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Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


No Roda Viva, Bolsonaro erra sobre atacar banqueiros e ser vice de Aécio

Arte UOL sobre reprodução/TV Cultura
Imagem: Arte UOL sobre reprodução/TV Cultura

Bárbara Libório e Luiz Fernando Menezes

Do Aos Fatos

31/07/2018 16h49Atualizada em 06/09/2018 13h03

Em entrevista no Roda Viva, da TV Cultura, o deputado e pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL-RJ) afirmou erradamente nunca ter "atacado" banqueiros e distorceu uma declaração do ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa sobre ele ser o único a não ter sido comprado pelo PT no julgamento do mensalão. Além disso, ele exagerou resultados do governo Donald Trump, nos Estados Unidos. O parlamentar ainda negou declaração que deu sobre o senador Aécio Neves em 2014.

A reportagem entrou em contato com a assessoria do pré-candidato para que ele pudesse comentar as checagens. Até a última atualização, no entanto, não havia recebido retorno. Veja abaixo oito declarações que foram checadas.

Eu nunca disse isso [que queria ser vice do Aécio].

FALSO: A declaração de Bolsonaro foi considerada falsa porque, além de ele ter, sim, dito que queria ser vice de Aécio em entrevista, o deputado demonstrou seu apoio ao senador tucano em outras vezes durante a eleição de 2014.

Após negar que tenha dito que queria ser vice de Aécio Neves nas eleições de 2014, Bolsonaro ainda completou dizendo que “a Folha [de S.Paulo] que inventou isso”. No entanto, foi o site de jornalismo econômico InfoMoney que divulgou essa informação em entrevista exclusiva com o deputado em maio de 2014.

Na entrevista, ao ser questionado sobre com qual candidato ele mais se identificaria caso não tentasse a própria candidatura, Bolsonaro afirmou: “o Eduardo Campos está um pouco tímido em suas propostas e estratégias enquanto o Aécio Neves já se mostra muito mais simpático e agressivo. Eu sou uma oposição muito melhor que qualquer um dos dois, mas, se eu não for candidato, simpatizo muito mais com o Aécio, que é o representante da direita atualmente. Se eu não conseguir me candidatar, quero ser vice de Aécio Neves. Claro, nada disso nunca entrou em pauta e nunca ninguém falou sobre isso, mas seria uma grande honra para mim”.

O apoio ao então candidato Aécio Neves não foi expresso somente nesta entrevista: para o jornal O Globo, em outubro daquele mesmo ano, ele disse “mesmo que ele não queira, voto no Aécio Neves. O grande mal do Brasil hoje é o PT. Se Dilma conseguir a reeleição, não fugiremos de uma ida para Cuba sem escala na Venezuela. É um governo que se preocupa em caluniar as Forças Armadas 24 horas por dia”.

No seu canal do Youtube há também um vídeo intitulado “Um discurso para Aécio Neves”, no qual Bolsonaro, em sessão da Câmara dos Deputados, disse que gostaria de ter mais contato com o então candidato à Presidência e defendeu que ele seria sua opção no segundo turno: “Deus salve o Brasil no dia agora, 26 de outubro, votando em Aécio Neves para presidente”.

Eu nunca ataquei banqueiros.

FALSO: Bolsonaro foi questionado sobre a falta de críticas que faz aos banqueiros. Ele afirmou que nunca atacou a categoria, mas a relação do pré-candidato com ela nem sempre foi tão amistosa. Em 1999, no programa Câmera Aberta, exibido pela TV Bandeirantes, o deputado criticou a relação entre os banqueiros e parlamentares ao falar sobre a CPI dos Bancos, criada para investigar irregularidades no sistema financeiro. Isso porque, segundo ele, os banqueiros eram financiadores das campanhas dos deputados envolvidos na comissão parlamentar.

O pré-candidato disse à época que tudo é “uma grande panelinha”. Ele chegou a ilustrar o esquema de corrupção. “Você é um péssimo empresário ou banqueiro, eu sou um deputado federal, eu chego para você e fazemos um acerto, e eu chego no governo da República e falo: eu voto tudo com você, mas o empresário ou banqueiro do Jair, você não se mete com ele.”

