Sinal de "L" feito por traficantes não é referência a Lula (PT)
É falso que o sinal feito por traficantes do Rio de Janeiro, que indicam a letra "L" com as mãos em vídeo que circula nas redes sociais, tenha relação com o ex-presidente e candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O gesto simboliza a facção criminosa Amigos dos Amigos (A.D.A), segundo especialista consultado pelo Comprova e reportagens sobre o tema. Às vésperas do segundo turno, a peça de desinformação tenta criar relação dos criminosos com o presidenciável, embora o vídeo seja de 2018, quatro anos antes deste período eleitoral.
Conteúdo investigado: Vídeo com imagens da prisão de traficantes no Morro do Urubu, na Zona Norte do Rio de Janeiro, com locução masculina narrando detalhes da ação. Nas imagens, os criminosos fazem "L" com a mão e sobre a imagem o título informa "Traficantes tiram foto no blindado". Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não é citado, mas os comentários da postagem no Kwai associam o símbolo à inicial do nome do ex-presidente e candidato à Presidência da República. No TikTok, a gravação está acompanhada da frase "Traficantes fazem o L". No WhatsApp, um trecho do vídeo circula com uma foto do petista com chifre e a seguinte inscrição: "Esse é meu garoto, mó orgulho de você companheiro!"
Onde foi publicado: Kwai, TikTok, Twitter e WhatsApp.
Conclusão do Comprova: É falsa a associação criada entre traficantes fazendo a letra "L" em vídeo de reportagem com o ex-presidente Lula, que usa a letra inicial de seu nome na campanha eleitoral. O gesto é uma referência a um líder da facção Amigos dos Amigos (A.D.A), Paulo César Silva dos Santos, conhecido como Linho e que desapareceu no início dos anos 2000. O grupo criminoso, que atua no Rio de Janeiro, é uma dissidência do Terceiro Comando e rivaliza com o Comando Vermelho.
O conteúdo investigado foi compartilhado em plataformas de vídeo sem fazer referência a Lula, porém, induz a interpretações equivocadas pelos internautas, uma vez que a gravação foi cortada, dando destaque aos traficantes que fazem o "L", e não informa o contexto original do material. Apesar de publicada às vésperas do segundo turno, na verdade trata-se do trecho de uma reportagem exibida pela TV Record em 2018 — isto é, quatro anos antes do atual período eleitoral.
Já no WhatsApp, a mensagem circula com uma foto de Lula, cuja imagem é acompanhada de chifres e uma frase atribuída ao ex-presidente: "Esse é meu garoto, mó orgulho de você, companheiro!"
Imagens do mesmo vídeo também foram usadas na propaganda de TV do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), estabelecendo uma relação indevida dos traficantes com seu adversário na disputa.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e tenha sido divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 19 de outubro, a publicação obteve no Kwai mais de 860 mil visualizações, 48,7 mil curtidas e outros 14,2 mil compartilhamentos. No TikTok, foram 603 mil visualizações e 13,4 mil curtidas, enquanto a postagem no Twitter registrou a menor performance, com pouco mais de 200 interações. Já no WhatsApp, não há possibilidade de medir o alcance.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil Mundo d@s News pelo Kwai, mas não houve resposta até a publicação desta checagem. Também tentou contato com a conta do TikTok que postou o vídeo na plataforma, Willianlima3513, porém, não é possível o envio de mensagens entre perfis que não se seguem mutuamente.
Como verificamos: Buscamos no Google pelas palavras-chaves "traficantes", "sinal", "L" e "Lula". Entre os resultados, o primeiro foi a verificação do De Fato, do SBT, que em setembro já desmentia a relação do gesto feito por traficantes com Lula. A publicação também explicava que o símbolo é usado pela facção A.D.A, numa referência a um de seus líderes, Linho.
A consulta ainda retornou reportagem do The Intercept, que descreve a atuação dos grupos criminosos no Rio de Janeiro e esclarece o uso do "L".
Em uma nova pesquisa, agora com o termo "ADA", entre os principais resultados foram encontrados uma postagem no Twitter, de 2020, também falando sobre a simbologia da letra na facção, e um vídeo postado em 2021, no canal do YouTube "A.D.A do Linho", com um funk intitulado "Faz o L Só Quem É A.D.A Até Morrer", que traz essa mesma frase em quatro momentos da composição.
A partir de informações contidas no conteúdo aqui investigado, chegamos ao vídeo original, que é uma reportagem da TV Record sobre a prisão de traficantes no Complexo do Alemão, em 2018.
A reportagem também entrou em contato com o especialista em segurança pública e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Lenin Pires para explicar a razão que leva determinado grupo de traficantes a fazer a letra "L" com as mãos, e ainda a assessoria de Lula, para se manifestar sobre o caso, mas não houve resposta.
