Inquérito civil da boate Kiss isenta prefeitura de responsabilidade por incêndio e acusa bombeiros
O MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) isentou a Prefeitura de Santa Maria de responsabilidade civil no incêndio da boate Kiss, que causou a morte de 242 pessoas na madrugada de 27 de janeiro deste ano. O inquérito produzido pela promotoria, divulgado oficialmente nesta segunda-feira (15) durante coletiva de imprensa, concluiu que a adoção do sistema SIG-PI (sistema integrado de gestão – proteção de incêndio) pelos Bombeiros aumentou o potencial do incêndio e poderia ter evitado a tragédia.
Quatro comandantes e ex-comandantes da corporação vão ser indiciados no processo cível por improbidade administrativa e podem perder os cargos se forem condenados: tenente-coronel Moisés Fuchs, ex-comandante dos Bombeiros de Santa Maria; major Daniel da Silva Adriano, bombeiro aposentado que concedeu o alvará da boate em 2010; capitão Alex da Rocha Camilo, que renovou o documento; e coronel Altair de Freitas Cunha, ex-comandante-geral no Rio Grande do Sul.
Além da perda dos cargos, se foram considerados culpados, eles podem ter de pagar multa administrativa.
Segundo o promotor Maurício Trevisan, que coordenou a investigação, o modelo simplificado de alvará contra incêndio, adotado em 2007 pelos Bombeiros, estava em “flagrante e deliberada ilegalidade”, não apenas no caso da boate Kiss mas em todos os estabelecimentos similares da cidade. Além disso, o promotor afirmou que o sistema foi usado para “aumentar a produtividade e elevar a arrecadação” a partir da proliferação de novas licenças.
A promotoria afirmou que as licenças da prefeitura eram conflitantes, mas não caracterizou improbidade administrativa porque não foram desrespeitadas as legislações municipais em vigor. “Qual foi a falha? Dois setores do mesmo poder não se comunicaram, mas os servidores não cometeram improbidade administrativa porque observaram a lei”, disse a promotora Ivanise Jann de Jesus.
O relatório, produto de cinco meses de investigação do MP, diz também que é “imperioso reconhecer que práticas administrativas [da prefeitura] precisam ser mudadas”.
Segundo a promotoria, os procedimentos de prevenção de incêndio para esse tipo de empreendimento deveriam ser acompanhados de projeto técnico com ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) e memoriais descritivos detalhados do tipo de proteção que seriam adotados.
Para Trevisan, a utilização do SIG-PI resultou na concessão de alvará para a Kiss “em menos de três minutos”. “Alimentado, o sistema processava e gerava uma listagem de itens de prevenção. Ou seja, era o que se chamava jocosamente de receita de bolo. Além disso, os inspecionantes não têm formação técnica, não recebem treinamento específico e sequer ganham um kit com legislação que deveriam observar. Cada um vai buscar o conhecimento que acha que necessita para a atividade”, criticou.
Trevisan informou que o inquérito civil colheu o depoimento de 36 pessoas, sendo sete funcionários da prefeitura, incluindo o prefeito Cezar Schirmer (PMDB), 26 bombeiros e três testemunhas de outros setores que colaboraram com informações.
O inquérito criminal resultou na denúncia de oito réus que vão responder por vários crimes. Os sócios da boate Kiss, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, além dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, são acusados de homicídio doloso qualificado.
Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da boate, e o contador Volmir Astor Panzer responderão pelo crime de falso testemunho. Além disso, os bombeiros Gerson da Rosa Pereira e Renan Severo Berleze estão sendo processados por falso testemunho.
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