Sem verba no Rio, Disque-Denúncia corta recompensas e ameaça fechar
O Disque-Denúncia, central de atendimento que recebe, armazena e encaminha para a polícia denúncias anônimas sobre crimes cometidos no Rio de Janeiro, funciona em uma sala no terceiro andar do prédio da Secretaria de Segurança do Estado, junto à Central do Brasil, no centro da cidade. Criado em 1995, já passou por oito governadores e dez secretários de segurança, mas talvez não sobreviva à crise econômica enfrentada pelo Rio.
Apesar de ser uma ONG, o serviço depende do apoio do governo do Estado para se manter. Além da estrutura, são os repasses do Estado que bancam a folha de pagamento dos 66 funcionários do local, representando cerca de 60% do custeio. O resto é conseguido via doações de empresas e pessoas físicas, que também minguaram ao longo de 2015.
Apenas entre janeiro e dezembro de 2015, o Disque-Denúncia registrou 107.226 denúncias, uma média de 294 denúncias por dia. As informações são filtradas e repassadas para a polícia e autoridades do Estado e depois organizadas em um banco de dados que mapeia a criminalidade na cidade, também repassado para o Estado. Entre 30% e 40% das denúncias resultam em informações que levam a crimes de fato.
A fim de manter o serviço, foi cortado também o atendimento durante a madrugada – agora só há pessoas recebendo informações até às 21h30–, e nos domingos e feriados. As recompensas pelas informações que, segundo Borges, incentivam as denúncias de pessoas próximas aos criminosos, também estão com os dias contados. Em 2015 foram pagos, no total, cerca de R$ 170 mil. Em geral os valores variam entre R$ 1.000 e R$ 20.000, de acordo com o criminoso.
José Borges, superintendente da ONG, conta que a última parcela do governo do Estado caiu em setembro, quando foi quitado o repasse que deveria ter sido feito em maio. A promessa foi de que as contas seriam todas acertadas no dia 17 de dezembro, o que não ocorreu, levando o Disque-Denúncia a apertar o cinto e, pela primeira vez desde a sua fundação, não funcionar no Natal e no Ano Novo. “Falaram que iriam pagar e nós acreditamos, infelizmente”, diz Borges.
Procurada pelo UOL, a Secretaria de Planejamento informou que os repasses ao Disque-Denúncia estão atrasados desde agosto e que o pagamento será retomado “tão logo haja disponibilidade de recursos”. No momento, no entanto, não há prazo para isso acontecer.
“Praticamente não nos atendem”, reclama Borges. “O que mais nos preocupa é que a população confia muito na gente. Temos uma relação de confiabilidade e credibilidade. O governo não tem essa sensibilidade. Dizem que é uma questão de orçamento, a situação está mal, não pagam, se puder, pagam algum dia.”
O serviço acaba entrando em uma longa fila de locais afetados pelos cortes realizados pelo governador Luiz Fernando Pezão nas contas do Estado, que incluem a área da saúde --que chegou a ter hospitais e UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) fechados--, a Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e o pagamento dos servidores, atrasado desde dezembro. A crise é atribuída principalmente à queda na arrecadação de ICMS e de royalties do petróleo.
Pioneiro no país, o Disque-Denúncia foi responsável por informações que levaram a soluções de casos famosos, como a morte do jornalista Tim Lopes, do menino João Hélio e a captura do traficante Playboy --que acabou morto pela polícia--, além de ter orientado a criação de serviços semelhantes no Chile, na Argentina, em Campinas (SP), no Recife e no Pará.
Como forma de manter o serviço, o Disque-Denúncia começou uma campanha para arrecadar fundos e sensibilizar a população. “Há 20 anos que nós estamos resistindo”, afirma Borges. “É claro que faltam recursos, mas para certas áreas não faltam, e não falo de escolas e hospitais. O governo precisa decidir se interessa ou não manter o Disque-Denúncia.”
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