Prefeitura vai custear remoção de tatuagem de jovem e 'vaquinha' ficará com família
A campanha para retirar tatuagem feita na testa de um adolescente de 17 anos se encerrou no domingo (11) e conseguiu arrecadar R$ 19.882,66. Retiradas as taxas do site, desse valor, R$ 18.403,17 devem ir para a família do jovem, que mora em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Isso porque o garoto recebeu várias ofertas de clínicas e estúdios de tatuagem para realizar o procedimento de graça. Dois homens foram presos após tatuar a frase “Eu sou ladrão e vacilão” na testa do rapaz.
Apesar das ofertas de clínicas privadas, a Prefeitura de São Bernardo do Campo se comprometeu e vai realizar todo o procedimento médico e cirúrgico por meio de uma parceria com a Faculdade de Medicina do ABC. Não há uma previsão de quanto tempo levará para que a tatuagem seja toda removida, mas segundo o dermatologista e chefe do setor de laserterapia da Faculdade, Simão Cohen, em geral são necessárias de oito a 10 sessões de laser, feitas a cada 30 dias.
Além de bancar o procedimento estético, a Prefeitura também se compromete a custear todo o restante do tratamento, caso haja necessidade do uso de medicamentos. Em clínicas particulares, um bom procedimento de remoção de tatuagem pode ser feito a partir de R$ 6.000.
“Tem muita gente mandando mensagem, clínicas, estúdios de tatuagem, dermatologistas se colocando à disposição para fazer o procedimento de graça, não só daqui de São Paulo, mas de outros Estados do Brasil”, contou um dos integrantes do coletivo Afroguerrilha, responsável pela vaquinha, que pediu para não ser identificado. O coletivo também se ofereceu para, com o valor, comprar uma nova bicicleta para Ademilson de Oliveira, 31. O adolescente foi acusado de tentar furtar o veículo no bairro onde mora.
Ele afirmou que o coletivo recebeu muitas mensagens de ódio e até ameaças por causa da campanha. “Logo depois que anunciamos a campanha, eu fui dormir. Acordei logo cedo no domingo e havia mais de 800 mensagens, 90% delas de ódio, que aumentaram muito mais ao longo do dia. Eu sabia que haveria uma recepção negativa, mas quando ontem publicamos o resultado na página do coletivo [no Facebook] houve também muitas mensagens positivas, pessoas querendo ajudar. Vimos que é possível reverter esse discurso”, afirmou.
Segundo ele, que é vizinho da família, o valor poderá ser sacado daqui a 14 dias, segundo as regras do site. O dinheiro virá em boa hora para a família, que está para ser despejada da casa de dois cômodos com tijolos aparentes onde vive, no bairro dos Casa, em São Bernardo do Campo. O garoto vive com a avó e um tio.
“A família está passando por muita necessidade. Quando começamos a campanha, eu não estava nem a par da situação deles, de que correm o risco de serem despejados. Soube quando houve uma visita da conselheira tutelar”, disse.
O advogado Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Condepe-SP (Conselho Estadual de Direitos Humanos), órgão da Secretaria Estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania, que também esteve na casa da família, contou que o terreno onde o menino vive faz parte de um inventário de família e que é provável que dentro de um mês eles não tenham para onde ir.
“Estive ontem na casa dele. É uma família pobre, bastante vulnerável. O Conselho Tutelar está acompanhando o caso. A questão não se resume apenas à remoção da tatuagem do garoto, precisa ter um atendimento social, psicológico. É uma questão de saúde, ele é usuário de drogas, alcoólatra. Também tem essa preocupação.”
Ariel de Castro Alves, coordenador do Condepe-SP
O caso
O adolescente teve a frase “Eu sou ladrão e vacilão” tatuada na testa no último dia 31 pelo tatuador Maycon Wesley Carvalho dos Reis, 27, e pelo amigo dele, Ronildo Moreira de Araújo, 29, após ser acusado de tentar furtar uma bicicleta. A tortura aconteceu em um quarto de pensão que havia sido alugado por Maycon.
Em entrevista à "Folha de S. Paulo", o rapaz negou ter tentado furtar a bicicleta, disse que estava muito bêbado quando entrou no condomínio e que só "colocou a mão em uma bicicleta". Ele disse ter implorado para não ser marcado e que quis morrer depois, estava muito envergonhado.
O adolescente estava desaparecido desde o dia 31 e só foi encontrado na última sexta (10). Seu tio Vando Aparecido Rocha, 33, contou ter começado a chorar quando o viu. A mãe do adolescente, Vânia Aparecida Rosa da Rocha, 34, disse estar inconformada com o que aconteceu. "Estou arrasada. Meu filho não é boi para ser marcado desse jeito."
O dono da bicicleta é Ademilson de Oliveira, 31. Ele contou ao UOL que o veículo em questão estava quebrado. “Ela está com o pedal quebrado. Tinha um motorzinho, mas eu tirei. Deixei ela no cantinho porque queria consertar depois. Se alguém fosse roubar a bicicleta, não ia conseguir nem R$ 5 nela”, disse.
Oliveira disse que se mudou para a pensão há três meses e que conhecia de vista o tatuador Maycon e o vizinho Ronildo. “Sei que ele [Maycon] toca em uns barzinhos que tem aqui perto. Eu estou arrasado mesmo com o que aconteceu. Não estou conseguindo nem comer, nem dormir direito. Minha vontade é jogar a bicicleta fora”, disse.
Segundo ele, no momento em que o fato aconteceu, ele estava no hospital fazendo uma cirurgia no olho.
O adolescente confirmou ser usuário de drogas. Familiares e amigos disseram que o rapaz tem transtornos mentais.
“Conheço ele desde criança. Eu não era muito próximo, mas minha família era, porque mora na mesma rua que a família dele, eu moro em outra. Mas sempre o via na pista de skate do bairro tentando se enturmar com os meninos. Dava para perceber que ele tinha problemas, tinha dia que ele ficava muito agitado”, contou o integrante do Afroguerrilha.
O UOL tentou contato com o tio e a mãe do menino, além do advogado que está cuidando do caso, Leonardo Rodrigues, mas não teve sucesso.
Acusados estão no Centro de Detenção Provisória
Maycon e Ronildo estão presos preventivamente no CDP (Centro de Detenção Provisória) de São Paulo. Eles são acusados de prática de tortura, cuja pena pode ir de dois a oito anos de prisão.
Mas, segundo Ariel de Castro Alves, além da tortura, eles também poderão responder por cárcere privado, ameaça e submeter criança ou adolescente a vexame ou constrangimento –conforme prevê o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Somadas, as penas podem chegar a 13 anos de prisão.
“Eles amarraram as mãos e os pés do menino e o levaram contra sua vontade para dentro do quarto da pensão. Isso configura cárcere privado. Depois de tudo, o ameaçaram, deram tapas nele e o expuseram na rua, inclusive, cortaram parte do cabelo que estava tapando a tatuagem”, explicou.
Ainda segundo Alves, como o crime de tortura é considerado hediondo, eles devem ficar no CDP até sair a condenação. “É provável que deem entrada com um pedido de liberdade provisória, mas segundo vários entendimentos judiciais é difícil que consigam”, afirmou.
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