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Rio: menos de 1% do dinheiro da Segurança vai para investimentos na área

26.set.2017 - Militares das Forças Armadas realizam patrulhamento na Rocinha, favela da zona sul carioca - Wilton Junior/Estadão Conteúdo
26.set.2017 - Militares das Forças Armadas realizam patrulhamento na Rocinha, favela da zona sul carioca Imagem: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

19/10/2017 04h00

Em meio a uma grave crise fiscal e à escalada de violência enfrentada pelo Rio de Janeiro, o governo do Estado direcionou, no orçamento de Segurança Pública em 2017, para investimentos menos de 1% dos R$ 8,2 bilhões previstos, segundo dados do Portal da Transparência. A previsão de gastos com inteligência policial é de R$ 5.000.

O orçamento de Segurança Pública do Rio para este ano ficou 30% menor do que em 2016 (R$ 10,5 bilhões), quando recebeu um reforço de R$ 2,9 bilhões da União concedido às vésperas dos Jogos, para auxiliar nas despesas de segurança tendo em vista as Olimpíadas e Paralimpíadas e a situação já deficitária dos cofres fluminenses.

A maior parte dos recursos dedicados à área de segurança, que segundo o governo fluminense sofrem com contingenciamento em razão da crise, vai quase todo para os salários dos cerca de 60 mil agentes, aposentados e pensionistas --o Executivo tem priorizado o pagamento para as áreas de Segurança e Educação, deixando em atraso servidores e inativos de outros segmentos. Apesar disso, os agentes de segurança ainda não tiveram quitados o 13º referente a 2016 e horas extras.

O resultado disso é que sobra pouco para investimentos em segurança, segundo destacam especialistas da área ouvidos pela reportagem do UOL.

O Rio de Janeiro surge na lanterninha do ranking de gastos com informação e inteligência policial no país. Em 2015, dado mais recente do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Estado fluminense destacou R$ 21.641,15 para a área, 55% a menos que o penúltimo colocado, o Tocantins.

Neste ano, até agora, foram gastos na área pouco mais de R$ 2.000, definidos como “diárias - civil - no país”. Em 2016, o orçamento previa R$ 10 mil para inteligência e informação, mas nenhuma verba foi destinada à área.

Não que o orçamento fluminense de segurança seja pequeno. O Rio é o segundo Estado em gastos com segurança pública no país, segundo o Fórum, atrás apenas de São Paulo que, em 2017, prevê investir R$ 366,3 mil em inteligência policial. Neste ano, o orçamento paulista de Segurança soma R$ 12,5 bilhões.

A Secretaria de Segurança do Rio tem a segunda maior verba entre as secretarias do Estado, atrás apenas da pasta de Fazenda, com R$ 26,5 bilhões previstos. Corre na Assembleia Legislativa um projeto de lei enviado pelo governo para aumentar os recursos destinados à segurança com parte das verbas dos royalties do petróleo.

Custeio e salários: 98% da verba de Segurança

A pesquisadora do Instituto Igarapé Tania Pinc chama atenção para a necessidade de avaliar a eficiência dos gastos com segurança pública. Segundo ela, os Estados, no geral, evitam avaliar os impactos reais dos gastos na área.

Gastar mais e muito não significa necessariamente solucionar os problemas de segurança pública, nem tampouco de qualquer outra área social. Ainda falta no Brasil uma tradição de avaliar o impacto de políticas públicas.

Tania Pinc, pesquisadora do Instituto Igarapé

Neste ano, cerca de 89% da verba para Segurança está destinada a "pessoal e encargos sociais" (vencimentos de servidores ativos, inativos e pensionistas), segundo dados do Portal de Transparência do Estado, enquanto 9% (R$ 815 mil) do orçamento é destinada a custeio. Em razão da redução dos recursos --a pasta hoje dispõe de 70% do orçamento do ano passado--, foram cortados todos os gastos não obrigatórios.

Os altos gastos com pessoal, diz o sociólogo e pesquisador do Núcleo de Análise de Violência da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Ignácio Cano, não são exclusividade do Rio, mas tornam ainda mais complicados os esforços para a implementação real de um plano de segurança a longo prazo.

“O Estado fica sem recursos para investir em mais nada”, diz Cano.

Para o ex-comandante da PM no Rio Ibis Pereira, a questão vai além do dinheiro disponível. Ele lembra que, em 2014, quando estava à frente da corporação, a situação era semelhante e diz que, sem planejamento, não há como avançar.

Não é só colocar dinheiro, tem que saber para onde ele vai, pensar o longo prazo.

