Onde está a areia? Ressaca deixa praias famosas de Florianópolis embaixo d'água
Florianópolis tem praias de mar gelado e agitado, de águas mansas e quentes, cachoeiras escondidas por montanhas e trilhas pela mata atlântica. Mas a própria natureza pode prejudicar o turismo nesta temporada.
O fenômeno da ressaca do mar que perdura desde maio já afetou oito praias, reduzindo drasticamente a extensão da faixa de areia. A lista é composta por nomes bem conhecidos: Brava, Ingleses, Canasvieiras, Jurerê, Mole, Joaquina, Armação e Caldeirão.
Para dar uma ideia, no ano passado, a ressaca durou em torno de uma semana e, em 2010, quando a Defesa Civil registrou estragos, se prolongou apenas durante o mês de agosto.
O coordenador municipal da Defesa Civil, Luiz Eduardo Machado, disse que, analisando os últimos 40 anos de registros, não encontrou uma ressaca com tanta intensidade e durabilidade. "É algo inédito. Começou no final da primavera e ainda não parou", disse.
Muros destruídos em Ingleses
O fenômeno mudou a geografia da ilha. As águas avançaram com força, arrancando e contorcendo estruturas de concreto, derrubando construções e afetando a iluminação pública.
Segundo a Defesa Civil, durante duas madrugadas da semana passada, a ressaca causou danos no norte da ilha. Lá está situada a praia Brava, que ficou completamente submersa.
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Também no norte, Canasvieiras e Ingleses, redutos de argentinos e uruguaios que aquecem a economia, perderam boa parte da faixa de areia.
Em Ingleses, que recebe até 500 mil turistas por temporada, sobrou 30% da faixa de areia, segundo a Defesa Civil. Além disso, 60 imóveis à beira do mar, construídos sobre as dunas, foram atingidos pela maré e perderam os muros. O concreto virou lixo e foi parar dentro do mar. Agora, o poder público terá de atuar para recolher e descartar esse material.
A margem estreita que sobrou é ocupada durante as três marés baixas do dia, que oscilam e duram em torno de quatro horas.
Quando o mar sobe, os turistas levam suas cadeiras e guarda-sóis para a restinga, que é área de preservação permanente, ou migram para praias vizinhas. O mesmo ocorre com Jurerê Internacional, famosa internacionalmente pela badalação e pelas festas.
Segundo o secretário municipal de Turismo, Vinicius de Luca Filho, os turistas de Jurerê estão indo para Daniela (3,7 km de distância) ou para Cachoeira do Bom Jesus (a 15 km).
No leste, as praias Mole e Joaquina, que tinham uma faixa de areia de até 30 metros, vivem a mesma situação. Além disso, o Moendas, tradicional ponto de encontro dos turistas da Mole desde que foi inaugurado, em 1982, foi destruído pela força do mar.
No sul, as praias mais afetadas são Armação e o Caldeirão, no bairro Morro das Pedras.
Florianópolis recebeu quase R$ 1 milhão do governo federal
A fúria do mar fez com que a Prefeitura de Florianópolis decretasse estado de emergência. Publicada no "Diário Oficial" no dia 14 de setembro, a medida visou a solicitação de recursos do governo federal.
O município recebeu R$ 926 mil e trabalha com medidas paliativas, como o recolhimento dos entulhos e a reconstrução dos acessos, ações coordenadas pela Defesa Civil que se estenderão até o dia 15 de dezembro, no auge do veraneio.
Mas a ressaca permanece forte. Em Ingleses, a Defesa Civil nem consegue entrar para fazer a limpeza.
No Caldeirão, a rodovia Francisco Thomaz dos Santos (SC-406), principal acesso ao sul da ilha, estava com forte risco de desabamento pelo impacto das ondas, que subiram quatro metros. Então o Deinfra (Departamento Estadual de Infraestrutura) fez uma obra emergencial e construiu uma barreira de pedras.
No acostamento, uma adutora que abastece os bairros do sul e do leste de Florianópolis também estava ameaçada.
"A ressaca é uma força extrema"
Luca Filho, no entanto, diz acreditar que o turismo não será prejudicado. "Florianópolis tem atrativos além das praias."
O presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Florianópolis, Estanislau Bresolin, é da mesma opinião. "Não temos preocupação. Temos praias suficientes. Nosso turismo é consagrado e nossos hotéis são de alto gabarito. As reservas de hospedagem não estão sendo desmarcadas pelas notícias da ressaca."
O presidente da Embratur (Empresa Brasileira de Turismo), Vinícius Lummertz, disse que os índices são positivos, que o turismo em Santa Catarina cresceu 9% neste ano, que Florianópolis está entre os destinos mais procurados do Brasil e que só de argentinos e uruguaios deve receber 600 mil pessoas.
"A ressaca é uma força externa. Temos que acreditar que o mar irá recuar", disse ele.
Vendas preocupam: "Será que os turistas vão voltar?"
Muitos comerciantes, porém, estão bastante preocupados. Daniel Tadeu, 43, proprietário de um restaurante em Canasvieiras, abriu 20 dias depois do previsto porque estava em obras. O mar engoliu 2 m² do seu negócio, quebrou o piso e arrancou dois coqueiros.
Ele conta sentir que o comércio está fraco. "O ano passado foi ruim e temo que este ano seja pior, já que parte do nosso público está indo para outras praias. Mas os mais prejudicados, certamente, são os ambulantes", afirmou.
Um vendedor de roupas de praia, que não quis se identificar, contou que fixou seu cavalete em uma das entradas de Canasvieiras porque não pode mais circular pela praia. "Eu posso caminhar por dentro d´água, mas vai molhar a barra das roupas e sujar de sal e areia."
Carlos Alberto Costa, 60, nasceu nos Ingleses e nunca morou em outro bairro. Sua família é proprietária do tradicional restaurante Dunas, que existe há 40 anos. Ele afirma que a prefeitura não considera o impacto da ressaca no turismo porque as pessoas não deixarão de vir ao município, apenas escolherão outras praias.
"Não há dúvida de que o comércio nas praias atingidas vai despencar. Infelizmente, já estamos preparados. Mas também as vendas nas praias vizinhas irão aumentar. Então, vai ficar elas por elas. A questão é a longo prazo. Será que esses turistas que precisarão ficar se deslocando vão voltar nos próximos anos?"
Mudanças climáticas afetam marés
Três fenômenos sobrepostos explicam a ressaca extrema, explica Carlos Eduardo Salles de Araújo, oceanógrafo da Epagri/Ciram, central meteorológica de Santa Catarina.
São a maré astronômica, que é o resultado da influência dos astros, principalmente do sol e da lua; a maré meteorológica, com ventos no oceano, que podem contribuir para o empilhamento de água na costa; e as mudanças climáticas, que aceleram processos no oceano, como o ciclo das correntes, dos ventos e das ondas.
O especialista ainda explica que não há como prever quanto e quando o mar irá recuar, mas a tendência é que o processo seja lento.
O coordenador municipal da Defesa Civil, Luiz Eduardo Machado, salienta que também existe a alteração na dinâmica da praia. "Em praias urbanizadas, como Canasvieiras e Ingleses, onde antes era duna e restinga, agora está plano. O mar não tem mais de onde tirar areia para frear sua expansão", disse.
Jorge Luiz Genovês, 62, é aposentado e mora há 30 anos em Ingleses, e está surpreso com a devastação causada na cidade. "Não dá para dizer que essa ressaca é normal. Já vi muitas ressacas fortes, mas nenhuma como essa. Perdemos a nossa praia", disse.
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