturas de tela do Google Street View mostram os mesmos elementos identificados no vídeo investigado
Os vídeos postados no Kwai e no Facebook têm marca d'água que indicam que o vídeo foi originalmente postado no TikTok por usuário identificado na rede como Israel Rangel. No dia 14 de setembro, Israel postou na rede social uma gravação criticando o TikTok por ter apagado um vídeo que ele havia postado e citou o caso de uma pesquisadora do Datafolha. O vídeo com as críticas à rede social também foi apagado (não é possível afirmar se a medida foi tomada pela plataforma ou pelo usuário).
A reportagem também entrevistou, por telefone, a cientista política Tathiana Chicarino, professora da FESPSP. Os institutos Quaest e Ipec, que realizam e divulgam pesquisas sobre a eleição presidencial, também foram consultados.
Pesquisadora seguiu procedimento padrão
Em nota publicada no dia 14 de setembro, o Instituto Datafolha informou que, no dia anterior, uma pesquisadora havia sido atacada enquanto realizava seu trabalho na cidade de São Paulo. O instituto esclareceu que a profissional foi abordada pelo segurança de um estabelecimento comercial após fazer uma entrevista em frente ao local. O homem, diz a nota, estava filmando a pesquisadora, perguntou se ela trabalhava no Datafolha e pediu-lhe para ser entrevistado.
De acordo com o instituto, a profissional procedeu de forma correta, explicando que não poderia entrevistá-lo, porque as abordagens da pesquisa devem ser aleatórias: pedidos como o que ele fez ferem o critério de aleatoriedade. Segundo o Datafolha, a pesquisadora também explicou que tinha cotas de idade a cumprir, as quais a pessoa que a abordou não atenderia.
O Datafolha informou ainda que realiza treinamentos regulares para orientar os pesquisadores de campo e esclareceu que uma das principais normas é não aceitar entrevistas de pessoas que se ofereçam para responder ao questionário. O desrespeito a essa regra leva ao cancelamento automático de todos os questionários do pesquisador em questão.
"Dessa forma, diante da recusa em não entrevistar pessoas que se ofereçam ou agressivamente exijam responder a um questionário, a pesquisadora não só atendeu a todos os parâmetros que uma pesquisa séria deve seguir, mas também protegeu o objeto de seu trabalho", diz o texto.
O Datafolha mostrou que a hostilidade contra os pesquisadores é crescente. Em apenas um dia, o instituto registrou dez casos em municípios de diferentes regiões do país. Ao todo, são 470 pesquisadores atuando na empresa.
Prática comum
De acordo com a cientista política Tathiana Chicarino, professora da FESPSP, o procedimento da pesquisadora do Datafolha no vídeo verificado, além de ser o correto, costuma ser o padrão de institutos de pesquisa. "Quando você faz uma pesquisa estatisticamente válida, há essa prioridade. Você não pode pegar alguém que quer responder, porque isso pode resultar no enviesamento da pesquisa", diz ela.
O Quaest, instituto de pesquisa com sede em Belo Horizonte, confirma. Ao Comprova, afirmou orientar seus pesquisadores a não entrevistar quem se oferece para tal e que intensificou a preparação dos pesquisadores em relação a situações violentas, como a agressão sofrida pela entrevistadora do Datafolha. Entre os pontos, o Quaest destaca que "qualquer tentativa de intimidação deve ser relatada à polícia local e à supervisão de campo, se o entrevistador perceber que está sendo gravado, a entrevista deve ser interrompida imediatamente e relatada à supervisão de campo para substituição de entrevistador na área sorteada e entrevistas devem ser feitas sem a presença de terceiros para evitar influência ou favorecer indução".
Em nota, o Ipec Inteligência informou que os pesquisadores do instituto também são orientados a não entrevistar pessoas que se ofereçam para responder o questionário, pois a seleção do entrevistado tem que ser aleatória. "No nosso caso, a pesquisa é realizada em setores censitários que são conjuntos de quarteirões que foram selecionados para a amostra através do método PPT (Probabilidade Proporcional ao Tamanho). Ele só pode entrevistar pessoas que residam naquele conjunto de quarteirões. Ele pode bater nas casas ou abordar pessoas que estejam circulando no setor, desde que residam naquele conjunto de quarteirões e que preencham as características determinadas na amostra", explicou o Ipec.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia, as eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal. A menos de 20 dias do primeiro turno das eleições deste ano, cresce o número de conteúdos que tentam desacreditar as pesquisas de opinião. Publicações como a verificada nesta checagem prejudicam a confiança das pessoas sobre os institutos de pesquisa e podem influenciar o voto de forma equivocada. A decisão do eleitor deve ser tomada com base em informações e fatos.
Outras checagens sobre o tema: Outras agências de checagem como a da Reuters e a Fato ou Fake, do G1, também classificaram o vídeo verificado pelo Comprova como falso. Em maio deste ano, o Estadão Verifica desmentiu conteúdo semelhante.
Em verificações anteriores envolvendo pesquisas eleitorais, o Comprova mostrou que uma entrevista sobre voto foi feita por humorista, não pelo Datafolha, que um pesquisador agiu corretamente ao não mostrar questionário de pesquisa eleitoral e que um senador ironizou resultado de instituto para desacreditar pesquisas eleitorais.
Este conteúdo foi investigado por Folha Plural, O Popular e Crusoé. A investigação foi verificada por Piauí, A Gazeta, O Dia, SBT, sbt news e Estadão. A checagem foi publicada no site do Projeto Comprova em 19 de setembro de 2022.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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