Queda de natalidade é maior entre beneficiários do Bolsa Família, diz IBGE
Já se foi o tempo em que as famílias mais pobres eram sinônimo de filhos e mais filhos. Entre 2003 e 2013, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o número de filhos de até 14 anos caiu 10,7% no Brasil. No recorte das famílias 20% mais pobres do país, a queda foi de 15,7%. É justamente esse estrato social que inclui os quase 15 milhões de beneficiários do Bolsa Família.
A redução é ainda mais significativa no Nordeste, onde está mais da metade dos beneficiários do programa do governo federal. As famílias 20% mais pobres da região registraram queda de 26,4% no número de filhos --maior redução entre todos os estratos de renda e região.
Em 2013, as mães brasileiras tinham, em média, 1,6 filho até 14 anos. Entre aquelas 20% mais pobres do Nordeste, a média foi de dois filhos --quando era de 2,5 no início do século.
O recorte da Pnad foi divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que acredita que os números põem fim ao argumento de que as pessoas mais pobres engravidam para receber valores maiores do Bolsa Família.
"Quem diz isso não pensa quanto custa ter um filho. É óbvio que este valor não paga o leite da criança e as despesas que virão depois. O preconceito parte do princípio de que o que move as pessoas para a maternidade ou a paternidade é apenas uma motivação financeira”, afirmou a ministra Tereza Campello. Segundo o ministério, o valor médio do benefício é de R$ 167 mensais. Para chegar ao valor final, o cálculo leva em conta diversos fatores, como análise se a família está em extrema pobreza, quantidade de filhos e se mulher é gestante.
Menos filhos no Nordeste
Maria Benedita, 30, mora em Messias (a 48 km de Maceió), em Alagoas, e com dois filhos está na média nordestina. Para evitar surpresas, fez uma laqueadura. “Para que ter muito filho? Pobre não é para ter tanto menino não”, diz a beneficiária do Bolsa Família, sendo apoiada pela mãe. “Antigamente, todo mundo tinha trabalho, não faltava emprego. Hoje, os jovens estudam, mas não têm emprego, estão todos de cara pra cima sem ter o que fazer”, disse Cícera da Silva, 55.
Maria Eliane, 35, também mora em Messias e recebe o benefício. Com três filhos, ela explica que o terceiro veio por um motivo especial. “Era para ser só dois, mas, como queríamos um casal e nasceram duas meninas, resolvemos ter o terceiro", disse.
Para perceber na prática que o tamanho da família diminuiu no Nordeste, basta conversar com pessoas idosas. Aos 83 anos, o pai de Maria Elaine, o aposentado José Fernando Melo, conta que teve 18 filhos e perdeu as contas de quantos netos tem. “Deve ser uns 30”, brinca. “Naquele tempo, morava em uma fazenda lá em Murici. Era fácil criar criança: deixava solta e tava tudo certo. Hoje é muito trabalho.”
Mas, mesmo em tempos de redução familiar, há quem renegue os métodos anticoncepcionais. Aos 34 anos, Fernanda da Silva esperou ter cinco filhos para fazer a laqueadura. “Nunca usei nenhum anticoncepcional. Os meninos vieram conforme Deus mandava. Não vejo problema em ter muitos meninos”, afirmou. “Eu até gosto.”
Fenômeno “recente” e “complexo”
Para o professor de economia popular da Universidade Federal de Alagoas Cícero Péricles Carvalho, a queda no número de filhos das famílias nordestinas mais pobres é um fenômeno complexo e recente.
Ele aponta a urbanização --75% da população já está nas cidades--, o maior acesso à informação com a chegada da energia elétrica e a entrada da mulher pobre no mercado de trabalho como fatores que explicam os números e o maior acesso a métodos anticoncepcionais.
“Nas zonas urbanas, existem maiores possibilidades na área educacional, de saúde e de acesso a outras políticas públicas. A energia trouxe a televisão, que chega a 96% dos lares nordestinos. Também é importante lembrar o colchão social que representa a combinação Previdência Social e Bolsa Família com 18 milhões de famílias”, explicou.
O professor também vê influência financeira no planejamento familiar das famílias mais pobres. “Existe uma prioridade do pagamento do Bolsa Família às mulheres, que são chefes da família, o que dá maior grau de autonomia ao mundo feminino, assim como melhora sua autoestima. E isso tudo --renda, educação, trabalho, acesso à saúde pública, mais informação-- influencia decisivamente na queda do número de filhos por família”, afirmou.
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