A CPI investigou denúncias de irregularidades no sistema financeiro, ligadas ao período de maxidesvalorização do real, logo após a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, e também expôs o relacionamento controverso entre os bancos, novas fontes do financiamento de campanha, e as autoridades da área econômica.

Por ocasião da votação ação penal do mensalão, o Joaquim Barbosa foi muito claro: disse que eu fui o único deputado da base aliada que não fui comprado pelo PT.

IMPRECISO: A informação é imprecisa porque a citação feita pelo ex-ministro do STF e relator do caso do mensalão na Corte, Joaquim Barbosa, não dizia respeito a todo o esquema do mensalão, mas a uma votação de um projeto de lei específico em que o deputado, diferentemente de seus pares no Congresso, foi contra os interesses do governo.

No julgamento da Ação Penal 470, em setembro de 2012, Barbosa usou a votação do projeto de Lei de Falências (PL 4376/93), realizada em 2003, para ilustrar o esquema de compra de votos do mensalão. Isso porque, conforme acusado pelo Ministério Público e confirmado pelos ministros da Suprema Corte, ela sofreu interferência de compras de votos.

Segundo o ministro, os relatórios de votação mostram que membros do PT desobedeceram a orientação do partido e votaram contra a subemenda, enquanto os líderes dos partidos cujos principais parlamentares receberam recursos em espécie do PT orientaram suas bancadas a aprovarem o projeto encaminhado pelo governo — apenas Bolsonaro, à época no PTB, votou contra. O projeto acabou aprovado com um quórum próximo ao mínimo.

O ministro Joaquim Barbosa cita ainda outras votações que foram afetadas pelo esquema, como as da reforma tributária e da reforma da previdência. Vale ressaltar que, em ambas, segundo os registros da Câmara, Bolsonaro foi contra a orientação de seu partido.

Os portugueses nem pisavam na África [na época da escravidão].

FALSO: Ao afirmar que os portugueses "nem pisavam na África", Bolsonaro respondia a um questionamento sobre a dívida da escravidão na sociedade. Antes, havia afirmado que deveria acabar o que chamou de divisão entre brancos e negros. "Que dívida? Eu não escravizei ninguém", afirmou. "Realmente o português nem pisava na África. Os próprios negros que entregavam os escravos. Os portugueses não caçavam os negros", continuou. Nenhuma dessas afirmações de Bolsonaro tem qualquer amparo nos fatos porque, segundo a historiografia do Brasil e de Portugal, portugueses não só escravizaram africanos como também colonizaram, ocuparam e exploraram economicamente a região. Por isso, a colocação recebeu o selo de falsa.

O primeiro estabelecimento dos portugueses na África aconteceu em 1415, em Ceuta, hoje território espanhol. Em 1460, chegaram a Cabo Verde. A partir daí, foram traçadas estratégias de ocupação territorial, evangelização e exploração de recursos naturais. Segundo o livro "História do Colonialismo Português em África", de Pedro R. Almeida (com referências aqui e aqui), até a independência do Brasil, os territórios portugueses na África eram essencialmente voltados ao fornecimento de mão de obra escrava ao Brasil.

Há estimativas diversas, mas os números dão conta de que em torno de 5 milhões de escravos africanos foram trazidos ao Brasil entre os séculos 16 e 19. O número não contempla apenas o tráfico português, mas todo o comércio de escravos sob influência europeia.

Porém, antes da presença portuguesa a escravidão já era uma prática comum entre grupos africanos, como expressão de poder. A presença europeia apenas alterou esse significado. Isso é narrado no livro "A Escravidão em África: uma história de suas transformações", de Joseph C. Miller. Com os europeus e os portugueses em território, a lógica mudou: o escravo se tornou mercadoria e propriedade de seus senhores.

Eu tenho uns 500 projetos apresentados.

