Acusados de matar casal extrativista começam a ser julgados
Sob a pressão de movimentos sociais e militantes dos direitos humanos, começa hoje (3) o julgamento dos três acusados de matar o casal de extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, em maio de 2011, em Nova Ipixuna (582 km de Belém).
O júri popular ocorre a a partir das 8h, no Fórum de Marabá (a 685 km de Belém). O caso será julgado na Vara da Violência Doméstica e do Tribunal do Júri, um ano após aceitação da denúncia pelo juiz Murilo Lemos Simão.
Casal de extrativistas é assassinado; relembre o caso
O crime, ocorrido em 2011, ressalta a violência contra militantes de defesa da natureza na região Norte, que já viu o seringueiro e sindicalista Chico Mendes e a missionária americana Dorothy Stang serem mortos por questões agrárias. O casal recebeu ameaças antes de morrer (vídeo acima)
A previsão é que o julgamento seja encerrado na noite da quinta-feira (4).
A acusação de homicídio ainda têm três qualificadoras apontadas pela Promotoria: motivo torpe –que foi a disputa pela posse de terra--, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa das vítimas.
Na terça-feira (2), uma audiência pública reuniu integrantes dos movimentos sociais e autoridades para discutir a violência no campo. Segundo a RLA (Fundação Right Livelihood Award), a região do Pará registra a mais violenta disputa por terras do mundo.
Argumentos
Segundo as investigações, o casal foi morto na zona rural do município de Nova Ipixuna, quando passava de moto por uma ponte.
Eles foram vítimas de uma emboscada, alvejados a tiros e mortos. Antes de ser assassinado José Cláudio teve parte da orelha direita arrancada "como prêmio pela execução do delito", segundo a denúncia do MPE-PA (Ministério Público Estadual do Pará), autor da denúncia.
O MPE-PA sustenta que o motivo do crime foi a disputa pela posse de terra adquirida pelo réu José Rodrigues –que havia comprado dois lotes na área do projeto extrativista, porém um dos lotes estava ocupado por pessoas que contavam com o apoio das vítimas. Por isso os extrativistas passaram a receber ameaças de Rodrigues, acusado de ser o mandante do assassinato.
Para o MP-PA, a morte ocorreu "objetivando afastar qualquer impedimento para adquirir a posse da terra". "José Rodrigues planejou, organizou e financiou o duplo homicídio", diz a denúncia.
No processo, como o crime não foi presenciado por nenhuma testemunha, o MPE aponta uma série de indícios para acusar os três réus que serão julgados. Segundo a denúncia, os acusados foram vistos em um bar a aproximadamente 3 km do local do crime. Eles teriam sido vistos em uma moto antes e após o crime, já em suposta fuga.
Outro ponto alegado pelo MPE-PA é que no local do crime foi encontrado um capuz de mergulho como indício da participação do acusado José Rodrigues, já que ele teria, em sua propriedade, equipamentos de mergulho. Além disso, exame de DNA apontou compatibilidade para os dois acusados.
Já a defesa dos réus vai usar a negativa de autoria como tática no júri. O advogado dos dois acusados, Wandergleisson Fernandes Silva, não só nega o crime, como diz que há falhas graves na investigação e acusação. Segundo ele, os investigadores do crime apresentam "indícios forjados" para fazer a denúncia.
"No YouTube você encontra o José Cláudio e a mulher, nos EUA, falando que estavam sendo ameaçados por fazendeiros, carvoeiros e madeireiros. Eles defendiam a natureza, e isso atinge diretamente os interesses econômicos dessas pessoas. Não havia conflito nenhum entre os acusados e a vítima. Eles mal se conheciam. Foi uma montagem, uma farsa para pegar pessoas como bode expiatório devido às pressões internacionais. Esse é um caso com interesse governamental", disse.
