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Com estilos diferentes, documentários ouvem vítimas da tragédia de Mariana

Rayder Bragon

Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte

30/07/2016 06h00

O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), considerada a maior tragédia ambiental do país, mobilizou a imprensa e transformou-se em um catalisador para a produção de documentários sobre a catástrofe que, no dia 5 de novembro de 2015, ceifou 19 vidas [um corpo ainda está desaparecido], destruiu distritos e lançou um mar de lama na bacia do rio Doce.

Além das reportagens de televisão e internet, três equipes diferentes de documentaristas se debruçaram sobre a tragédia. Apesar de diferentes em estilos, dimensões e formas, todos eles optaram por contar histórias das vidas prejudicadas desastre.

A partir de dois personagens

"Rio Doce" refaz o caminho da lama de Mariana à foz no Espírito Santo

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Um dos documentários que estão sendo produzidos foi idealizado pela diretora e fotógrafa Aline Lata, 27, e pela jornalista e fotógrafa Helena Wolfenson, 28. "Rastro de Lama", que tem previsão para ser lançado até o final deste ano, foi fruto de financiamento coletivo.

Conforme Aline Lata, o documentário buscará mostrar os efeitos do rompimento, por meio da compreensão da tragédia extraída principalmente do depoimento de dois jovens moradores de Bento Rodrigues, o subdistrito destruído pela onda de rejeito de minério de ferro.

“A gente conheceu o Ricardo e o Marlon [ambos com 21 anos de idade] na porta de um hotel de Mariana e, apesar de ser muito triste, conversando com eles a gente percebeu o senso de justiça apurado que eles tinham. A gente resolveu aprofundar mais na história deles, por eles serem jovens e por terem muitos sonhos que foram suspensos”, afirmou.

Aline conta ter percorrido, na companhia dos dois jovens, o percurso da lama até o Estado do Espírito Santo. Ela disse ter percebido o poder representado pela mineradora nos locais.

“Foi uma decisão nossa de só ouvir quem foi atingido. A gente não quer falar com eles [Samarco]. A gente pode pegar as informações que estão disponíveis na internet para o público”, declarou.

Com base nesse curta, que terá aproximadamente vinte minutos, ela afirmou que a pretensão é apresentá-lo a produtoras, inscrevê-lo em editais e conseguir financiamento para produção de um documentário longa-metragem. Aline conta que o trabalho vai perdurar até a prometida reconstrução da “nova Bento Rodrigues”. A Samarco, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP, declarou que a reconstrução do vilarejo deverá ficar pronta em três anos. O terreno escolhido pela comunidade fica na zona rural de Mariana.  

“O longa vai fazer com que a gente acompanhe os três anos, que é quando a Samarco prometeu a entrega da nova Bento Rodrigues. A gente vai continuar acompanhando a vida do Ricardo e do Marlon, vamos fazer visitas periódicas e, ao mesmo tempo, acompanhar esse desenvolvimento da nova Bento Rodrigues. Tudo é muito ligado”, disse.

A forma utilizada por elas para o financiamento coletivo do documentário inicial foi uma plataforma digital que agrega doações na modalidade “crowdfunding’.

“A gente teve aproximadamente 600 apoiadores. Tivemos doações de R$ 5 a R$ 3 mil. Foi uma participação grande. Arrecadamos R$ 53 mil para fazer o curta-metragem. A gente está agora na fase de decupagem e edição”, declarou.

Seis meses depois

"Rio Doce" refaz o caminho da lama de Mariana à foz no Espírito Santo

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Já o jornalista e diretor de fotografia Pedro Serra, 37, prepara um longa com duração de uma hora e meia, com previsão de lançamento em meados de setembro deste ano.

Em novembro do ano passado, ele e o diretor Hermano Beaumont haviam percorrido o trajeto da lama no rio Doce até a sua foz, localizada no Espírito Santo.

“A gente sentiu que só aquela primeira viagem, no calor do momento, não ia adiantar para que a gente analisasse a situação. A gente refez esse trajeto, em maio deste ano, e nos recontamos com quase todas as pessoas que a gente tinha entrevistado na primeira viagem e ainda encontramos outras personagens”, salientou.

