Topo

Governo acaba com obrigatoriedade de espaços de educação e trabalho em presídios

Novas regras tornam obrigatórias apenas a construção de celas e áreas de saúde  - Luiz Silveira/Agência CNJ
Novas regras tornam obrigatórias apenas a construção de celas e áreas de saúde Imagem: Luiz Silveira/Agência CNJ

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

13/12/2017 04h00

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública alterou a resolução nº 9, de 2011, que estabelecia regras para a elaboração de projetos, construção, reforma e ampliação de unidades penais no Brasil. Entre outras mudanças, isso acaba com a obrigatoriedade de criação de espaços de educação e trabalho em presídios.

As alterações devem ser publicadas nesta quarta-feira (13) no Diário Oficial, segundo apurou a reportagem do UOL. Elas tornam obrigatórias apenas a construção de celas e áreas de saúde em cada penitenciária, colônia penal, cadeia pública e similares.

Com a mudança, perdem validade exigências previstas no texto anterior como a de proporcionalidade do número de salas de aulas e outros equipamentos, como áreas para trabalho e locais para tratamento de saúde, ao número de presos de cada unidade.

Também deixam de valer normas que estabeleciam janelas de ventilação maiores de acordo com as condições climáticas da região em que o presídio for alocado.

Além disso, não será mais necessária a aprovação de pré-projeto pela prefeitura, Vigilância Sanitária e Corpo de Bombeiros para dar início à construção de novas unidades.

A resolução nº 9/2011 original previa a existência de áreas mínimas obrigatórias para educação, tratamento de dependentes químicos, visitas íntimas, oficinas de trabalho, entre outros espaços, e inovou ao criar creches e berçários pensando tanto nos internos quanto nas pessoas que trabalham nos presídios.

Especialista em arquitetura prisional e professora da Universidade Federal de Alagoas, Suzann Cordeiro, disse ver a mudança como um retrocesso. Ela era integrante do conselho quando a resolução original foi aprovada e disse que o texto demorou meses até ser aprovado, entre consultas com a sociedade civil e especialistas.

Já a atual mudança foi aprovada em uma votação.

"A resolução original era um marco, reconhecida internacionalmente. Incentivava o desencarceramento, criava prisões mais humanizadas em que a chance de ressocialização era real", afirmou.

Fontes ouvidas pelo UOL dizem que a resolução original enfrentou resistência desde o começo, mas acabou ganhando força ao ser usada pelo Brasil como defesa em um dos diversos processos que o país sofre na OEA (Organização dos Estados Americanos), por conta da superlotação e más condições nos presídios.

Ao se tornar uma obrigação internacional, não haveria como apenas derrubá-la, o que justifica a opção dos conselheiros de tornar partes do texto não obrigatórias.

“É um enfraquecimento do Conselho, que tem cedido a pressões e não consegue mais pautar políticas mínimas”, afirmou a pesquisadora Valdirene Daufemback, ex-diretora do Depen (Departamento Penitenciário Nacional).

Ela critica a situação das mulheres com o novo texto. "Eles descobriram o espaço de creche e berçário para mulheres presas e o módulo de visita íntima que atinge diretamente a dignidade das mulheres visitantes.”

A medida, segundo o Ministério da Justiça, estava dificultando a construção de novos presídios. “Não estamos abrindo o leque para grandes modificações”, disse o então Ministro da Justiça Osmar Serraglio em maio, quando solicitou formalmente que os conselheiros flexibilizassem a medida. “Não pretendemos fugir de especificidades técnicas, mas, às vezes, não temos condições de garantir uma ou outra coisa”, disse.

O tema já estava sendo discutido pelo conselho desde março. Em abril, o órgão nomeou quatro conselheiros para uma comissão recém-criada com a finalidade de revisar a norma.

Com o novo texto, estabelecimentos prisionais podem escolher seguir ou não as determinações.

Para Valdirene, que hoje atua como pesquisadora do Laboratório de Gestão de Políticas Penais da Universidade de Brasília, a solução para a questão prisional no país deve repensar o número de pessoas presas.

Além disso, a opção por humanizar o sistema pode ter reflexos positivos em toda a situação da segurança pública no país.

"Não há como garantir segurança pública sem respeito aos direitos fundamentais. Isso cria um ambiente permissivo para a ilegalidade, para a prisão ilegal, para a tortura. Hoje, falar no direito das pessoas presas é visto como defender o crime".

Dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), divulgado na sexta-feira (8) pelo Ministério da Justiça, apontam que a população carcerária do país chegou a exatas 726.712 pessoas presas, o dobro do número de vagas nas penitenciárias e carceragens de delegacias, colocando o Brasil em 3º lugar entre os países com mais presos. 

"Em relação ao número de vagas, observamos um déficit total de 358.663 vagas e uma taxa de ocupação média de 197,4% em todo o país, cenário também agravado em relação ao último levantamento disponível", lê-se no relatório, cuja base de dados se refere a junho de 2016.