Segundo o advogado, há relatos de que as vítimas eram ameaçadas havia mais de dez anos. "As pessoas que foram acusadas moravam na região havia dez meses, não eram fazendeiros, carvoeiros ou madeireiros. É estranho isso. Por conta da pressão internacional, o caso foge à esfera local e tem um contexto um pouco mais complexo."
Para Silva, o casal pode ter sido vítima de vingança, porque, segundo o advogado, José Cláudio e os irmãos seriam acusados de homicídio. "Os irmãos dele estão foragidos. Se estivesse viva hoje, a vítima estaria presa ou estaria foragida. Eles mataram uma pessoa, e vamos entrar também nessa linha de raciocínio", afirmou.
Sobre as provas apresentadas pelo MPE, o advogado desqualifica e questiona, por exemplo, o exame de DNA que teria apontado para "compatibilidade" com o material genético dos acusados. "Devido à baixa qualidade do material, o DNA teve de ser feito de maneira especial e apontou para 'compatibilidade materna'. Ora, se cem pessoas estiverem numa sala, vai dar compatível com 50. É uma total imprecisão e isso não pode ser usado como uma prova. Isso vai ser explorado com calma na hora do júri", disse.
Outro ponto questionado é o de que os acusados foram vistos nas proximidades do local do crime. "Nós pegamos os registros da operadora Vivo e ficou comprovado que um dos acusados, que seria o autor do disparo, o Lindonjonson, estava no município de Novo Repartimento, numa localidade conhecida como Maracajá, a centenas de quilômetros de distância do local do crime. Ele precisaria de seis a sete horas para chegar ao local do crime. Além disso, temos testemunhas", afirmou.
Repercussão
O crime, ocorrido no dia 24 de maio de 2011, teve repercussão internacional por ser mais um caso de assassinato de militante de defesa da natureza na região da Amazônia. O caso já integra o rol de mortes emblemáticas por questões agrárias no Norte, como a do seringueiro e sindicalista Chico Mendes (morto em 1988) e da missionária americana Dorothy Stang (assassinada em 2005).
O julgamento atraiu a atenção não só os paraenses militantes de movimentos sociais, mas organizações de direitos humanos nacionais e internacionais. O crime teve repercussão mundial por envolver a disputa por terra na região da Amazônia. Por conta do crime, familaires da vítima passaram a viver sob ameaças e saíram do assentamento. Apenas uma das irmãs de Maria do Espírito Santo vive no local.
Uma das instituições que está na cidade do sudeste paraense é a Anistia Internacional, que marca presença com o diretor-executivo do Brasil.
“Vamos acompanhar o julgamento, pois esse crime faz parte de um padrão. Temos visto nos últimos anos ameaças à vida de pessoas que estão defendendo os direitos importantes, como era o caso do casal. A gente espera chamar a atenção para o problema”, disse.
O movimento Humanos Direitos também está com três integrantes chegaram a Marabá na tarde desta terça-feira para acompanhar o júri. “Nossa ideia é dar uma contribuição para que as pessoas que vão participar desse júri tenha noção da gravidade do caso, que precisa de um veredito exemplar para evitar essa guerra que existe no campo”, disse o ator Osmar Padro, que acompanha o julgamento.
Para Tito Moura, dirigente do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a morte do casal era anunciada e necessita de uma punição para tentar inibir novos crimes. “Tem que ter a pena máxima, para que todos vejam que vários companheiros tombaram na luta pela terra”, disse.
A CPT (Comissão Pastoral da Terra), que acompanha o assentamento onde vivia o casal extrativista, classifica o julgamento como um momento histórico.
“Vamos estar diante de uma situação em que vamos realizar um debates históricos, que é o da impunidade, da violência no campo, da atuação do Estado --que deveria agir em prol de todos. As causas do crime, que é a certeza da impunidade, ainda permanece no Pará”, disse Rose Lima, representante da CPT do Pará.
Por conta da repercussão do crime, a presidente Dilma Rousseff determinou a entrada da Polícia Federal no caso. Em fevereiro de 2012, a ONU (Organização das Nações Unidas) prestou homenagem ao casal.
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