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"Só piorou", diz juiz que vistoriou prisão da PM no Rio em 2011

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

02/10/2015 18h36

Quase quatro anos atrás, o juiz Ulysses Gonçalves Jr., 50, havia sido escolhido para coordenar um mutirão carcerário do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no Rio de Janeiro. Na ocasião, ele ficou encarregado de fazer uma vistoria no BEP (Batalhão Especial Prisional), gerenciado pela Polícia Militar do Rio, onde nesta quinta-feira (1º) uma juíza foi agredida por detentos. Ao comentar a inspeção de dezembro de 2011, o magistrado não poupou adjetivos para classificar a situação de privilégios para os detentos que encontrou no local: "absurda", "sem sentido", "absolutamente inexplicável".

A visita gerou um relatório com recomendações ao Governo do Estado do Rio que incluíam o fechamento do presídio, situado em Benfica, na zona norte da capital fluminense, e a transferência dos internos --policiais militares presos-- para outro espaço. Na tarde desta sexta-feira (2), ao saber da agressão à juíza Daniela Barbosa Assumpção de Souza, da Vara de Execuções Penais do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio), o magistrado disse que a situação "denota que o sistema só piorou". "É triste saber disso. Quando eu estive lá nenhum policial (preso) se atreveu a me afrontar", declarou.

Após o episódio envolvendo a juíza, a Justiça fluminense determinou o fechamento do BEP e a transferência dos detentos para outra unidade, o que começou a acontecer nesta sexta. "O CNJ, ao fazer aquela radiografia, identificou privilégios absolutamente inexplicáveis. Naturalmente, a gente sabe que é um processo de modificação longo, mas é uma surpresa para mim que até hoje o Estado não tinha avançado no sentido de retirar regalias de presos que não têm condições de reivindicar nada disso", comentou o juiz, que não voltou a visitar o local desde 2011. Ulysses é juiz corregedor do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), responsável pelos presídios da capital e da região metropolitana.

Entre as cenas marcantes que viu em 2011, o juiz ressaltou uma cela com teto rebaixado com gesso, iluminação embutida e móveis de couro. "Absolutamente divergente da realidade do sistema carcerário brasileiro", conta. Várias celas eram equipadas com TVs, geladeiras, micro-ondas, entre outros eletrodomésticos. Segundo o magistrado, os espaços mais pareciam apartamentos que celas. "Algumas tinham perfis muito parecidos com hotéis de luxo", citou.

Histórico de escândalos

O episódio desta quinta é o mais recente de uma série de confusões e escândalos envolvendo o BEP. A longa ficha vai da fuga de um miliciano pelo vão de um ar-condicionado, em 2011, a regalias encontradas neste ano, como churrasco, paredes decoradas com pintura em textura e cortinas com bloqueadores de luz nas celas, pela mesma juíza que foi agredida no local.

O local foi apelidado “batalhão das festinhas” após a vistoria do CNJ em dezembro de 2011. Em razão da diligência, 35 detentos foram transferidos. Um ano antes, a Corregedoria da Polícia Militar havia interceptado a entrega de 2.600 latas de cerveja dentro do BEP. Na ocasião, um tenente foi preso sob suspeita de liberar a entrada da bebida.

A fuga do ex-policial militar Carlos Ari Ribeiro, o Carlão, apontado como principal matador da milícia Liga da Justiça, ocorreu em setembro de 2011 e contou com ajuda interna.  "Esse ex-militar, ele obteve fuga, a princípio, por uma negligência do nosso oficial de dia. Ele está sendo autuado por facilitar essa fuga”, explicou o então corregedor da PM, coronel Ronaldo Menezes, na época. O criminoso havia sido denunciado à Justiça, na véspera da fuga, por formação de quadrilha.

Antes de deixar o local, após forçar entrada em uma sala da Defensoria Pública e escapar pelo buraco do ar-condicionado, Carlão havia transformado sua cela em escritório do grupo paramilitar. O miliciano, cujo comportamento era descrito como “psicótico”, foi morto em uma operação da Polícia Civil, um ano depois. Passadas algumas semanas da fuga, o jornal “Extra” publicou várias fotos de uma festa promovida por ele, dentro do BEP, para comemorar o aniversário do filho. Nas imagens, o criminoso ostenta joias de ouro e aparece em volta de uma mesa com bebidas alcoólicas, refrigerantes e energéticos.

Em março de 2014, homens da Corregedoria da PM e do Ministério Público do Estado fizeram nova vistoria no presídio e encontraram 70 latas de cerveja, 12 aparelhos de microondas, 12 aparelhos de ar-condicionados, dois tablets, um notebook, cinco telefones celulares e uma antena de TV por assinatura. Segundo a polícia, parte do material foi encontrado em uma sala onde presos fazem ginástica na unidade. A investigação mostrou ainda que PMs fizeram vaquinha para realizar um churrasco dentro do BEP, durante o Carnaval.