EXAGERADO: Questionado a respeito de sua atividade parlamentar, o deputado afirmou que teria cerca de 500 projetos de lei apresentados na Câmara. No entanto, entre projetos de lei, projetos de lei complementar e propostas de emenda à constituição, Bolsonaro é autor de 172 proposições. Apenas duas, no entanto, foram aprovadas: o PL 2.514/1996, que estendia o benefício de isenção do IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) para bens de informática, e o PL 4.639/2016, do qual ele é coautor, e autorizava o uso da chamada “pílula do câncer”, a fosfoetanolamina sintética.

O número só chega a mais de 500, mais especificamente a 642 proposições, se levarmos em conta também os pedidos de lei de conversão — parecer apresentado à Medida Provisória pelo relator —, decretos legislativos — que regulam matérias de competência exclusiva do Congresso —, e resoluções e requerimentos diversos. Por isso, sua declaração foi considerada exagerada.

Ninguém poderá ser declarado culpado sem uma sentença transitada em julgado. E isso não aconteceu no caso do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

IMPRECISO: Ao falar de trânsito em julgado, Bolsonaro provavelmente se refere ao determinado pelo artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. É a chamada presunção de inocência. No caso do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ele foi condenado em primeira instância em agosto de 2012 por praticar torturas no período do regime militar. O processo chegou a tramitar na segunda instância, na 9ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo, mas foi suspenso provisoriamente pela ministra Rosa Weber em 2015 e, em seguida, foi extinta a punibilidade de Ustra em função da morte do réu durante o processo. Por isso, a declaração de Bolsonaro foi classificada como imprecisa, pois Ustra não é judicialmente considerado culpado de crimes da ditadura porque morreu durante o processo penal. Porém, foi culpado, sim, em primeira instância.

O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra comandou o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna) em São Paulo, no período de 29 de setembro de 1970 a 23 de janeiro de 1974, durante a ditadura militar. Nesse período, 2.541 pessoas foram presas pelo DOI-Codi, 502 denunciaram torturas e 51 foram mortas, de acordo com informações do livro A Ditadura Encurralada, de Elio Gaspari.

[O Trump] resgatou o emprego.

EXAGERADO: De acordo com o Bureau of Labor Statistics, o índice de desemprego antes de Trump não estava alto para que o presidente tivesse que “resgatar o emprego”. Na verdade, desde 2009 o desemprego nos Estados Unidos está em trajetória de queda.

O Ministério do Trabalho americano disponibiliza no Bureau of Labor Statistics a série histórica da taxa de desemprego de pessoas com 16 anos ou mais desde janeiro de 2008. Segundo o órgão, o maior índice registrado foi em outubro de 2009, quando 10% da população estava desempregada. Desde então, o desemprego vem caindo. Em junho deste ano, último mês registrado, o desemprego estava em 4%.

Segundo o New York Times, não havia um índice tão baixo desde a década de 1960 e isso, segundo os economistas, pode fazer com que “leve a um aumento nos salários para os trabalhadores, à medida que os empregadores lutam por um número cada vez menor de candidatos”. Mas essa taxa pode ser explicada parcialmente pela “contração na força de trabalho”, ou seja, pessoas que saíram da força de trabalho.

Logo, é exagerado dizer que Trump resgatou o emprego. Por mais que seja verdade que a taxa atual é uma das menores registradas nos EUA e segue em queda, o emprego já vinha crescendo desde 2009, durante os anos de Barack Obama na Presidência dos EUA.

O Trump diminuiu a carga tributária.

VERDADEIRO: É verdade que o presidente Donald Trump aprovou uma lei que diminuiu a carga tributária americana no final do ano passado. No entanto, ainda não é possível medir os impactos da medida.

O presidente americano foi citado por Bolsonaro após uma das entrevistadoras ter mencionado um texto do jornal suíço "Tribune de Genève" no qual o pré-candidato é chamado de “machista, homofóbico e racista” e depois de “Trump brasileiro”. Depois de negar todos os adjetivos, Bolsonaro defendeu que Trump “está fazendo um excelente governo em seu país”

A lei aprovada nos EUA diminuiu os impostos das corporações de 35% para 21% e também modificou impostos individuais: diminuiu os impostos sobre heranças, expandiu o crédito de imposto da criança (uma espécie de benefício dado ao responsável por uma criança menor de 16 anos) e diminuiu os impostos de lucros no exterior.

