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Novo modelo freia reforma agrária e aumenta fila de sem-terra no país

Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

15/04/2015 06h00

O novo modelo de reforma agrária adotada pelo governo Dilma Rousseff (PT) freou a criação de assentamentos pelo país e é criticado por movimentos sociais, que dizem que a fila de sem-terra que esperam a regularização cresceu.

Nos últimos quatro anos, segundo dados oficiais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), foram assentadas 107.354 famílias. O número de assentamentos criados entre 2011 e 2014 é o menor desde os governos Fernando Collor de Mello-Itamar Franco --quando foram assentadas 60.188 famílias, entre 1990-1994.

Se levarmos em conta uma média anual, o governo Dilma assentou um terço do que fez o governo de Luiz Inácio Lula da Silva --76 mil em oito anos (2003-2010) contra 27 mil da atual presidente. Já Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) teve média de 67 mil por ano.

Segundo o Incra, a queda se explica porque, nos últimos anos, o foco mudou e deixou de ser "quantidade" de desapropriações para tentar integrar os assentamentos às políticas públicas de combate à extrema pobreza. Hoje existem 9.255 projetos de assentamentos no país, com 969.691 famílias.

A meta do Incra é, até 2018, assentar 120 mil famílias. Ao mesmo tempo, 200 mil famílias --segundo os movimentos sociais-- vivem em acampamentos à espera da reforma agrária, número que não para de crescer com as novas ocupações. Outras cerca de 3,5 milhões vivem e produzem em áreas que não são suas, seja como trabalhadoras rurais, seja como arrendatárias.

“Nesse novo modelo, a meta é combinar quantidade e qualidade, a fim de converter os assentamentos em comunidades rurais autônomas integradas, com garantia de condições de vida digna aos moradores por meio de acesso à cidadania, à infraestrutura, fomento à produção e preservação ambiental”, explicou o Incra, que diz investir "esforços na obtenção de terras e na consolidação dos projetos de reforma agrária já existentes, para que esses se tornem cada vez mais sustentáveis”.

O engenheiro agrônomo Gerson Teixeira apontou, em artigo publicado no site da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária), que 73% dos assentamentos que constam nos números oficiais são decorrentes de projetos anteriores a 2011.

“Esses assentamentos corresponderam a 27% do número de famílias assentadas. O número de famílias assentadas no Pará (5.962) supera o número de famílias assentadas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste (4.509)”, escreveu o pesquisador em desenvolvimento agrícola e presidente da Abra.

Famílias assentadas no Brasil - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Dados “inconsistentes”

Apesar de alegar que a política atual visa melhorar os assentamentos já existentes, os movimentos sociais ligados aos trabalhadores do campo negam as benfeitorias e refutam a nova política. O maior dos movimentos, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), não só reclama, como ainda questiona os dados e diz que o número de acampados só cresce com as novas ocupações que ocorrem diariamente pelo país.

“São duas ações fundamentais, mas é preciso desapropriar e melhorar os assentamentos de forma simultânea. Uma ação não justifica a não realização da outra. E nós questionamos esses dados oficiais, pois muitas não são novas famílias assentadas, não são novos projetos; são projetos antigos concluídos nesse período”, afirmou Débora Nunes, da coordenação nacional do MST, citando que o número de famílias em acampamentos vêm crescendo em ritmo maior que as desapropriações.

Segundo o MST, existem hoje 80 mil famílias ligadas ao movimento acampadas pelo país. Mas a fila à espera pela reforma agrária é bem maior.

"Temos vários acampamentos de movimentos regionais, mas não é só quem está acampado que não tem terra. O censo agropecuário de 2006 [o mais recente do IBGE] mostra 4 milhões de famílias nessa situação. A tendência é aumentar o número de acampamentos, porque há locais em que a sobrevivência só vem com a luta pela terra”, afirmou.

Desde 2007, 340 mil famílias foram assentadas. Somadas as 200 mil que vivem em acampamentos, estimasse hoje que existam 3,5 milhões de famílias rurais sem terra.

Política “desastrosa”

Outro grande movimento nacional, a CPT (Comissão Pastoral da Terra), ligado à Igreja Católica, classifica a política agrária do governo federal como "desastrosa". “Não só de terra para camponeses, como indígenas e quilombolas também”, falou o padre Paulo César Moreira, da coordenação nacional do movimento.

Segundo ele, o governo federal não só adotou políticas de melhoria nos assentamentos como alegou que sofreriam com um processo de “favelização”. “Pode até existir alguma experiência ou outra [de melhoria em assentamentos], mas não temos percebido isso. Eles sofrem com esse processo de favelização pela morosidade, pela dificuldade de implantar projetos de assentamento para fortalecer a área. A grande maioria da assistência técnica é baseada no agronegócio”, afirmou.

Outro ponto que preocupa a CPT é o aumento do número conflitos em áreas de assentamento ao longo dos anos. Levantamento da organização aponta que, em 2014, 36 pessoas foram assassinadas no campo --dois a mais que em 2013.

Ainda segundo Moreira, o governo também adota práticas de exploração agrícola equivocada.

“[A política agrária] determina como sacrifício o cerrado, que é nossa fronteira agrícola, e permite avanços na Amazônia, com um não combate ao grilagem. Isso aumenta os conflitos agrários. Você tem um desmatamento do cerrado, acabando praticamente com o bioma, e ao mesmo tempo tem um avanço amazônico. Do ponto de vista ambiental, também é [um governo] desastroso”, disse.