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Investigado por negociar votos, ex-subsecretário da Justiça teve 3 encontros com líderes da FDN

O ex-subsecretário de Justiça e Cidadania do Amazonas Carliomar Brandão  - Reprodução/TV
O ex-subsecretário de Justiça e Cidadania do Amazonas Carliomar Brandão Imagem: Reprodução/TV

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

13/01/2017 04h00

Líderes da facção FDN (Família do Norte) e o policial militar Carliomar Barros Brandão se encontraram ao menos três vezes às vésperas do primeiro turno das eleições de 2014, quando o governador do Amazonas, José Melo (Pros), buscava a reeleição. A informação consta em documentos obtidos pelo UOL. Melo foi reeleito em meio a suspeitas de que ele tenha feito acordo com a facção em troca de votos. À época da pleito, Brandão era subsecretário de Justiça e Cidadania do governo comandado por Melo. 

Brandão, que é major da PM, foi flagrado em áudios revelados em 2014 que mostravam a principal liderança da FDN, José Roberto Fernandes Barbosa, prometendo ao menos 100 mil votos para a reeleição de Melo. O militar nega que tenha negociado votos com a FDN. A defesa de Melo, por sua vez, diz que a suposição de que o governo tenha pedido votos à facção é “fantasiosa”. Brandão foi alvo de uma investigação conduzida pela Polícia Federal, mas o UOL apurou que o caso está sob sigilo. 

Nos dias 19 e 20 de outubro de 2014, às vésperas do segundo turno das eleições ao governo do Amazonas, a revista "Veja" e o jornal “Folha de São Paulo” divulgaram áudios em que Brandão conversa com Barbosa.

No diálogo, Barbosa anuncia que a facção apoiaria Melo e diz que a FDN poderia dar até 100 mil votos ao então candidato. Em troca, ele pede que a facção não seja prejudicada pelo governo. Brandão responde e promete que a facção não seria incomodada.

“Vamos apoiar o Melo, entendeu... a cadeia...vamos votar minha família toda lá da rua, entendeu? [...] A gente quer dar um alô, que ele não venha prejudicar nós [sic] ... e nem mexer com nós [...]”, diz Barbosa. Brandão, então responde. “Ele não vai, não”, diz.

Em outro trecho, Barbosa faz a promessa de 100 mil votos para Melo. “Eu acho que de voto ele vai ter de nós [sic] 100 mil votos, tô te falando”, diz o líder da facção. “Então pra próxima vocês vão ajudar, né?”, diz Brandão. No dia 20 de outubro, o militar foi exonerado.

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O governador do Amazonas, José Melo (Pros)
Imagem: Antônio Menezes/A Crítica - 11.jan.2015

Relatórios emitidos pela direção do Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus, aos quais o UOL teve acesso, mostram que Brandão se reuniu com Barbosa nos dias 18 e 20 de setembro, e no dia 3 de outubro, a dois dias da realização do primeiro turno das eleições.

No primeiro encontro, Brandão se encontrou com Barbosa e outro líder da facção, Francisco Álvaro Pereira, conhecido como “Bicho do Mato”.

No segundo, o major se reuniu com Barbosa, Pereira e outro detento, Wellison Rosemberg Rodrigues dos Santos.  O terceiro foi com Barbosa, Pereira, Alan de Souza Castimário e Cleibe Gonzaga, todos importantes membros da FDN.

Os relatórios não indicam o assunto debatido durante os encontros entre Brandão e os líderes da facção.

Mandato foi cassado, e governador recorreu

As gravações em que Brandão conversa com líderes da FDN fazem parte de um processo que investiga o uso das forças de segurança do Estado pelo então governador para garantir a sua reeleição em 2014.

O processo, no qual Brandão aparece como testemunha, tramita no TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas).

Em abril de 2015, Brandão foi alvo de um mandado de condução coercitiva expedido pela Justiça Eleitoral e cumprido pela Polícia Federal. Ele prestou depoimento e depois foi liberado.

Em janeiro de 2016, o TRE-AM cassou o mandato de José Melo por compra de votos. Melo recorreu da sentença e continua no governo enquanto o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não aprecia o caso.

PF diz que não há indícios de que áudio foi fraudado

Uma das teses levantadas por Brandão logo após a divulgação dos áudios foi a de que as gravações teriam sido adulteradas.

Segundo Brandão, as conversas com líderes da facção não eram para negociar votos, mas para evitar a ocorrência de rebeliões nos presídios. 

Um laudo pericial sobre as gravações feito pela Polícia Federal em 2016 e entregue à Justiça Eleitoral diz, no entanto, que não há indicações de que o áudio tenha sido alvo de adulterações.

“Foram identificados alguns cortes nas mídias [...] sendo que em nenhum deles ficou caracterizada intenção fraudulenta”, diz um trecho do laudo.

Acusações são fantasiosas, diz advogado

À reportagem do UOL, o advogado de defesa de José Melo no processo que investiga o uso das forças de segurança em favor de sua campanha à reeleição, Yuri Dantas, disse que as acusações de que o governo tenha negociado votos com a FDN são “fantasiosas”.

“Em nenhum momento houve qualquer solicitação para que se tentasse um acordo com essa facção em troca de votos. Essas acusações são fantasiosas e estamos respondendo a isso dentro do processo”, afirmou.

Por telefone, Carliomar Brandão disse que todas as explicações sobre o caso já foram dadas tanto à Justiça Eleitoral quanto à PF. “A minha função era visitar os presídios. Diuturnamente eu estava em todos os presídios de Manaus. Meus depoimentos estão na Justiça Federal, Eleitoral e no Ministério Público Estadual. Eu já dei todas as explicações”, disse Brandão antes de desligar o telefone.

As relações entre agentes públicos do Amazonas e a FDN ganharam destaque após o massacre de 60 presos ocorrido nos dias 1º e 2 de janeiro deste ano. As mortes, segundo investigações preliminares, teriam sido comandadas por líderes da FDN, apontada como terceira maior facção criminosa do país.

Na última terça-feira (10), o governo do Amazonas afastou o então diretor-interino do Compaj, presídio onde 56 presos foram mortos José Carvalho após a publicação de cartas de dois detentos. Nas cartas, os detentos, que também morreram no massacre, afirmavam que Carvalho receberia dinheiro da FDN para facilitar a entrada de drogas, armas e telefones celulares no Compaj.

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