PM da UPP se passou por traficante em telefonema sobre Amarildo, diz MP
A perícia de voz realizada em um telefonema supostamente feito por um traficante da favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, conhecido como Catatau, no qual ele assumia a autoria da morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, 43, levou o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), a identificar que um policial militar da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da comunidade se fez passar pelo criminoso.
Amarildo desapareceu no dia 14 de julho deste ano, após ser levado por PMs da UPP Rocinha para averiguação. Ele foi visto pela última vez entrando em um carro da Polícia Militar na comunidade.
O soldado Marlon Campos Reis, autor da ligação, foi denunciado por fraude processual, além de tortura seguida de morte, ocultação de cadáver e formação de quadrilha. Outros três PMs, entre eles o major Edson Santos, ex-comandante da unidade, e o tenente Luiz Medeiros, ex-subcomandante, também foram denunciados pela fraude.
A gravação da ligação está contida no inquérito da 15ª DP (Gávea) sobre a operação Paz Armada, realizada um dia antes do desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, no dia 13 de julho.
O suposto traficante teria ligado para um PM infiltrado, cujo aparelho celular estava interceptado por autorização judicial, dizendo que faria com ele o "que fez com o Boi", apelido pelo qual Amarildo era conhecido na favela.
"A Polícia Civil fez uma perícia da voz do verdadeiro Catatau com a voz da pessoa que se disse o Catatau e constatou que não eram a mesma pessoa", explicou a promotora Carmen Eliza de Carvalho, do Gaeco.
"A pergunta que se colocou é quem foi que ligou para esse telefone, que o major [Edson] sabia que a gravação seria ouvida. Quem criou uma farsa tão bem elaborada para se cair na investigação de outro inquérito a autoria da morte de Amarildo. A perita de voz do Ministério Público comparou 34 vozes de PMs que fazem parte do processo com a voz do telefonema e chegou a um resultado positivo", afirmou Carmen.
O Gaeco descobriu ainda que ele usou um aparelho que encontro no chão, na própria Rocinha, e fez a ligação juntamente com o soldado Douglas Vital no bairro de Higienópolis, zona norte do Rio. “Descobrimos que os dois estavam juntos porque os dados das antenas dos celulares particulares indicam que os soldados estavam no local e na hora que o telefonema se deu”, disse a promotora.
O major Edson Santos e o tenente Luiz Medeiros foram denunciados pelo crime porque, segundo Carmen, tinham conhecimento da interceptação do celular, que era sigiloso. Segundo provas testemunhais, Medeiros ainda teria jogado óleo no local onde Amarildo foi torturado.
CÂMERAS NÃO FUNCIONARAM
A ONG Rio de Paz colocou manequins na praia de Copacabana, na zona sul, em protesto contra o desaparecimento de Amarildo
- As câmeras da UPP da Rocinha pararam de funcionar no mesmo dia em que Amarildo foi levado para lá por policiais "para averiguação". O relatório da empresa Emive mostra que, das 80 câmeras instaladas na favela, apenas as 2 da sede da UPP apresentaram problemas. MAIS
Novas denúncias
O MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) informou que mais 15 policiais militares foram denunciados por participação na morte do pedreiro Amarildo. Ao todo, segundo a Promotoria, são 25 PMs denunciados pelo sumiço do morador da favela da Rocinha, na zona sul do Rio. Todos foram denunciados por tortura seguida de morte, 17 por ocultação de cadáver, 13 por formação de quadrilha e quatro por fraude processual.
O Ministério Público pediu a prisão de mais três PMS: o sargento Reinaldo Gonçalves, o sargento Lourival Moreira e o soldado Vagner Soares do Nascimento. Ainda de acordo com o MP, nessa segunda parte da investigação foi possível identificar quatro dos policiais que participaram diretamente da tortura de Amarildo. São eles o sargento Reinaldo Gonçalves, o soldado Anderson Maia, tenente Luiz Medeiros e o soldado Douglas Vital, que foi quem abordou Amarildo na favela.
A nova denúncia ocorre após cinco policiais da UPP Rocinha mudarem seus depoimentos ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público. Quatro dos responsáveis pelos novos depoimento são mulheres.
Os promotores do Gaeco informaram ainda que solicitaram a suspensão das atividades dos 15 novos PMs denunciados. Além de Carmen, apresentaram a denúncia à imprensa Cláucio Cardoso da Conceição, Daniel Faria Braz e Paulo Roberto Cunha Junior.
O corregedor da Polícia Militar, Cezar Augusto Tanner, que também participou da entrevista coletiva, afirmou que a PM "não vai titubear em tomar a atitude que tem que tomar". "Não compactuamos com desvios de conduta e, nesse caso, infelizmente, houve", declarou Tanner.
Relembre o caso
Para a Polícia Civil, Amarildo foi torturado e morto depois de ter sido levado por policiais para a sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) na comunidade, um dia depois de a PM realizar a operação Paz Armada, que investiga o tráfico de drogas na Rocinha.
BLOG DO MÁRIO MAGALHÃES
"A coragem que tempera o inquérito do caso Amarildo é inversamente proporcional ao destaque diminuto que as conclusões policiais receberam nos meios de comunicação: parece que se trata apenas de mais uma peça produzida pela Polícia Civil do Rio de Janeiro"
De acordo com o delegado, que coordena a investigação, as pessoas que se disseram vítimas de tortura de policiais da UPP da Rocinha foram ouvidas de março a julho deste ano para revelar detalhes do esquema do tráfico de drogas no local.
Todas as 22 testemunhas que narraram mecanismos de tortura apontam homens comandados pelo major Edson Santos (ex-comandante da UPP afastado no mês passado após ser denunciado pelo caso Amarildo) como agressores. Pela linha de investigação da polícia, Amarildo seria a 23ª vítima do grupo - e a única que foi morta.
Asfixia com saco plástico, choque elétrico com corpo molhado, introdução de objetos nas partes íntimas e até ingestão de cera líquida eram alguns dos "castigos" aplicados aos moradores da Rocinha, dentro e fora das dependências da UPP -- alguns depoimentos falam em sessões de tortura em becos da comunidade, incluindo o beco do Cotó, onde, segundo a polícia, Amarildo foi sequestrado.
À época do desaparecimento do pedreiro, o ex-comandante da unidade sustentou que Amarildo foi ouvido e liberado, mas nunca apareceram provas que mostrassem o pedreiro saindo da UPP, pois as câmeras de vigilância que poderiam registrar a saída dele não estavam funcionando.
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