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Juiz que será indenizado perdeu habilitação por recusar bafômetro em 2013

Juiz João Carlos de Souza Corrêa, titular do 18º JEC (Juizado Especial Criminal) do Rio de Janeiro, que processou agente de trânsito - Marcio Alves / O Globo
Juiz João Carlos de Souza Corrêa, titular do 18º JEC (Juizado Especial Criminal) do Rio de Janeiro, que processou agente de trânsito Imagem: Marcio Alves / O Globo

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

05/11/2014 18h00

Pouco mais de dois anos depois de ser parado em uma blitz sem a CNH (Carteira Nacional de Habilitação), com o carro sem placa, e acusar uma agente da Operação Lei Seca que disse que ele "era juiz, mas não Deus" de desacato, o juiz João Carlos de Souza Corrêa, titular do 18º JEC (Juizado Especial Criminal) do Rio de Janeiro, foi novamente parado na operação e perdeu o direito de dirigir por um ano, por se recusar a fazer o teste do bafômetro.

A primeira ocorrência, que na semana passada provocou a condenação da agente de trânsito Luciana Silva Tamburini, aconteceu na madrugada de 13 de fevereiro de 2011, no Leblon, na zona sul da capital fluminense.

A funcionária do Detran-RJ (Departamento de Trânsito do Rio) terá que pagar indenização de R$ 5.000 ao juiz. Já a blitz que resultou na perda da habilitação do magistrado ocorreu no dia 14 de março do ano passado, na avenida Nossa Senhora de Copacabana, também na zona sul. 

As informações foram divulgadas pela Secretaria de Estado de Governo do Rio, que promove a operação.

No caso de 2013, João Carlos Corrêa recebeu multa de R$ 1.915,40 e teve a carteira de habilitação recolhida pelos agentes da Operação Lei Seca, pois a infração é considerada gravíssima. Segundo a secretaria, o veículo do motorista foi liberado após a apresentação de um condutor habilitado.

Durante a blitz de 2011, o juiz fez o teste do bafômetro, que não apontou a ingestão de álcool, mas recebeu duas multas: uma por não licenciar o veículo, que estava sem placa, e outra por não portar a CNH.

Ele acusou uma das agentes da operação de desacato ao ser informado que o carro seria removido para o depósito. Luciana chegou a receber voz de prisão por desacato, mas se negou a ir à delegacia em um veículo da Polícia Militar.

De acordo com a secretaria, a Corregedoria do Detran-RJ abriu um processo disciplinar para apurar a conduta dos agentes na ocorrência e não constatou nenhuma irregularidade. Ainda segundo o governo estadual, o registro de ocorrência realizado pelo crime de desacato na 14ª DP (Leblon) foi formalizado como fato atípico pela falta de provas.

Condenação

De acordo com decisão, em primeira instância, da 36ª Vara Cível do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio), a servidora pública "agiu com abuso de poder" e "zombou" do magistrado ao afirmar que ele "era juiz, mas não Deus". Na ocasião, o juiz era titular da 1ª Vara da Comarca de Búzios.

"Ao apregoar que o demandado era 'juiz, mas não Deus', a agente de trânsito zombou do cargo por ele ocupado, bem como do que a função representa na sociedade", escreveu o desembargador José Carlos Paes, da 14ª Câmara Cível do TJ-RJ, que manteve a condenação em segunda instância.

A reportagem procurou o TJ-RJ para tentar entrevistar o juiz e o desembargador, mas foi informada que nenhum dos dois se pronunciaria e que o tribunal não emitiria posicionamento sobre o caso.

Nesta quarta-feira (5), Luciana disse que não se arrepende da abordagem que lhe rendeu a pena. "Fiz, faria hoje e em qualquer órgão que eu estiver eu vou continuar a fazer o que é certo", afirmou, durante entrevista ao "Jornal Hoje", da "TV Globo".

"É bastante desmotivante para a própria pessoa que trabalha nessa área, ou em segurança pública, você saber que está fazendo o que a lei manda, agindo corretamente, e ainda ser punido por isso", declarou a agente, que disse ainda não ter tido a intenção de ofender o juiz. "Eu falei que ele não é Deus porque as coisas não são assim". Ela contou ainda que o magistrado parecia querer ter um tratamento privilegiado diante dos outros agentes.

Vaquinha

No início da tarde desta terça (4), depois que a condenação foi veiculada na imprensa, uma vaquinha virtual foi lançada para ajudar Luciana a pagar os R$ 5.000 da indenização. O valor total pretendido foi atingindo cerca de nove horas depois, no site "Vakinha". Na tarde desta quarta, pouco mais de 24 horas após a criação, já haviam sido arrecadados mais de R$ 11.900 e outros R$ 13.000 estavam a confirmar.

A agente de trânsito agradeceu a mobilização. "Você ver que a sociedade está ao seu favor eu acho que já é um grande incentivo para todo mundo", declarou. Ela contou ainda que recebe salário de R$ 3.600 e que teria dificuldades para pagar sozinha o valor total da indenização.

A advogada paulista Flavia Penido, criadora da vaquinha, justificou a iniciativa dizendo que a decisão "é um acinte a todos aqueles que defendem o direito de igualdade". A página ganhou o nome de "A divina vaquinha", uma referência irônica ao fato de que a agente disse que o juiz não é Deus. A advogada também propôs que a hashtag "#juiznaoehdeus" fosse compartilhada para divulgar a vaquinha. Centenas de usuários da rede replicaram o termo pedindo apoio para a agente.