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Armas ilegais entram pelo Uruguai e abastecem facções criminosas do Brasil

Polícia Civil do RS apreendeu em outubro um arsenal da facção criminosa "Os Manos" - Polícia Civil/Divulgação
Polícia Civil do RS apreendeu em outubro um arsenal da facção criminosa "Os Manos" Imagem: Polícia Civil/Divulgação

Flávio Costa e Leandro Prazeres

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

03/12/2017 04h00Atualizada em 06/12/2017 15h43

Por R$ 10 mil por mês, um estudante universitário da cidade de Santa Cruz do Sul --a 157 km de Porto Alegre-- guardava um arsenal em seu apartamento: 15 fuzis, 21 pistolas, dezenas de carregadores e milhares de cartuchos de calibres variados, descobertos por policiais civis em uma operação realizada no último dia 27 de outubro.

Quem lhe pagava para armazenar as armas era a facção "Os Manos", o mais antigo entre os grupos criminosos do Rio Grande do Sul e responsável por cavar o túnel de 50 metros até a Cadeia Pública de Porto Alegre, de onde seria realizada uma fuga em massa abortada em fevereiro.

"Foi a maior apreensão de fuzis da história do Estado", disse à imprensa local o chefe da Polícia Civil gaúcha, Emerson Wendt, que estimou em R$ 3 milhões o valor do armamento.

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Para policiais federais ouvidos pelo UOL, a descoberta do arsenal d'Os Manos na cidade de Santa Cruz do Sul não foi um mero acaso.

"Todo esse armamento entrou pelo Uruguai. A rodovia BR-290, que corta o Estado, passa por Santa Cruz do Sul e é muito utilizada por traficantes que buscam armas no país vizinho", afirma o presidente do Sinpef-RS (Sindicato dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul), Ubiratan Sanderson.

Dados da Inteligência da PF dão conta de que o tráfico de armas pelo Uruguai se intensificou nos últimos 20 anos, rivalizando com o armamento clandestino que costuma entrar pela fronteira com o Paraguai.

Há exatos dois anos, a polícia gaúcha desarticulou uma quadrilha de traficantes com 22 integrantes que tinha um faturamento mensal de R$ 378 mil, trazendo armamento de cidades uruguaias e vendendo para facções que atuam na região metropolitana de Porto Alegre.

 "É uma região de fronteira seca (sem mar ou rios). Não há obstáculos naturais que impeçam o fluxo de carros, que é pouco fiscalizado pela baixo efetivo da PF nos postos de controle", diz Sanderson, que é agente da PF há 21 anos, os cinco primeiros dedicados à atuação na região da fronteira.

Dados do Ministério da Justiça mostram que, entre 2012 e 2016, as apreensões de armas ilegais no Rio Grande do Sul aumentaram 422%, saindo de 90 para 470, enquanto a média nacional registrou uma queda de 59% no mesmo período, saindo de 15.395 em 2012 para 6.270 em 2016.

Armas chegam pelo porto de Montevidéu

O armamento é levado de maneira clandestina em navios que chegam ao porto de Montevidéu. "Boa parte dessa carga chega dos Estados Unidos e é descarregada pelos traficantes em veículos que, por sua vez, levam o carregamento sem qualquer dificuldade até a região da fronteira com o Brasil", explica Sanderson. Ele mesmo já trafegou de carro pela rota rodoviária dentro do Uruguai utilizada pelos traficantes, durante suas investigações.

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Imagem: Arte/UOL

Distante 504 km da capital uruguaia, a cidade de Rivera, segundo investigações policiais, é um dos principais pontos desta rota de tráfico de armas. Ela faz fronteira com a cidade gaúcha de Santana de Livramento. É uma região de livre circulação que atrai criminosos interessados em contrabandear não só armas, como também drogas e até pessoas.

Ao chegar a Rivera, o armamento tem dois destinos básicos: é vendido normalmente em lojas de armas ou por contrabandistas. Pela lei uruguaia, somente cidadãos do país podem comprar armas, porém a regra é driblada de uma maneira simples: o cidadão brasileiro paga a uma quantia a um uruguaio para que compre um fuzil ou uma pistola em seu nome nas lojas.

