Chuva em Petrópolis (RJ): apenas 17 casas foram construídas desde 2007
Apesar das tragédias climáticas recentes em Petrópolis, a exemplo das chuvas de 2011 --que provocaram mais de 900 mortes em toda a região serrana do Rio de Janeiro--, apenas 17 unidades habitacionais foram construídas pela prefeitura nos últimos seis anos na cidade, segundo análise feita pelo UOL com informações do PLHIS (Plano Local de Habitação de Interesse Social).
O planejamento foi elaborado pela própria prefeitura, na gestão do ex-prefeito Paulo Mustrangi (PT), quatro meses antes da tragédia da última segunda-feira (18), quando um temporal provocou a morte de 31 pessoas na região central da cidade. Três ainda estão desaparecidos.
"Não foi feita uma casa sequer. O gestor do processo [referindo-se ao governo do Estado] não conseguiu encontrar locais onde pudesse construir conjuntos habitacionais", afirmou o atual secretário de Obras de Petrópolis, Aldir Cony dos Santos Filho.
Recursos não faltavam: só de repasses de governo federal por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e do FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social), estavam previstos investimentos de mais de R$ 70 milhões em três grandes projetos: PAC Alto Independência, Alto da Serra e Estrada da Saudade.
ATRASO
As 17 casas populares entregues em fevereiro de 2011 faziam parte de um convênio firmado com o governo do Estado, cujo valor era superior a R$ 1 milhão, pelo qual seriam construídas 108 residências no conjunto Vincenzo Rivetti, no bairro Carangola. Dessas, 54 foram entregues em 2007, 37 foram concluídas após esse período e somente 17, erguidas pela gestão Mustrangi.
No entanto, em função de trâmites burocráticos e da dificuldade para encontrar terrenos aptos, conforme explicações dadas pelos próprios governos municipal e estadual, os projetos ainda não saíram do papel.
Mustrangi afirmou, em nota, que a "demora excessiva" para que os projetos fossem colocados em prática se deveu aos trâmites burocráticos necessários para liberação da verba. "Foram três longos anos de trabalho intenso para que o projeto fosse enquadrado nos requisitos apontados pela Caixa Econômica Federal", afirmou.
Questionados pela reportagem do UOL sobre os investimentos feitos na área habitacional, prefeitura, governo do Estado e governo federal apresentaram respostas conflitantes.
Segundo o Ministério das Cidades, desde 2011, apenas uma intervenção foi feita na Estrada da Saudade, cujo orçamento teria sido contemplado pelo PAC 2. Lá, estava prevista a construção de 170 casas populares. O projeto está em fase de contratação, de acordo com o PLHIS.
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O maior projeto, o do PAC Alta Independência, onde seriam erguidas 500 unidades com custo final de mais de R$ 44 milhões, ainda se encontraria em etapa de licitação. Já o do Alto da Serra estaria em fase de contratação. As informações estão no relatório da prefeitura.
"Como os recursos foram utilizados pela gestão anterior? Eu não tenho o menor conhecimento disso. Não sei o que foi feito. Assumi a pasta agora e não tenho a menor ideia sobre como eles resolveram isso. Hoje, existem três projetos em andamento. (...) São projetos que estavam em discussão desde o governo passado. Nada foi feito, mas nada foi feito por quem? Pela prefeitura ou pelo governo do Estado? Houve uma sucessão de acontecimentos que fizeram a coisa não acontecer. Cheguei com este passivo e estou trabalhando o máximo que posso para resolver o problema", afirmou o atual secretário municipal de Habitação, Rodrigo Seabra.
Nos três projetos citados pelo representante da pasta, o governo pretende construir mais 280 unidades habitacionais, sendo 160 em uma localidade conhecida como Mosela, 60 no bairro Benfica e 60 na região do Cuiabá. Todos, porém, ainda estão no papel. "O projeto da Mosela já está na 'cara do gol'. Acredito que, com mais 20 dias, poderemos assinar contrato", disse.
A Caixa Economica Federal informou que ainda aguarda a entrega da documentação para os projetos de Mosela e Cuiabá. Já as unidades de Benfica estão em fase de análise pela Caixa. Todos fazem parte do programa Minha Casa, Minha Vida.
META NÃO CUMPRIDA
Desde a tragédia de 2011, o governo municipal tem a meta de construir 1.500 casas populares. Durante seis anos, avançou pouco mais de 1%. Nos últimos 12 anos, segundo dados da PLHIS, a produção pública (o que inclui esforços dos governos municipal, estadual e federal) "não chega a 1.200 unidades habitacionais" em Petrópolis.
