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Mais de 60% dos usuários de crack do Rio recolhidos na quarta-feira retornam para as ruas

Agentes da Prefeitura do Rio recolheram 63 usuários de crack na cracolândia da comunidade Parque União, na zona norte da cidade, na quarta-feira (24). Muitos deles saíram das cracolândias das favelas de Manguinhos e do Jacarezinho depois que tais comunidades foram ocupadas pela polícia. - Pablo Jacob / Agencia O Globo
Agentes da Prefeitura do Rio recolheram 63 usuários de crack na cracolândia da comunidade Parque União, na zona norte da cidade, na quarta-feira (24). Muitos deles saíram das cracolândias das favelas de Manguinhos e do Jacarezinho depois que tais comunidades foram ocupadas pela polícia. Imagem: Pablo Jacob / Agencia O Globo

Do UOL, no Rio

25/10/2012 12h53

Dos 87 usuários de crack recolhidos na quarta-feira (24) em áreas da zona norte do Rio de Janeiro, 55 (cerca de 63%) retornaram para as ruas da capital fluminense, pois recusaram a opção de permanecer em abrigos públicos da Secretaria Municipal de Assistência Social.

Segundo o órgão, todos os que voltaram para as ruas são adultos --31 deles haviam sido retirados da cracolândia do Parque União, no Complexo da Maré. Três menores foram internados compulsoriamente.

Os 32 dependentes que aceitaram o auxílio oferecido pela SMAS foram cadastrados no programa Rio Acolhedor, inseridos na Rede de Proteção Social do município e, após avaliação médica, poderão ingressar ou não em clínicas de tratamento.

Segundo imagens divulgadas pela "TV Globo", os 31 usuários de crack do Parque União --onde foram recolhidos, na quarta-feira (24), total de 63 pessoas-- teriam voltado para o local apenas uma hora após a operação dos agentes da prefeitura.

Desde a ocupação policial nas favelas de Manguinhos e do Jacarezinho, na zona norte, há cerca de dez dias, os usuários de crack que circulavam pelas extintas cracolândias dessas duas comunidades (que eram as maiores do Rio) se espalharam por outros pontos da região. O Parque União, cujo tráfico de drogas é controlado pela mesma facção criminosa, o Comando Vermelho (CV), é área mais preocupante.

"A questão da migração dos usuários de crack já estava dentro do planejamento. A nossa perspectiva é de continuar ofertando a possibilidade de abrigamento e tratamento contra dependência química a todos. A Prefeitura do Rio, por meio de sua rede de proteção social, tem condições de proporcionar uma porta de saída para os homens, mulheres e crianças que encontram-se nessa situação degradante", afirmou a secretária de Assistência Social, Fátima Nascimento.

Na semana passada, 67 pessoas --entre elas cinco adolescentes-- foram recolhidos em outra operação da SMAS na região do Parque União. Os moradores de rua e usuários de drogas foram identificados e encaminhados para abrigos.

Também houve migração de dependentes para pequenas cracolândias formadas nas proximidades do Departamento Náutico do São Cristóvão Futebol e Regatas, em Ramos, também na zona norte.

Internação compulsória

A operação no Parque União ocorreu dois dias depois de o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), visitar a comunidade de Jacarezinho e Manguinhos, ambas na zona norte da cidade. Na ocasião, ele afirmou que a prefeitura irá internar compulsoriamente os adultos dependentes de crack.

"Não vou ficar de camarote assistindo as pessoas se drogarem nas ruas. Gente quase se jogando debaixo dos carros na avenida Brasil. Não vou ficar no debate ideológico. Nossa obrigação é salvar vidas", afirmou o prefeito.

Desde o dia 31 de março de 2011, quando a Secretaria Municipal de Assistência Social deu início às operações conjuntas com órgãos de segurança para o enfrentamento à epidemia do crack, foram realizadas mais de cem ações em algumas cracolândias da cidade.

Segundo a SMAS, ao todo, 5.139 pessoas foram acolhidas pelos assistentes. Destes, 693 eram crianças e adolescentes; o restante eram adultos. O órgão informou que, ao todo, 204 crianças e adolescentes foram internadas compulsoriamente no Rio.

Última opção

A coordenadora executiva do Centro de Ensino, Pesquisa e Referência em Alcoologia e Adictologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Aline Muniz, afirmou ao UOL que a internação compulsória de adultos dependentes de crack deve ser “a última de todas as opções”.

Segundo Aline, que trabalha há cerca de dez anos no atendimento a pacientes dependentes químicos, inclusive de crack, a maioria não é internada. “Não mandamos internar todo mundo. Para tratar o dependente, temos que oferecer outras opções que não a internação, como psicoterapia e trabalho em grupo. Não adianta tirar a pessoa do seu ambiente e enclausurar contra a vontade”, afirmou.

Para ela, o trabalho com a família e de reinserção na sociedade são fundamentais. “Temos que trazer a família para o tratamento. Nós defendemos um tratamento interdisciplinar e transversal. A nossa visão é de saúde pública, mas também temos que integrar a educação, assistência social, esporte e lazer”.

No Centro de Adictologia da UFRJ, que recebe há 15 anos pacientes com casos de dependência, raramente os profissionais encaminham para internação. “Se tivermos cinco ou seis que enviamos para internação por mês já é muito”.

Aline questiona que tipo de internação seria dado a estes usuários recolhidos nas operações das cracolândias. “Enclausurar sem buscar os laços com a família? A internação em clínicas especializadas seria a última de todas as opções”.

A chefe do Departamento de Dependentes Químicos da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, Analice Gigliotti, concorda que é preciso ter cautela para não se realizar uma internação arbitrária. “O problema é complexo e tem intercessões na área  jurídica, policial, assistência social e no combate ao tráfico de drogas. Não se resume a uma questão de saúde, há vários setores envolvidos”, disse.

Analice afirma ser contra a internação indiscriminada, “sem que seja feita uma seleção com critérios bastante claros para determinar se a internação é realmente necessária”.

Em muitos casos, a internação pode ter efeitos positivos, destacou, mas a política pública não deve ser apenas “recolher os usuários de crack e colocá-los todos na internação”.