Situação hoje está pior, diz pai de menina morta no metrô do Rio em 2003
Na última semana, o nome de Eduardo de Jesus Ferreira, 10, morto no Complexo do Alemão com um tiro na cabeça, no dia 2 de abril, entrou para o memorial de vítimas da violência do movimento "Gabriela Sou da Paz", criado pelos pais de Gabriela Prado Maia Ribeiro, jovem de 14 anos morta em 2003. Em entrevista ao UOL, o pai de Gabriela, Carlos Santiago Ribeiro, afirmou considerar que, atualmente, crianças e adolescentes estão muito mais expostas a atos de violência do que sua filha estava quando foi vítima de uma bala perdida durante um assalto à estação de metrô São Francisco Xavier, na Tijuca, zona norte do Rio. O caso teve grande repercussão à época.
"A cada ano que passa, eu vou a mais missas e a mais enterros. A violência está com uma proporção muito maior", disse ele. "Reconheço que as tentativas [do governo] foram muitas e houve um grande investimento. Mas o resultado não é parecido com o discurso que eles passam. Eu acredito que, nos casos do dia a dia de bala perdida e violência, menos de 50% chega para a imprensa."
Gabriela e Eduardo viviam em realidades sociais totalmente diferentes --ela, jovem de classe média da Tijuca; ele, morador do Complexo do Alemão, maior e mais perigoso conjunto de favelas do Rio. A região continua a ser extremamente violenta, apesar da chegada das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). O projeto de segurança pública do governo, criado em 2008, prevê a ocupação policial permanente de comunidades. No Complexo do Alemão, isso ocorreu no fim de 2010, quando forças policiais e militares das Forças Armadas participaram de uma grande operação para invadir esses territórios.
Segundo Ribeiro, as mortes de Gabriela e Eduardo mostram que, embora a situação seja pior nas comunidades cariocas, a violência generalizada não faz diferença entre ricos e pobres. "A partir da morte da Gabriela, eu me engajei muito nessa área. Foram passeatas, protestos, missas após morte de vítimas de violência, principalmente nessa coisa de bala perdida. O que eu noto é que, de 2003 para cá, isso [a exposição de jovens a ações violentas] evoluiu no sentido negativo", afirmou. "Piorou muito."
O movimento "Gabriela Sou da Paz" presta assistência jurídica, social e psicológica a famílias de vítimas da violência em geral. Segundo Ribeiro, por meio de uma parceria com um escritório de advocacia, mais de 40 famílias estão cobrando indenizações do Estado na Justiça --em todos os casos, as vítimas morreram em circunstâncias relacionadas diretamente ou indiretamente a ações policiais.
"Ações contra o Estado acabam levando muitos anos. (...) É difícil o Estado querer fazer um acordo, exceto nos fatos que são muito prejudiciais para o governo, principalmente quando tem eleição. Nesse caso, o governo recebe [parentes de vítimas]. O governador quer receber [pessoalmente] e tal. Eles fazem aquela reunião, dizem que vão pagar o enterro e acabam até fazendo um acordo com valores ínfimos. Mas a família sempre precisa muito. A gente deixa isso a cargo das famílias", declarou.
Ribeiro pediu ainda que os pais de Eduardo, José Maria Ferreira e Teresinha de Jesus Ferreira, procurem o movimento para que "sejam ajudados e, ao mesmo tempo, possam ajudar outras pessoas". Ele disse acreditar que o casal viajou ao Piauí "não para fugir do Rio, e sim para fugir da polícia", já que a mãe de Eduardo relatou ter sofrido ameaças depois de afirmar publicamente que seria capaz de reconhecer o suposto PM que teria feito o disparou que matou o menino. A família vive sob escolta policial 24 horas em Corrente, a cerca de 850 quilômetros de Teresina.
Na versão do pai de Gabriela, é comum ouvir relatos de parentes de vítimas sobre supostas tentativas de intimidação por parte de policiais. "Ontem mesmo eu levei uma pessoa que mora no morro dos Macacos [em Vila Isabel, na zona norte do Rio] para dar uma entrevista. A filha foi morta por um PM. Ela já foi, inclusive, indenizada pelo Estado. Mas ela disse, durante a entrevista, que só poderia falar até um determinado ponto. Passando daquele ponto, eles [policiais] vão lá em cima e pegam ela", disse.
Relembre o caso Gabriela
Gabriela Prado Maia Ribeiro saía sozinha de casa pela primeira vez, no dia 25 de março de 2003, quando ficou no meio de um tiroteio nas escadas do único acesso da estação de metrô São Francisco Xavier. "Ela fazia tudo o que um adolescente de 14 anos fazia, mas cobrava mais liberdade. Ela nunca saía sozinha. A gente sempre levava e buscava", relembrou o pai. A jovem faria uma viagem curta e saltaria na estação seguinte, Saens Peña, onde encontraria a mãe em uma praça.
Por volta das 15h30, Gabriela deparou-se com um criminoso que havia acabado de assaltar a bilheteria da estação. Ele subia as escadas em fuga. O policial civil Luis Carlos Carvalho, à paisana, descia as escadas para pegar o metrô. Ele reagiu e disparou contra o criminoso, dando início ao tiroteio. Gabriela foi atingida por um dos disparos feitos pelo policial. Os criminosos conseguiram fugir.
Ao fim da investigação da Divisão de Homicídios, a polícia conseguiu prender as cinco pessoas que articularam e executaram o plano do assalto à estação. Todos foram condenados. Já Carvalho --também baleado na ação-- não teve qualquer responsabilidade, decidiu a Justiça. Após ser atingida, a estudante ainda chegou a se levantar e tentar fugir, mas subiu a escada e caiu na calcada, já do lado de fora. "Ela caiu. Quando eu a segurei, ela ainda estava respirando, mas não respondia", disse uma testemunha à época.
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