A Secretaria Estadual de Obras, em nota, afirmou já ter desapropriado "terrenos em todos os municípios [da região serrana] atingidos" em 2011, incluindo Petrópolis. Em relação a alguns projetos, já houve o chamamento público para escolha das empresas construtoras.
Sem dar mais detalhes, a pasta de Obras disse ainda que serão apenas 368 unidades habitacionais construídas em Petrópolis. As primeiras teriam, segundo o governo, previsão de entrega para o segundo trimestre de 2013.
1.500 casas para 15 mil pessoas
A gestão do ex-prefeito Paulo Mustrangi trabalhava com uma meta de 1.500 unidades habitacionais a serem construídas no município. Segundo Seabra, o objetivo foi mantido. Porém, cerca de 15 mil pessoas continuam morando em áreas de risco, tais como pontos de deslizamentos, enchentes e inundações, segundo o atual prefeito, Rubens Bomtempo (PSB).
"Esse número obviamente não atende nem de longe a demanda que temos no município. Temos que trabalhar sério para viabilizar novos e bons projetos", afirmou o secretário municipal de Habitação, sem, no entanto, especificar que projetos seriam esses.
"A grande dificuldade que se tem para viabilizar políticas habitacionais está na questão da topografia e da geografia da região serrana. São muitas montanhas. Isso faz com que os programas tenham que ser repensados, e esse é um problema que atinge as três esferas de poder", afirmou.
A mesma explicação já tinha sido dada pelo governador do Rio, Sérgio Cabral, em entrevista concedida no dia seguinte ao temporal que teve início no domingo (17). Segundo ele, houve grande dificuldade para localizar terrenos que pudessem ser desapropriados. Além disso, o chefe do Executivo fluminense fez críticas aos procedimentos burocráticos do contexto habitacional.
Falta planejamento
Planejamento urbano e reflorestamento das margens dos rios de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, poderiam ter evitado as mortes, segundo especialistas ouvidos pelo UOL.
"A grande solução para evitar isso é planejamento urbano, senão vão continuar gastando com remoção de pessoas, com hospitais, com contenção de encostas. Vai começar do zero, mas uma hora vai ter que começar a planejar, como nas áreas onde ainda haverá expansão", afirmo o coordenador de pós-graduação de gestão ambiental e sustentabilidade da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Marcelo Motta.
"A serra tem particularidades e áreas suscetíveis ao deslizamento, com capa de pequena espessura de cobertura de terra, mas, além de aspectos geológicos e geotécnicos, a aglomeração é um problema. Tem certos trechos que se consegue fazer melhorias, mas o ideal é deslocar as pessoas para uma área onde se pode expandir, onde vai poder fazer melhorias", disse o especialista em deslizamentos da Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Engenharia), Maurício Ehrlich.
Bacia hidrográfica
A situação climática do Sudeste brasileiro é repetitiva nesta época do ano, com calor forte e muita incidência de chuva, mas a situação da região serrana, assim como da cidade do Rio, é mais complicada porque a cadeia de montanha retém mais nuvens entre a serra e o mar, o que provoca mais chuvas.
ÁREAS DE RISCO
A Prefeitura de Petrópolis estima que cerca de 4.000 casas estão situadas em áreas de risco. Considerando os eventos climáticos recentes, o que inclui a tragédia de 2011, seriam aproximadamente 1.500 famílias que permanecem desabrigadas.
O fenômeno também é velho conhecido, segundo o assessor para meio ambiente do Crea-RJ (Conselho Regional de Engenharia) Adacto Ottoni, professor-adjunto do departamento de engenharia sanitária da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), mas o que mais agrava a situação é a degradação da bacia hidrográfica da região.
Segundo ele, se a bacia fosse preparada para receber grande quantidade de chuvas, não ocorreriam as tragédias. Ele explica que a bacia é formada pelo conjunto de serra, vegetação e rios.
"Por exemplo, uma bacia virgem, sem ocupação, reteria de 70% a 80% da água da chuva na encosta, evitando o transbordamento dos rios. As raízes reteriam os deslizamentos. Mas, com o desmatamento e a colocação de casas em cima da encosta, que também traz esgoto e lixo, a mesma chuva traz consequências trágicas. Encostas inclinadas, topos de morro e beira de rio não podem ter ocupação, isso fere a lei ambiental", afirma o especialista.
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