Alvo de 6 tiros, escola de música "foge" do Jacarezinho: "pedem para que a gente não desista"
Dias depois de completar quatro anos de existência na conflituosa comunidade do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, o projeto Rio de Música, que ensina moradores do lugar a tocar instrumentos, teve que suspender as atividades e mudar de endereço por causa da violência.
A sede da escola fica na localidade conhecida como Garganta do Diabo, na entrada da favela, e sofre com os constantes confrontos entre policiais militares e traficantes. Por ao menos dez dias, a comunidade viveu uma verdadeira guerra, que deixou sete mortos, entre eles, moradores e um policial.
Desde a inauguração da sede do projeto, em 2016, o lugar foi atingido seis vezes por disparos de arma de fogo. A última ocorreu em 3 de julho, dois dias depois da festa de aniversário do projeto, e um livro ficou com as marcas dos tiros (foto). As aulas voltaram nesta quarta-feira (23), porém em outro endereço, em Manguinhos, próximo, porém fora da comunidade.
O projeto é um dos braços da ONG Rio de Paz, que promove ações sociais na favela. Cerca de 70 alunos, com idades entre seis e 60 anos, aprendem canto, teoria musical e a tocar instrumentos.
"Estão pedindo para que a gente não desista"
Segundo Bruno Aguilar, professor de música e coordenador do Rio de Música, depois da última ocorrência em que a escola foi atingida, ele resolveu dar uns dias de férias e programou o retorno das atividades para 10 de julho. No entanto, com a ocorrência dos frequentes tiroteios na comunidade, as aulas foram interrompidas por mais tempo que o previsto.
"Procuramos um local perto para conseguir continuar dando aulas para eles, que adoram, e estão pedindo para que a gente não desista. Sempre que entram projetos [no Jacarezinho] eles acabam por causa de política ou violência. Nossa escola é uma casa de acolhimento para os alunos, que, às vezes, vivem em um núcleo conturbado e lá para eles é um alívio", contou Aguilar um dia antes de conseguirem um local provisório para continuar as aulas.
Os problemas com a violência começaram logo após a inauguração das duas salas da Rio de Música em 2016 --antes, o projeto funcionava na sede da Rio de Paz, que está no Jacarezinho desde 2007. Dois dias depois, todos os vidros da fachada do imóvel foram atingidos, mas ninguém ficou ferido.
“Tem dois anos que temos esses problemas. Ano passado ficamos seis meses na Biblioteca Parque de Manguinhos, mas ela fechou no início do ano e voltamos para cá. Devemos alugar um espaço perto da comunidade enquanto essa guerra permanecer. Isso pode durar anos”, desabafou o professor de música.
O Rio de Música se mantém com doações, boa parte delas vindas de músicos cariocas. Atualmente, três professores ministram as aulas.
“Aqui nós temos patrocínio, o apoio está entrando, esse não é o problema. Nossos professores são renomados, que tocam com grandes músicos”, explicou Aguilar.
Os frutos da escola são alunos dedicados e que sonham em viver da música, mas longe da comunidade, como o caso de Maria (nome fictício), de 19 anos. A jovem, que não trabalha e cursa o ensino médio, preferiu não se identificar. Ela falou sobre as aulas no Rio de Música.
“Faço violão, teclado, pandeiro e canto. Estou lá há um ano e meio. Estou sentindo falta das aulas e, se a escola fechar, vou ficar triste”, disse a estudante.
Maria tem no violão, seu instrumento favorito. A primeira música que aprendeu a tocar inteira grudou na cabeça dos jovens em 2016 e viralizou.
“A primeira que consegui tocar inteira é ‘Trem Bala’, da Ana Vilela. Eu adoro essa música porque fala da relação da mãe com os filhos”, afirmou a jovem, que sonha em morar na Bahia ou nos Estados Unidos.
“Eu tenho medo e sinto muita vontade de sair daqui.”
Outras escolas
Desde que o atirador de elite da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) da Polícia Civil, Bruno Guimarães Buhler, foi morto no Jacarezinho, no último dia 11, tiroteios se intensificaram com incursões diárias da polícia. Em dez dias de confrontos, sete pessoas morreram.
Na segunda-feira (21), uma operação mobilizou mais de 6.000 homens --5.000 militares das Forças Armadas e policiais do Estado e federais-- em sete comunidades da zona norte do Rio. Por conta dos tiroteios que ocorreram com a incursão, 26.975 alunos de escolas municipais e estaduais ficaram sem aulas, número recorde no ano.
Na ocasião, o secretário municipal de Educação, César Benjamin, anunciou o fechamento por tempo indeterminado de 15 unidades --entre escolas, creches e Espaços de Desenvolvimento infantil-- no Jacarezinho, deixando cerca de 6.200 alunos sem aulas. A medida foi revista, de acordo com a pasta, e nesta quarta-feira (23) 14 unidades reabriram.
De acordo com o órgão, Benjamim conversou com o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, Roberto Sá, que informou que o ciclo de grandes operações na área do Jacarezinho e de Manguinhos está encerrado. A pasta informou que fará um monitoramento na região para verificar as condições e averiguar se há necessidade de suspender as atividades das unidades.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.