Após confrontos, governo do RJ põe coronel 'gente boa' para comandar PM em atos durante JMJ
No protesto realizado na noite de ontem (26) pelas ruas da zona sul do Rio de Janeiro, a linha de frente dos manifestantes, composta por jovens franzinos --e até crianças-- mascarados, carregava uma faixa com a mensagem: “Fim da PM já”. À frente deles e da faixa, o tenente-coronel Mauro Andrade, devidamente fardado e empunhado uma gigantesca arma, caminhava como se fosse um dos ativistas.
“Essa arma aqui não é de gás, é de tinta. Se eu disparo, o sujeito fica marcado”, explicava com atenção o tenente-coronel a um grupo de manifestantes que o cercava na avenida Nossa Senhora de Copacabana. A postura amistosa do policial logo virou mote para a criatividade dos ativistas. “A PM aderiu, a PM aderiu!”, cantavam, enquanto Andrade, desconcertado, gesticulava com sinal negativo.
O tenente-coronel pertence ao Grupamento Especial de Policiamento nos Estádios (Gepe) e não à toa foi destacado para comandar a PM durante os protestos no Rio de Janeiro. Até a última segunda-feira, quando uma manifestação no largo do Machado (zona sul), no primeiro dia da visita do papa Francisco, terminou em confronto com os ativistas, com denúncias de abusos da polícia, PMs infiltrados e prisões arbitrárias, o comando das operações ficava a cargo do batalhão local ou da Tropa de Choque.
Mudança de tática
A escolha de Andrade e dos homens do Gepe marca uma mudança de tática do governo do Estado no trato com os manifestantes: em vez do confronto, o diálogo. Durante os atos, os PMs do grupamento caminham em meio aos manifestantes, conversam sobre política com eles e até fazem piadas.
“Eu fazia o policiamento dos estádios, dialogando com as torcidas. Muita gente acreditava que não daria certo, mas deu. A gente conseguiu chegar a um acordo com as torcidas e a violência diminuiu”, afirma o tenente-coronel.
Nos dois atos com a polícia sob seu comando, não houve incidentes graves. Na última quinta-feira (25), quando o protesto começou no Leblon, perto da casa do governador Sérgio Cabral, e só terminou sete horas depois em Copacabana, não houve quebra-quebra, nem prisões.
Ontem, houve um incidente no momento em que os manifestantes se aproximavam do palco montado para os eventos papais, na praia de Copacabana. Em meio a um pequeno tumulto, um ativista caiu sobre uma grade de proteção. Um PM que não pertencia ao Gepe achou que o rapaz queria provocar confusão e decidiu prendê-lo. Os demais manifestantes tentaram impedir a prisão, e a PM usou cassetetes e armas de choque para dispersá-los.
O detido, o químico Felipe Braz de Araújo, 29, sofreu ferimentos nos braços e no rosto. Ao tomar conhecimento do incidente, Andrade interveio para pôr as coisas em panos quentes. Conversou com o agredido, que não quis prestar queixa na delegacia, e o liberou.
Alguns minutos antes, o tenente-coronel havia autorizado os manifestantes a se aproximarem do palco da Jornada, desfazendo um cordão de PMs que os impedia de seguir. Questionado se sua tática está dando certo, Andrade responde: “Está sim. Pode ver que ninguém quebrou nada, não teve coquetel molotov, o choque não precisou agir.”
Protesto termina na Lapa
Cheios de disposição, os manifestantes decidiram marchar ontem de Copacabana até a Lapa, zona boêmia no centro do Rio. O ato terminou no local onde havia um show de axé gospel, direcionado aos peregrinos da JMJ. No percurso, o tenente-coronel e demais PMs do Gepe foram abrindo caminho e interditando o trânsito para os ativistas.
Em meio aos gritos contra Sérgio Cabral, o empresário Eike Batista e o prefeito Eduardo Paes e aos apelos cobrando resposta sobre o desaparecimento do pedreiro Amarildo Souza --morador da favela da Rocinha que sumiu após ser detido por PMs da UPP (Unidade da Polícia Pacificadora) local--, os ativistas lembravam dos policiais. “Você aí fardado, também é explorado”; “ô policia, me diz então, se o teu filho tem saúde e educação”.
Quando o protesto passou pelo 2º Batalhão da Polícia Militar, os ativistas puxaram uma grande vaia, respondida com um aplauso do tenente. “Eu ainda vou convencer vocês. Sem PM não há democracia”. De pronto, os marchantes responderam: “tem que acabar, a Polícia Militar.”
Cansados, Mauro Andrade e seus comandados decidiram se recolher ao batalhão e deixar a manifestação prosseguir sem a polícia --embora alguns PMs à paisana tivessem permanecido com o grupo. Os ativistas continuaram pelas ruas de Botafogo, Flamengo, Catete, Glória até chegar à Lapa. Não houve qualquer ato de vandalismo ou violência.
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