Ibis Pereira, ex-comandante da PM do RJ

Secretaria cita ações sem custos aos cofres

Em 2017, há previsão de gastos de R$ 74 milhões sob a rubrica investimentos; apenas R$ 1.239.095,45 já foram pagos ou destinados a algum setor específico. Os gastos incluem R$ 500 mil separados para a “manutenção de bens imóveis” do Fundo Especial da Polícia Militar; R$ 459 mil referentes ao pagamento de “auxílio financeiro a pesquisadores” em outras gestões e R$ 692 em “aparelhos e utensílios médico-odontológicos” atribuídos à Polícia Civil, entre outros.

Questionada sobre o orçamento destinado às áreas de investimentos e inteligência, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança disse que o governo trabalha para adaptar as necessidades da pasta frente à diminuição de recursos em função da crise e aguarda a aprovação do projeto que prevê destinar parte das verbas dos royalties do petróleo à Segurança.

A secretaria também informou que não seria possível comentar valores, mas que há diversas ações de inteligência sem custos aos cofres públicos. Entre elas, a pasta citou o chamado Grupo Integrado de Operações de Segurança Pública, composto por forças federais e polícias do Rio, sob a coordenação da secretaria. Os relatórios do grupo tem como objetivo "monitorar a criminalidade violenta no RJ e já permitiram a elucidação de crimes, identificação de criminosos, prisões e apreensões pelas polícias, que são as destinatárias das informações produzidas pelo grupo integrado".

A pasta citou ainda parceria com o Instituto Igarapé para criar um sistema capaz de localizar geograficamente as áreas com mais crimes e a capacitação de batalhões da PM para uso dessa ferramenta; a criação da Desarme (Delegacia Especializada em Armas), em janeiro, que combate o tráfico de armas; e a criação, na semana passada, do Grupo Integrado de Enfrentamento ao Roubo de Cargas.

Por conta do cenário econômico, o Plano Estratégico do Sistema de Segurança foi revisto para a escolha dos pontos prioritários. O trabalho de implantação dessas medidas é monitorado por toda a estrutura da Seseg, sob a coordenação da Assessoria de Projetos da pasta.

Secretaria de Segurança Pública, por meio de nota

Mortes x gastos com segurança

O Fórum compara o número de mortes em cada Estado frente ao gasto com segurança pública.

Em 2015, o Estado fluminense gastou R$ 525,10 por morador contra R$ 253,68 em São Paulo. Apesar de ter um gasto per capita maior do que São Paulo, o Rio aparece em 12º com uma taxa de 25,4 mortes para cada 100 mil habitantes no mesmo ano. Já São Paulo, em primeiro no ranking com a menor taxa de homicídio, registrou 8,9 mortos por 100 mil.

A diferença, dizem especialistas ouvidos pelo UOL, tem relação com escolhas referentes à forma como o dinheiro foi gasto --86% da verba de segurança pública de São Paulo em 2015 foi destinada a policiamento e 3% para a rubrica inteligência, enquanto no Rio esses valores foram, respectivamente, de 3% e 0,0001%-- e também à particularidade da criminalidade fluminense, em que se misturam controle armado de territórios com disputas entre facções e a polícia.

“Quando observamos a situação de criminalidade e violência no Rio de Janeiro, a tendência é dizer que os governos [federal, estadual e municipal] não têm sido eficientes. Embora aumentar os investimentos financeiros seja algo desejável, isso não significa que alcançaremos a solução para os problemas", pondera Tania.

Crise de segurança

Desde o mês passado, traficantes se enfrentam pelo controle da venda de drogas na região da Rocinha, na zona sul da capital fluminense. Por uma semana, quase mil homens das Forças Armadas e polícias fizeram um cerco à favela --parte do contingente de cerca de 10 mil militares que reforçam a segurança no Estado desde o fim de julho.

Em agosto, o governo do Rio decidiu reduzir em 30% o efetivo das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) como forma de aumentar o número de policiais nas ruas, movimento que foi considerado um recuo no programa implantado em 2008 para tentar retomar áreas dominadas pelo tráfico de drogas.

Pesquisa Datafolha mostra que, se pudessem, 72% dos moradores dizem que iriam embora do Rio por causa da violência. O desejo de deixar a cidade é majoritário em todas as regiões e faixas socioeconômicas --foram ouvidas 812 pessoas, e a margem de erro do levantamento é de quatro pontos percentuais, para mais ou para menos.

Nas últimas semanas, segundo o Datafolha, um terço dos moradores mudou sua rotina e presenciou algum disparo de arma de fogo. O levantamento revela que 67% das pessoas ouviram algum tiro recentemente.