Por fim, a equipe procurou o responsável pela postagem do vídeo no Kwai, tanto pela ferramenta de bate-papo quanto pelos comentários, mas não houve retorno. A reportagem ainda tentou contato com o perfil que inseriu o vídeo no TikTok, porém a plataforma não permite troca de mensagens entre usuários que não se seguem mutuamente.
O vídeo
O vídeo que circula nas redes sociais é o trecho de uma reportagem da TV Record, veiculada em agosto de 2018 sobre a prisão do traficante Marcos Vinicius Tostes da Silva, conhecido como Pitbull ou MV e apontado pela polícia como chefe do tráfico no Morro do Urubu, zona norte do Rio de Janeiro. A gravação original, que tem 2 minutos e 27 segundos, mostra o criminoso e também outros traficantes fazendo a letra "L" com as mãos em uma foto.
Já o conteúdo investigado tem menos de um minuto e o corte do vídeo destaca justamente o gestual dos criminosos. Em uma das publicações, o trecho é acompanhado da frase "Traficantes fazem o L" e, em outra, está acompanhada da foto de Lula e uma frase atribuída ao presidenciável como se estivesse elogiando Marcos Vinicius.
O que significa a letra L
Ao contrário do que sugere a publicação falsa, a letra "L" usada por traficantes não tem relação com o ex-presidente Lula, mas sim com a facção criminosa Amigo dos Amigos (A.D.A), criada sob a liderança de Paulo César Silva dos Santos, o Linho. A inicial do apelido do criminoso (Linho) foi o que motivou o gestual dos traficantes.
Professor do Departamento de Segurança Pública da UFF, o antropólogo Lenin Pires ressalta que o A.D.A sempre fez o "L", justamente pela alusão a um de seus fundadores. "Linho é uma figura histórica, importante, que procurou estabelecer essa identidade, alternativamente a uma dissidência, um racha em relação tanto ao Terceiro Comando como também a determinados segmentos do Comando Vermelho. No Amigo dos Amigos, o Linho é uma referência", explicou. O traficante desapareceu em janeiro de 2003, em São Paulo, porém, a marca ficou.
Uma reportagem do The Intercept, de dezembro de 2018, sobre facções no Rio de Janeiro já trazia a informação de que os traficantes usavam o "L" como símbolo do grupo criminoso.
| Reprodução de tela de reportagem do The Intercept. Captura feita em 19 de outubro de 2022.
Dois anos depois, no Twitter, o The Intercept fez um fio sobre as facções do Rio, mencionando a diferença de comportamento e de vocabulário. Mais uma vez explicava o uso da letra "L" e citava também a utilização de diversos símbolos e expressões que identificam outras facções. Essa é uma prática comum a esses grupos, como mostra reportagem do Extra, de 2015, ao revelar que o "RL" de pichações e citações no Rio era uma referência a Rogério Lengruber, um dos fundadores do Comando Vermelho.
Vídeo de traficantes é usado pela campanha de Bolsonaro
Em uma de suas propagandas de TV, Bolsonaro usa o trecho do mesmo vídeo para tentar estabelecer, de maneira indevida, a relação de Lula com traficantes. A peça trata da votação em presídios e nela aparece o traficante Pitbull fazendo o "L".
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a retirada da propaganda do ar, após atender a petição feita pela equipe jurídica da coligação de Lula que apontava, entre outras irregularidades, manipulação de dados sobre a votação em ambientes prisionais.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam na internet relacionados às eleições presidenciais de 2022, à pandemia e a políticas públicas do governo federal. O conteúdo aqui investigado usa imagens de uma reportagem de 2018 para associar falsamente o "L" feito por traficantes ao apoio ao candidato à Presidência da República Lula. A disseminação de peças de desinformação é uma prática nociva à democracia, porque a população tem direito de fazer suas escolhas baseadas em conteúdos confiáveis.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova tem desmentido frequentemente conteúdos relacionados aos presidenciáveis que concorrem neste segundo turno das eleições. Recentemente, mostrou que a sigla "CPX", em boné usado por Lula, significa complexo (conjunto de favelas) e não tem relação com facção criminosa, que um vídeo afirmando que Lula chamou apoiadores são vagabundos e traficantes é falso, e também que é enganosa a associação de Lula e do PT com apreensão de drogas no Mato Grosso do Sul.
Outras agências de checagem desmentiram conteúdos similares ao verificado, como a De Fato, responsável por revelar que traficantes não fizeram o símbolo de Lula em fotos postadas nas redes sociais, e a Aos Fatos, que desmentiu a invasão de traficantes em seções eleitorais no Rio de Janeiro para obrigar votos em Lula.
Este conteúdo foi investigado por A Gazeta, Alma Preta, Tribuna do Norte, Plural e SBT. A investigação foi verificada por UOL, Estadão, Folha, CNN Brasil, Estado de Minas, Metrópoles, Correio do Estado e O Dia. A checagem foi publicada no site do Projeto Comprova em 19 de outubro de 2022.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.