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Sem opção de transporte, moradores temem lei que põe fim a charretes no RJ

Ilegais, charretes de Queimados caem no gosto da população

UOL Notícias

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

19/01/2016 06h00

Após mais de meio século à margem da lei e sob vista grossa do poder público, as charretes de Queimados, cidade da Baixada Fluminense, devem ser extintas após o Carnaval, segundo promessa feita pelo secretário municipal de Segurança, Transporte e Trânsito, Elias José da Cruz. Descanso merecido para os cavalos e garantido em âmbito estadual pela lei 7.194/16, publicada em 8 de janeiro, que proibiu o uso de animais de tração para transporte de materiais, cargas ou pessoas no Rio de Janeiro.

"Com essa lei, o trabalho será acelerado. Atualmente, estamos abordando individualmente cada charreteiro. Estamos dando a publicação no Diário Oficial e explicando o processo. Ainda faremos uma reunião geral com todos eles antes de definir a paralisação total do serviço. Não dá mais para postergar. Todo o serviço de transporte de pessoas ou de carga por meio de animais será paralisado no município de Queimados", afirmou Cruz.

Para a população de Queimados, no entanto, a medida não agrada. Os moradores afirmam que o meio de locomoção, além de ser um "patrimônio" da cidade, é fundamental para se deslocar a áreas mais afastadas do centro urbano, onde a oferta de ônibus é deficiente. O secretário de Segurança, Transporte e Trânsito diz reconhecer a carência. "Antes, só havia um ônibus que fazia esse trajeto [percorrido pelas charretes]. Hoje são dois", declarou Cruz.

"Em primeiro lugar, a prefeitura e o governo do Estado têm que colocar um transporte adequado. Temos que ter meios de transporte para depois pensar em acabar com as charretes", reclamou o supervisor de segurança Valdeci Soares da Silva. "Para poder chegar até o centro e pegar o trem, eu tenho que vir de charrete. Não tem ônibus perto da minha casa. E os que passam mais perto só começam a circular a partir das 8h. As charretes começam a rodar já às 4h da manhã. É a alternativa que nós temos."

"É lamentável que a charrete saia daqui. Eles tratam direito dos animais. Só não tratam melhor porque eles não podem. É um patrimônio que pertence à população de Queimados", afirmou o aposentado Jovelino Bernardo da Silva. "No tempo do meu avô, lá para trás, era tudo carregado no lombo do animal. Negócio de guerra, geral. Era ouro, era tudo carregado no lombo do animal. Agora querem tirar a charrete e acabar com o transporte de animal? É só a gente cuidar direitinho", opinou o morador Fernando Quirino da Silva.

Na avaliação do secretário, o "processo de transição e modernização" da mobilidade urbana no município só ganhará corpo à medida que a licitação prometida pela gestão do prefeito Max Lemos (PMDB) for realizada. O certame que definirá a responsabilidade da operação das linhas de ônibus estava previsto para o ano passado, mas o edital teve que passar várias correções exigidas pelo Tribunal de Contas. "A gente esperava que ela acontecesse no ano passado, mas tivemos alguns problemas e isso foi postergado. Vai acontecer agora entre o fim de janeiro e o começo de fevereiro."

Como tática para desestimular o uso das charretes, a prefeitura reduziu o valor da tarifa do ônibus que percorre o mesmo trajeto (o preço da passagem é R$ 1,50, e o das charretes é R$ 2). O governo diz ainda que ampliará a frota para atender áreas mais afastadas do centro, mas espera que a população se adapte ao sistema formal. Na esteira da proibição definitiva das charretes, a secretaria de Segurança, Transporte e Trânsito também promete combater o transporte alternativo (vans e kombis) com fiscalização regular. "A partir da licitação, vamos encerrar todo esse processo de ilegalidade."

Promessa não cumprida

Em novembro de 2014, isto é, mais de um ano antes da lei estadual entrar em vigor, a reportagem do UOL esteve em Queimados e verificou que o uso de charretes para transporte de passageiros já funcionava ilegalmente na cidade. Na esfera municipal, esse tipo de serviço é proibido pelo Código de Posturas (Lei Complementar 008/1999), sancionado em 1999.

Entrevistado na época, Cruz afirmou que os charreteiros "calavam" uma demanda que o município não tem condições de suprir. "Há cerca de 50 anos já funciona esse tipo de transporte no município. Ele tem resolvido de forma precária, mas tem resolvido a questão do transporte de pessoas de algumas localidades", disse.

Na ocasião, o secretário afirmou ainda que um estudo estava sendo feito para racionalizar a oferta e a distribuição do transporte coletivo na cidade. Segundo ele, o material serviria de base para a licitação, e todo o processo seria finalizado em 2015. Porém, as correções de edital exigidas pelo Tribunal de Contas atrasaram os trabalhos, explicou ele.

Após o Carnaval, de acordo com a prefeitura, fiscais da secretaria vão começar a fazer operações para garantir o cumprimento da lei que dá fim às charretes. Os animais podem ser apreendidos, mas não haverá acirramento, explicou Cruz. Em princípio, o objetivo é conscientizar os charreteiros e não necessariamente puni-los. "O novo é sempre complicado e enfrenta alguma resistência. Queremos fazer de uma forma que a população fique confortável."

Desemprego

Um dos efeitos da possível extinção das charretes em Queimados é o desemprego dos condutores. Segundo José Gomes, um dos líderes da categoria, são mais de 40 pessoas trabalhando com esse tipo de serviço, e alguns já têm idade bastante avançada para ingressar no mercado de trabalho formal. A gestão municipal se dispõe a oferecer cursos de capacitação para que os charreteiros possam exercer outras funções, segundo Cruz. O diálogo com os trabalhadores, no entanto, tem que ser feita "caso a caso".

"Vamos ouvir cada demanda. Cada demanda é particular, e o município quer sentar e verificar de que forma pode auxiliar nessa questão. Não é simplesmente fazer uma alteração e acabou. São pessoas que estão efetivamente trabalhando", disse o responsável pela pasta de Segurança, Transporte e Trânsito.

Gomes afirmou que os condutores pretendem resistir à iniciativa do poder público. Mais do que sustento, afirma ele, o trabalho como charreteiro possui uma natureza afetiva. "Nós temos orgulho do nosso trabalho", disse ele. "Vamos resistir. Estamos nos mobilizando para fazer uma grande manifestação. (...) Vamos parar a cidade. Estamos com pretensão de parar também a Dutra. Vamos colocar as charretes atravessadas na Dutra, na pistas de subida e descida, reivindicando os nossos direitos. Só vamos sair quando a gente tiver uma decisão definitiva. Não vamos abrir mão do nosso direito."