O projeto está com uma campanha de financiamento coletivo, quem quiser colaborar, é só clicar aqui.

Serra pretende fazer a estreia do documentário em uma praça de Mariana aberta ao público. Os criadores do longa também querem leva-lo ao município de Regência (ES), onde fica a foz do rio Doce, para exibi-lo aos moradores.

“O que a gente viu foram várias tragédias conforme fomos descendo o rio. Teve a tragédia da destruição e da perda de vidas em Mariana. E ela vai se transformando em uma tragédia socioambiental e socioeconômica no trajeto’, disse.

Serra contou, para exemplificar, ter identificado a dificuldade de alguns ex-moradores de Bento Rodrigues em se adaptarem a moradias na cidade. A Samarco está bancando o aluguel dos imóveis para as pessoas que perderam suas casas.

“Um ex-morador de Bento Rodrigues não se adaptou na cidade e construiu um barraco em um terreno invadido na periferia de Mariana. E, mesmo lá, ele construiu a moradia distante das outras”, relembrou.

Já em Governador Valadares (MG), Serra disse ter encontrado um homem que teve de desistir do que mais gostava de fazer na vida.

“Ele alugava caiaques e surfava no rio [Doce]. Agora, ele teve de arrumar outro emprego, de maneira formal, mas que não é a cara dele. Ele é um esportista, ele gosta de viver do rio, mas não teve jeito’, destacou.

Ele finalizou dizendo que pretende incluir no longa a versão da Samarco para a tragédia de Fundão.

O documentário está sendo financiado com recursos próprios, conforme o diretor. Ele e o sócio pretendem veicular o documentário em festivais nacionais e internacionais.

Imagens em 360 graus

O diretor Tadeu Jungle, idealizador do curta-metragem “Rio de Lama”, lançado em março deste ano, comparou os atingidos pela lama da barragem a “foragidos de guerra”.

“Os atingidos adoravam a vila de Bento Rodrigues. Eu os comparo a foragidos de guerra, que abandonaram tudo para trás, devido a uma situação de perigo iminente. Só que aqui a situação é pior, pois eles nem sequer têm o sonho de um dia retornar às suas casas’, explicou ao UOL, em entrevista concedida por e-mail.

O documentário usa a narrativa da realidade virtual, que propicia ao espectador uma sensação de imersão nas imagens feitas em 360 graus.  Jungle conta ter ficado por oito dias em Bento Rodrigues.

“Eu descobri a potência da narrativa da realidade virtual no meio do ano passado e estava buscando um tema que justificasse o seu uso, quando aconteceu a tragédia de Mariana. Imediatamente fiquei motivado a ir lá e fazer um documentário a respeito’, disse.

Jungle salientou que a finalidade do documentário, com pouco mais de nove minutos de duração, é “atingir e emocionar o maior número de pessoas possível para que se possa olhar para os atingidos de uma forma mais humana, reparar os estragos físicos causados e tentar minimizar os problemas emocionais dessas pessoas”. Ele ainda disse desejar a construção de um memorial em Bento Rodrigues.

“O filme mostra o que restou da vila de Bento Rodrigues e contrapõe a paisagem arrasada com as alegres memórias de seus moradores”.

O diretor conta não procurado a Samarco porque não era esse um dos objetos de seu trabalho.

O custo do documentário, ainda conforme Jungle, foi bancado com a colaboração das produtoras Academia de Filmes e Maria Farinha Filmes, ambas de São Paulo.

Jungle relatou que o aplicativo do documentário pode ser baixado de graça na internet [Play Store ou GooglePlay. Há a necessidade do uso de óculos especiais para ver as imagens em 360 graus]. Ele pode ser visto também no Youtube.

O diretor disse que o documentário foi selecionado e exibido em um dos mais importantes festivais internacionais de documentários, o Sunny Side of the Doc, na França, em junho passado.

Jungle destacou que o documentário foi escolhido para ser exibido na noite de abertura do Fica (Festival Internacional de Cinema Ambiental), em Goiás. 

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