RS vive caos na segurança com salários atrasados, falta de vagas e "ônibus-cela"
O governo do Rio Grande do Sul decretou estado de calamidade na última segunda-feira (22) e propôs um pacote de medidas de austeridade no funcionalismo público para tentar controlar as finanças. Os problemas do Estado, porém, vão além da economia, e um dos mais graves está na segurança pública.
A Polícia Militar gaúcha vive um cenário de caos, com aumento dos índices de criminalidade, falta de vagas no sistema prisional, déficit de policiais, sucateamento da frota e do material de trabalho e, principalmente, atraso de salários dos oficiais.
Atualmente, o Presídio Central de Porto Alegre, principal centro de detenção do Estado, abriga 4,6 mil presos, superlotação para um local projetado para 1,8 mil vagas. A falta de espaço para novos detentos tem provocado cenas constrangedoras para a polícia, que se vê obrigada a custodiar os criminosos dentro de viaturas.
Na última quinta-feira (24), a Avenida Ipiranga, uma das principais da cidade, precisou ficar parcialmente bloqueada em frente ao Palácio da Polícia, onde as prisões em flagrante são registradas. Não havia mais lugar na calçada para as viaturas que custodiavam os presos. Duas faixas da avenida foram utilizadas para manobrar os veículos. Os policiais militares que permaneciam ali, e que deveriam estar atendendo ocorrências e fazendo o policiamento ostensivo, estão de mãos atadas. Eles precisam aguardar com os presos até que surja um lugar no Presídio Central.
O governo tem tomado algumas medidas emergenciais, mas até agora não surtiram efeito. Depois que as viaturas começaram a se acumular em frente ao Palácio da Polícia, um micro-ônibus foi usado para custodiar os presos. A ideia durou três dias, até que um motim de seis detentos destruiu o coletivo diante de 20 policiais militares. Há ainda o plano de utilização de contêineres para a triagem dos presos. Porém, as celas provisórias devem operar apenas no fim de dezembro.
Agora, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) pretende usar um outro "ônibus-cela", esse antigo conhecido, com mais de 20 anos de uso e desativado em 2013, que servirá para a realização de triagem de detentos, reduzindo o número dos que aguardam vagas no sistema prisional em celas de delegacias e viaturas. O "Trovão Azul", como é conhecido, estava estacionado em Uruguaiana, na fronteira Oeste, e foi levado por um guincho à capital. Ele está sendo reformado tem espaço para cerca de 40 presos. Porém, ainda não há data para o início de sua operação.
Além de tudo isso, a 17 km de Porto Alegre existe um presídio novo, com capacidade para 2,8 mil presos, mas que abriga menos de 400. O motivo? A Penitenciária Estadual de Canoas apresenta problemas de infraestrutura (rede de esgoto) e não há, conforme a Susepe (Superintendência dos Serviços Penitenciários), agentes penitenciários suficientes para a abertura de mais vagas.
Efetivo enxuto e mal pago
A realocação de policiais de suas funções para a custódia de presos seria menos sentida se a Brigada não estivesse em ritmo de diminuição. “Pela legislação de 1997, deveríamos ter um efetivo de cerca de 37 mil homens. Dezenove anos depois, com todo esse aumento da população, temos menos de 16 mil policiais militares”, lamenta o presidente da Abamf (Associação dos Cabos e Soldados da Brigada), Leonel Lucas.
Em setembro, o governo anunciou a nomeação de mais 770 policiais militares. Outros brigadianos devem ingressar no quadro no ano que vem. Porém, esse número ainda é insuficiente, já que a quantidade de policiais que deixam as ruas anualmente é muito maior. Na BM, em 2015, 2099 policiais foram para a reserva. Em 2016 já são mais de 1730, segundo a Abamf.
Além da falta de efetivo, o parcelamento dos salários – já são nove parcelamentos apenas este ano – e a falta de perspectiva de atenuação da crise econômica do Estado afetam diretamente o trabalho dos servidores.
"O soldado está revoltado com os atrasos. Tu trabalha 30 dias e não sabe se vai receber. Muita gente pegou empréstimo em banco e está pagando juros. Estamos sem expectativa de ver as coisas arrumadas. E as dificuldades são muitas. Tem colega batendo na porta da associação pedindo ajuda para pagar luz, água, ganhar rancho", comenta Lucas.
Ao mesmo tempo em que a Polícia Militar opera além de seu limite, há uma crescente onda de criminalidade no Estado, especialmente na capital. Latrocínios e "morte por engano" são os casos que mais tiveram repercussão nos noticiários nos últimos tempos. Conforme a Secretaria de Segurança, os roubos seguidos de morte cresceram de 39 para 89 no primeiro semestre de 2016, comparado ao mesmo período de 2010. É um aumento de 128% em seis anos. Já em comparação com 2015, o acréscimo foi de 35%.
Outro tipo de crime que teve aumento importante foram os homicídios dolosos (quando há intenção de matar): de 879 para 1276, comparando os primeiros semestres de 2010 e 2016. Um aumento de 45%. Já no recorte 2015-2016, comparando os primeiros seis meses, os assassinatos cresceram 6%: de 1203 ocorrências para 1276 .
O que diz o governo
O governo do RS admite que a crise financeira pela qual passa o Estado é sem precedentes. E atribui esse descompasso à soma de más administrações anteriores que encerravam seus ciclos sempre com déficit em caixa.
Nessa semana, o governo Sartori apresentou um pacote de corte de gastos que foi protocolado na Assembleia Legislativa. Em relação à área de Segurança, as medidas, segundo o governo, servirão para modernizar a gestão da área. Conforme a pasta, o enxugamento da máquina começou na própria estrutura administrativa do órgão. A SSP possuía dez departamentos e 34 divisões. Atualmente, conta com cinco departamentos e 20 divisões. Essa reestruturação permitiu devolver à atividade-fim os servidores das estruturas extintas.
“As corporações receberam 46 policiais civis e militares que até então trabalhavam na secretaria. Dispensamos, também, 17 servidores civis. Um total de 63 servidores a menos, sem afetar os trabalhos a serem desenvolvidos”, afirma o secretário Cezar Schirmer.
Parte das medidas apresentadas tem o intuito de aumentar a permanência de policiais no serviço público, dando menos estímulo à aposentadoria. Assim, garante o secretário, é possível garantir um maior efetivo policial nas ruas, reduzir custos e gerar mais racionalidade e equidade no serviço público.
"Aquele Estado gastador e perdulário, de décadas atrás, não existe mais. Temos que melhorar a prestação de serviços e garantir segurança aos cidadãos e isso só será possível através de um processo de quebra de paradigmas, revisão de conceitos e implantação de mecanismos modernos de gestão", avalia Schirmer.
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