Carro-chefe da gestão Beltrame, UPPs pararam de ser inauguradas em 2014
Projeto de maior relevância tocado pelo secretário demissionário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, o programa de implantação de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) estancou nos últimos dois anos. Desde 2014, nenhuma unidade foi inaugurada. Até mesmo as consideradas prioritárias, como as UPPs no Complexo da Maré, tiveram a implantação cancelada.
Após dez anos à frente da Segurança no Rio, Beltrame pediu demissão na terça-feira (11) em meio à escalada de violência e com a expansão das UPPs interrompida devido à falta de recursos financeiros e de tropa. O secretário já tinha a intenção de deixar o cargo e, nos últimos meses, fez reclamações contra o corte de recursos para sua pasta. Na próxima segunda-feira (17), seu sucessor, Roberto Sá, assume o cargo.
As UPPs foram o carro-chefe do governo Sérgio Cabral (PMDB) e ajudaram na eleição de seu sucessor, Luiz Fernando Pezão, do mesmo partido, em 2014, mesmo ano da inauguração da última UPP, em maio, na Vila Kennedy, zona oeste do Rio. Em campanha, Pezão prometia a instalação de 50 novas UPPs em sua gestão.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Segurança para questionar se o projeto será levado adiante, mas a assessoria de imprensa afirmou que apenas Sá poderia responder a essa pergunta e somente após a posse no cargo.
O projeto começou com uma unidade em 2008 e teve rápida expansão, com mais quatro inaugurações em 2009. O ano seguinte foi o mais emblemático na política de pacificação, com a criação de sete UPPs e a ocupação do Complexo do Alemão por membros das polícias e das Forças Armadas, em uma ação transmitida ao vivo, com imagens de traficantes em fuga.
A expansão das UPPs continuou em 2011, com mais seis unidades, outras dez em 2012, oito em 2013 e apenas duas no ano seguinte. Em março de 2016, Beltrame anunciou que as quatro unidades previstas para a Maré não tinham data para sair do papel.
A escolha dos lugares para onde o programa de pacificação expandiu foi alvo de críticas durante o processo. Enquanto a Maré ficou sem UPP, comunidades consideradas pouco violentas receberam unidades.
É o caso do Cerro-Corá, favela nos arredores do Cristo Redentor, em Cosme Velho, na zona sul, que teve uma UPP inaugurada em julho de 2013, mesmo mês da visita do papa Francisco, durante a Jornada Mundial da Juventude.
O processo de expansão obedeceu à lógica política, e não técnica
João Trajano Sento-Sé, sociólogo
"A variável 'incidência criminal' não foi determinante para definir os locais. As milícias, por exemplo, passaram ao largo do processo", disse o sociólogo João Trajano Sento-Sé, do Laboratório de Análise da Violência, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Queda nos homicídios
As UPPs ainda apresentam resultados de diminuição da criminalidade. Em 2007, ano que antecedeu a criação da primeira unidade, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes na capital foi 37,8, segundo os dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), órgão ligado à Secretaria de Segurança.
A queda nesta estatística seguiu até 2012, quando a taxa foi de 18,9 homicídios por 100 mil habitantes. No ano seguinte, houve um pequeno aumento, para 20,4 homicídios para cada 100 mil habitantes.
Em 2015, a taxa voltou a apresentar redução, atingindo a melhor marca da história do município: 18,6 assassinatos para cada 100 mil habitantes, metade da verificada um ano antes da primeira UPP ser instalada.
Fim da trégua
Embora o indicador seja positivo, de 2012 em diante, criminosos fortemente armados retornaram às 38 favelas com UPPs. A volta dos traficantes foi acompanhada pela truculência policial nesses territórios.
Até mesmo o morro Dona Marta, a favela considerada modelo no processo de pacificação e que chegou a ficar seis anos sem que um tiro fosse disparado, voltou a registrar tiroteios. Primeira UPP inaugurada, em dezembro de 2008, o Santa Marta teve em março deste ano o primeiro homicídio desde a chamada “pacificação”.
Em 2013, Beltrame teve que lidar com um dos casos que mais abalaram a imagem das UPPs: o desaparecimento e morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, no dia 14 de julho, seguida de uma série de protestos com o lema "cadê o Amarildo?".
Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público, 25 PMs foram responsáveis por torturar e assassinar Amarildo, além de ocultar o seu corpo. A investigação aponta que o mandante do crime foi o major Edson Santos, então comandante da UPP da Rocinha.
O aplicativo Fogo Cruzado, da Anistia Internacional, coleta dados sobre tiroteios no Rio. O último relatório mensal do serviço, referente a setembro, registrou tiros em 18 comunidades com UPP. Nestas áreas, ao menos oito pessoas morreram e 22 pessoas ficaram feridas, incluindo quatro policiais militares, de acordo com o relatório.
Além das notificações compartilhadas em forma de colaboração pelos usuários, o aplicativo inclui dados coletados pela imprensa e canais oficiais, como os boletins diários publicados no site da Polícia Militar do Estado.
Nos primeiros dez dias de outubro, pelo menos quatro favelas com UPPs foram palco confrontos entre policiais e bandidos. Neste mês, houve tiroteios nas áreas controladas pelas UPPs Pavão-Pavãozinho, Coroa, Fallet e Fogueteiro, Turano e Cidade de Deus.
No Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, os confrontos resultaram em três policiais baleados, três suspeitos mortos, oito presos, comércio fechado e clima tenso em todo o bairro.
Para Sento-Sé, uma das virtudes das UPPs foi justamente a mudança da lógica de enfrentamento ao tráfico para o combate às armas. Em vez dos policiais entrarem nas comunidades, trocarem tiros, fazerem algumas prisões e depois saremí, as diretrizes do projeto eram de permanecer no território e tentar estabelecer vínculos com os moradores. Este processo ficou pela metade.
"As UPPs expandiram sem os recursos adequados, sem a estrutura apropriada. Isso significava que teria de haver investimentos depois que as unidades já estavam em funcionamento. Com o Estado insolvente, o projeto vive a mesma carência geral de toda a administração pública. Os investimentos não aconteceram, e o cenário hoje é de recrudescimento armado não só do tráfico, mas também da milícia", afirma Sento-Sé.
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