"Carros comuns passam pelos postos de fronteiras carregando até dez fuzis, do tipo 556, que têm alto poder destrutivo. Nos postos de controle há somente dois policiais para fiscalizar uma grande quantidade de veículos. Não há condições de interceptar esse contrabando. Depois que entra no Brasil, esse armamento vai abastecer facções gaúchas ou de São Paulo e do Rio de Janeiro", afirma Sanderson. "Um fuzil 556 pode ser comprado por um valor entre R$ 10 mil e 15 mil. Uma pistola 9 milímetros sai por R$ 5.000 a R$ 8.000."

Em junho, representantes do Ministério do Interior do Uruguai afirmaram em reunião com parlamentares do país que têm dificuldade em fiscalizar a atividade de criminosos brasileiros na região de fronteira, conforme noticiaram jornais uruguaios. A escassa presença de policiais federais do Brasil é um facilitador.

"Após a Constituição de 1988, a PF aumentou suas atribuições. Um grande contingente foi alocado para trabalhar em investigações de corrupção, por exemplo, e não houve reposição de agentes na região de fronteira", afirma Sanderson. "No total, temos praticamente o mesmo efetivo de agentes de 30 anos atrás, sendo que a população brasileira cresceu de 147 milhões de habitantes para 205 milhões de habitantes nesse período."

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Posto de controle em Aceguá (RS) fica fechado de madrugada e aos finais de semana
Imagem: Sinpef-RS/Divulgação
Em reportagem publicada nesta quarta-feira (28), o UOL revelou que o posto de controle de imigração da PF em Aceguá, no interior do Rio Grande do Sul, passa as madrugadas, finais de semana e feriados fechado por falta de pessoal. Enquanto permanece sem funcionar, o fluxo de pessoas nesse ponto da fronteira do Uruguai é livre.

Um delegado da PF que atua em Estados da região Sul, ouvido pela reportagem sob a condição de sigilo, apontou um outro fator que explica a escassez de policiais federais nesta região. 

"Administrações recentes incharam as lotações da PF na região Norte dizendo que estavam combatendo o desmatamento. Tem delegado com oito inquéritos lá para cima. Aqui no Sul, a média é de mais de 150 inquéritos por delegado."

A reportagem apurou que o grupo da Superintendência da PF no Rio Grande do Sul que investiga o tráfico de armas conta com apenas três agentes.

Outro lado

Por e-mail, a Superintendência da PF no Rio Grande do Sul enviou uma nota na qual disse que o fechamento do posto em Aceguá se dá porque “o movimento no Posto Migratório é muito baixo durante a madrugada, não justificando o emprego de policiais federais para tal atividade nesse período”.

A nota diz ainda que, enquanto o controle migratório na região é feito pelo posto da PF em Aceguá, “o controle securitário é feito pela Delegacia da Polícia Federal situada em Bagé” e que a unidade faz ações de inteligência em cooperação com outras forças policiais.

A PF diz ainda que “as necessidades [de mão de obra] são muito maiores, e os resultados para a sociedade mais eficientes, com a utilização desses servidores em investigações policiais e na produção de conhecimento e de inteligência, na sede da delegacia”.

A reportagem enviou na quarta e-mail à assessoria de imprensa da direção geral da PF com questionamentos a respeito da situação de falta de efetivo nos postos de controle na região da fronteira do Brasil e do Uruguai e sobre o combate ao tráfico de armas na região. Foi informada na quinta-feira (30), que a superintendência na PF no Rio Grande Sul iria responder aos questionamentos. O UOL entrou em contato por telefone com essa superintendência nesse mesmo dia e na sexta-feira, porém até a publicação desta reportagem as respostas não foram enviadas.

Também foi contatada a Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, com objetivo de buscar informações sobre a atuação do órgão em processos criminais de tráfico de armas vindas do Uruguai, porém a assessoria de imprensa informou que não havia nenhum procurador da República "apto" a tratar do assunto. 

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