Segundo o jornal "Washington Post", no entanto, “é muito cedo para dizer se o corte de impostos está funcionando” e que “a maioria dos analistas, incluindo o Federal Reserve [equivalente ao Banco Central nos EUA], antecipa que o crescimento atingirá o pico em 2018 e voltará ao normal no final de 2019. Enquanto isso, a conta fiscal deixará o país com mais de US$ 1 trilhão de débito na próxima década, segundo o Congressional Budget Office”.

Ciro Gomes foi parlamentar por quatro anos e, além de não aprovar nada, ele apresentou zero projeto.

VERDADEIRO: Confrontado sobre o número de projetos de lei apresentados em seus 28 anos de Congresso, Bolsonaro citou dados sobre a produção parlamentar de outro pré-candidato à Presidência: Ciro Gomes, que concorre ao Planalto pelo PDT. O ex-governador do Ceará foi deputado federal pelo estado entre os anos de 2007 e 2011, quando ainda integrava o PSB. De fato, de acordo com informações da Câmara dos Deputados, o parlamentar à época não propôs nenhum projeto de lei. Constam em sua atividade parlamentar apenas requerimentos e atividades de relatoria.

Em quatro anos, Ciro foi relator de 24 projetos. Desses, 13 foram transformadas em normas jurídicas. É o caso, por exemplo, do PL 3.937/2004, que diz respeito ao Cade, e inclui várias práticas comerciais como infração à ordem econômica.

O deputado Jair Bolsonaro, entre projetos de lei, projetos de lei complementar e propostas de emenda à constituição, é autor de 172 proposições. Apenas duas delas, no entanto, foram aprovadas e já citadas aqui neste texto em item anterior.

Alberto Youssef também disse em delação premiada em juízo que eu fui um dos três deputados federais do PP que não foi buscar dinheiro na Petrobras [Ana Amélia, Jair Bolsonaro e Paulo Maluf].

VERDADEIRO: Essa informação é frequentemente citada pelo pré-candidato quando ele é questionado pela corrupção em que seu partido ou seus aliados no Congresso já apareceram envolvidos. Em outubro de 2014, em depoimento prestado com base em acordo de delação premiada na Operação Lava Jato, o doleiro Alberto Youssef detalhou o esquema do Partido Progressista, em que parlamentares recebiam valores mensalmente em troca de apoio na votação de projetos de lei de que fossem de interesse do Poder Executivo. O doleiro citou nomes de três deputados que não recebiam dinheiro: Paulo Maluf (PP-SP), Jair Bolsonaro (então no PP-RJ) e a senadora Ana Amélia (PP-RS). A delação veio à luz em março de 2015.

No detalhamento de seu depoimento, ele chegou a citar o nome de 30 políticos, entre parlamentares e ex-parlamentares do PP, que eram beneficiados com o pagamento, inclusive membros da alta cúpula do partido. Youssef afirmou que apenas dez dos parlamentares não estavam envolvidos: à época, além dos três já citados, os ex-deputados Rebecca Garcia (PP-AM) e Pastor Vilalba (PP-PE); os deputados Dimas Fabiano (PP-MG), Renzo Braz (PP-MG), Iracema Portela (PP-PE), Esperidião Amin (PP-SC) e Guilherme Mussi (PP-SP).

Ainda no âmbito da Lava Jato, o nome de Bolsonaro apareceu entre os beneficiados pela JBS na campanha eleitoral de 2014, com uma doação de R$ 200 mil via direção nacional do seu partido — à época, o PP. O político se explicou à rádio Jovem Pan: afirmou que devolveu ao PP o valor doado pelo grupo de frigoríficos, e que o partido reembolsou o montante com recursos do fundo partidário.

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