Guerra de facções em Alcaçuz é por força, filiações e dinheiro
Na versão difundida, a disputa dentro da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, na Grande Natal, é para que integrantes de apenas um dos grupos rivais --PCC (Primeiro Comando da Capital) ou Sindicato do RN-- fique no local. A solução para esse problema é apresentada como única chance de paz no local.
Apesar de haver alguma verdade nisso, já que a disputa deixa mortos dos dois lados, o UOL apurou que há mais interesses envolvidos além de o de poupar vidas nessa disputa.
A guerra declarada tem motivações que envolvem demonstração de força junto ao Estado, a chance de aumentar o número de filiados e, por consequência, reforçar o caixa --já que ambas cobram mensalidades dos membros. Por isso, nenhum dos lados aceita sair do local --e deixaram claro isso ao governo.
Em meio ao fogo cruzado e para evitar uma nova barbárie, na quarta-feira (18) o governo do Estado transferiu 220 presos do Sindicato do RN de Alcaçuz para outras duas cadeias em Natal. A ação gerou uma série de ataques nas ruas em retaliação, causando 32 atentados a ônibus, carros e delegacias.
Em vez de acalmar, a medida do governo acirrou os ânimos dentro de Alcaçuz. No dia seguinte (19) à transferência, uma batalha campal foi vista com o ataque de membros do Sindicato a integrantes do PCC no pavilhão 5 --com o saldo de ao menos três mortes. Uma faixa foi erguida para que a imprensa pudesse avistá-la: nela, pediam a saída do PCC e diziam que o Sindicato ainda estava forte no presídio.
Segundo apurou o UOL, mesmo com a saída de 220 detentos, o Sindicato tem --entre membros e "aliados"-- cerca de 500 filiados em Alcaçuz. Nessa contabilidade extraoficial, o exército do PCC totaliza 500 irmãos.
Segundo o governo, a decisão de retirar integrantes do Sindicato foi tomada por questões logísticas --como o Sindicato tem domínio da região, não haveria como garantir a segurança de detentos do PCC.
Aumentar o exército
A mulher de um preso ligado ao Sindicato do RN contou ao UOL que o discurso de paz no presídio tira a atenção do principal objetivo da disputa: dominar a maior penitenciária do Estado destinada a presos condenados. Alcaçuz é o melhor campo de recrutamento para novos integrantes.
“Se aí ficar só PCC, vai pegar tudo que é preso novo para eles, crescer e controlar mais coisa fora também. O Sindicato não aceita por isso”, contou a dona de casa.
Ou seja, o controle de Alcaçuz também representa mais dinheiro em caixa. Além das mensalidades exigidas dos integrantes, os condenados da capital potiguar também têm, em tese, maior poder aquisitivo.
Essa versão é confirmada por advogados de integrantes dos dois grupos. Um deles, que pede para não ser identificado, explica o porquê da guerra. “Quanto mais eles crescem em número, mais controlam presídios e mostram força também. Isso faz toda diferença numa guerra, não só para eles, mas também para mostrar à sociedade e ao governo. Por isso, a disputa por Alcaçuz”, afirma.
"Isso aí só termina se ou uma ou outra facção sair. Já foi tirada metade da população do Sindicato RN. Para quê? Por que não tiraram todo mundo? E deixaram só uma facção e deixaram uma parte aí para se matar? Poderiam ter evitado a matança”, conta um integrante do Sindicato do RN que estava em Alcaçuz até outubro de 2016 e, hoje, usa tornozeleira eletrônica e está solto.
O governo afirma que não negocia com nenhuma facção. "São facções extremamente violentas, e não há negociação. Inclusive fui ameaçado por ambas”, disse o governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD).
Evangélicos morreram primeiro
Desde 2015, quando uma série de rebeliões ocorreu em todo o Estado, o presídio não tem mais celas em quatro dos cinco pavilhões. Os presos transitam livremente no espaço dentro dos muros, onde agentes e polícia não entram desde então. Foi naquela época que começou o acirramento da tensão entre as facções pelo controle do presídio que culminou, no dia 14, com o ataque contra o Sindicato do RN e o massacre de 26 presos.
Naquela tarde de sábado, após as visitas deixarem o local, os cerca de 500 presos do pavilhão 5, dominado pelo PCC, conseguiram sair --em circunstâncias ainda não esclarecidas-- do local e invadiram o pavilhão 4, onde havia cerca de 150 detentos.
Em maior número, os presos do PCC promoveram uma chacina de 26 pessoas. Segundo o UOL apurou, alguns dos assassinados eram da chamada “massa”, ou seja, não pertenciam a nenhum dos grupos. Apesar de “neutros”, o PCC os atacou.
Relatos ouvidos pelo UOL apontam que evangélicos foram as primeiras vítimas do massacre do dia 14. Um pequeno grupo teria optado por não tentar fugir --eles se ajoelharam com suas bíblias em mãos, pedindo salvação. A atitude não sensibilizou, e eles foram mortos. Por não fazerem parte de nenhuma facção, não foram decapitados ou tiveram partes dos corpos arrancadas.
Haveria uma lógica por trás dos ataques: demonstrar força para os neutros e, assim, convencê-los a tomar partido nas próximas disputas. A estratégia, no entanto, não é garantida uma vez que o Sindicato tem maioria no presídio e no Estado. "Eles têm que se aliar a quem é aqui do Estado e pode proteger eles", afirma o integrante do Sindicato do RN.
O preso diz ainda que não há mais como o Estado controlar Alcaçuz porque não há mais celas ou mesmo portas nos pavilhões. Livres, os apenados apenas são controlados quando o Batalhão de Choque da PM entra com um veículo blindado. No entanto, a presença dos policiais não é permanente.
Barbaridade filmada
A guerra entre as facções atingiu nível de barbaridade tamanho que as autoridades temem não saber precisamente o número de mortos por conta do estado dos corpos.
Exemplo disso é um vídeo, feito pelo Sindicato, que traz cenas de detentos retirando carne de um cadáver e colocando-a em um espeto para assar. “Churrasquinho de PCC”, diz um deles, sem se preocupar sequer em cobrir o rosto. Há outros vídeos com decapitações e detentos “brincando” com partes de corpos humanos.
Na sexta-feira (20), a situação melhorou na cidade. Uma ordem do Sindicato do RN teria sido divulgada, determinando pausa nos ataques. Nessa mesma data, homens da Forças Armadas começaram a patrulhar os bairros de Natal. Não houve mais atentados desde então.
Segundo representantes das facções, a ideia é esperar as novas decisões do governo, que parece está emparedado pelos grupos e sem cartas na manga para resolver o caos prisional.
No sábado (21), foi erguido um muro de contêineres em Alcaçuz para evitar o contato físico entre os presos das facções rivais --um ato que pode dificultar os confrontos, mas não devolve o controle da situação ao Estado.
"[Os presos] vão continuar [no controle] como já era antes. Retomar o controle depende de reforma estrutural e arquitetônica. Enquanto não houver celas, seria ingênuo afirmar que vamos desarmar, tirar as bandeiras [das facções]. A Sejuc [Secretaria de Justiça e Cidadania] perdeu o controle da unidade, e estamos atuando para garantir a segurança e a lei. E o primeiro passo é esse: estamos criando uma barreira física, buscando preservar vidas", disse, no sábado, o comandante da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, coronel André Azevedo.
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