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Não há como ressocializar presos nas atuais condições, diz defensor geral do Amazonas

Policiais observam presos detidos na cadeia Vidal Pessoa, em Manaus - Divulgação - 6.jan.2017/Defensoria Pública do Amazonas
Policiais observam presos detidos na cadeia Vidal Pessoa, em Manaus Imagem: Divulgação - 6.jan.2017/Defensoria Pública do Amazonas

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

09/01/2017 18h10

Após o massacre de dezenas de presos no Amazonas, o defensor público geral do Estado, Rafael Barbosa, disse em entrevista ao UOL considerar que a chance de um preso se ressocializar nas atuais condições do sistema carcerário é “nenhuma”.

“Não podemos simplesmente segregar uma pessoa e achar que ela, com outros criminosos inclusive mais violentos, vai voltar para o meio social ressocializada”, afirmou.

Para Barbosa, mais que o sangrento conflito entre facções, a questão principal para a melhoria do sistema carcerário é a redução da superlotação e da quantidade de presos provisórios, com foco nos que cometeram crimes não violentos.

No sábado, quatro homens presos no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) --palco do massacre que deixou 56 detentos mortos-- por atraso de pensão alimentícia foram soltos em decisão judicial que atendeu pedido da Defensoria.

No cargo desde março de 2016, Barbosa disse que naquele momento só havia um defensor público responsável pela assessoria jurídica de presos e por verificar as condições de presídios no Estado. Desde dezembro, são dois. Agora, eles terão apoio de um grupo de 14 defensores para tentar diminuir o número de presos provisórios. Cinco já estão visitando os presídios desde sexta (6), segundo a Defensoria.

A seguir, leia os principais trechos da entrevista do defensor público ao UOL, concedida por telefone na tarde de sexta (6).

9.jan.2016 - O defensor público geral do Amazonas, Rafael Barbosa - Roberto Carlos/Secom-AM - Roberto Carlos/Secom-AM
O defensor público geral do Amazonas, Rafael Barbosa
Imagem: Roberto Carlos/Secom-AM

Desde o massacre no Compaj, muito se falou sobre o conflito de facções, que o governo teria recebido informações de que algo poderia acontecer por causa da convivência de presos de diferentes facções. Como a Defensoria estava acompanhando o assunto até o momento da rebelião?

A Defensoria fez um diagnóstico logo no início de 2015, mas não foi especificamente para a capital, foi para todo o Estado. O que detectamos como o maior problema não foi o fato de as facções estarem no mesmo presídio, porque isso não tem muito como remediar. É muito difícil de você imaginar que há a necessidade de construir um outro presídio para abrigar uma outra facção.

O que detectamos e comunicamos ao governo foi realmente a superlotação, e isso normalmente é por si só um foco de conflito. Não havia nenhuma informação para a Defensoria de que havia um problema de duas facções estarem se jurando ou prometendo esse tipo de conflito. O que a gente realmente atua com mais ênfase é nos presos provisórios e na superlotação.

A superlotação e o excesso de presos provisórios são problemas que estão ligados. Como é feita a comunicação desses problemas para o governo e que resposta a Defensoria tem tido?

O que a gente tem conseguido do governo é apoio para ingressar nos presídios e fazer o atendimento. Tem presos provisórios que já deveriam ter saído. Nossa ideia é fazer mutirões para colocar esse pessoal em liberdade e evitar o encarceramento. A Defensoria não está defendendo que a pessoa não tem que cumprir a pena, mas que a prisão aconteça realmente nos casos muito graves ou para os condenados em definitivo, e não para deixar na prisão aqueles presos que cometeram crimes de menor potencial, que não tenham violência ou grave ameaça. Só que isso é um trabalho muito feito com o Judiciário, e não com o Executivo.

Essas informações do Executivo, de superlotação, nós não recebemos resposta. O que o governo diz é que não tem como fazer. Teria que ter recurso, construção de presídios, melhorar a estrutura, mas que em um momento de crise, fica muito complicado.

O Brasil não tem pena de morte, não tem pena eterna. Esse preso vai voltar para a sociedade. E quando ele volta, volta pior do que ele entrou."

Desde que houve a rebelião no Compaj, como está sendo a atuação da Defensoria?

Vamos criar uma central de atendimento das famílias para prestar atendimento jurídico e psicossocial, além de representar essas famílias na busca pela indenização do Estado.

Nossa ideia também é fazer um mapeamento dos presos e apresentar algumas medidas para evitar esse tipo de coisa. Criamos um grupo de 14 membros que vão atuar de forma periódica em todos os presídios, principalmente com os presos provisórios, para tentar colocar em liberdade quem tem direito à liberdade e diminuir a população de presos provisórios.

A intenção da Defensoria com esse mapeamento é entender a questão das facções e evitar conflitos?

Não só isso. Quando a gente faz esse mapeamento, a gente consegue entender qual o perfil do preso definitivo, o crime que é mais cometido. A ideia de fazer o mapeamento é conseguir entender onde está a criminalidade no Estado. Se o preso tiver alguma ligação com facção, dá para detectar onde nós estamos, se existe realmente uma guerra declarada.

A competição que o Estado está travando com o crime organizado é totalmente vencida, porque ele não vai conseguir competir se não tiver atrativos como o crime."

Como a Defensoria pensa em lidar com a questão do conflito de facções especificamente?

Isso também funciona como um ponto de análise, mas não pode ser o único. Estamos preocupados com isso, mas não queremos direcionar. A ideia da Defensoria não é usar esse argumento como uma cortina de fumaça. O problema é muito maior do que isso. Tem essa guerra de facções? Tem. Existe essa disputa de poder pelo tráfico? Existe. Mas qual é o nosso pensamento? Mesmo isso existindo ou não, as condições dos presídios brasileiros não estão nem perto daquilo que a lei, a Constituição determina. O problema é muito maior do que dizer que é uma guerra de facções. Hoje a gente percebe que a Lei de Execuções Penais [que define os direitos dos presos e a aplicação de penas] é completamente descumprida e a pena não desempenha sua função.

No momento, como o senhor vê a possibilidade de ressocialização de uma pessoa detida nas condições que o senhor está descrevendo?

Nenhuma. Essa que é a verdade. É isso que a gente tem que entender. Construir mais presídios, ampliar os presídios, segregar mais gente, isso não vai resolver o problema. O problema é muito mais profundo por causa disso. Então, se você não tem presídios em condições de recuperar o preso, o que você está fazendo é criando ou aumentando ainda mais a criminalidade. O Brasil não tem pena de morte, não tem pena eterna. Esse preso vai voltar para sociedade. E quando ele volta, ele volta pior do que ele entrou. Se nós não começarmos a imaginar uma pena que consiga ressocializar --porque ela foi concebida com essa proposta-- com toda a certeza a criminalidade não vai diminuir, os presídios vão continuar cada vez mais superlotados, e o problema, em vez de reduzir, vai se agravar cada vez mais.

A educação de direitos evita o crime. A pessoa que recebe educação, que tem oportunidade, não se envereda pro crime. Esse é um papel que o Estado tem que ocupar, porque a competição que ele está travando com o crime organizado é totalmente vencida, ele está derrotado, porque não vai conseguir competir se não tiver atrativos como tem o crime. O crime oferece muita coisa. Se não tiver essa mudança, vai ser muito difícil resolver o problema criminal.