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Brasil tem 726 mil presos, o dobro do número de vagas nas cadeias

Presos da Unidade Penitenciária Doutor Francisco D"Oliveira Conde, em Rio Branco (AC) - Luiz Silveira/Agência CNJ
Presos da Unidade Penitenciária Doutor Francisco D'Oliveira Conde, em Rio Branco (AC) Imagem: Luiz Silveira/Agência CNJ

Felipe Amorim, Flávio Costa e Paula Bianchi

Do UOL, em Brasília, em São Paulo e no Rio

08/12/2017 11h00

Um país que prende muito e prende mal. Em um período de 26 anos, a população carcerária do Brasil multiplicou oito vezes e chegou a exatas 726.712 pessoas presas, o dobro do número de vagas nas penitenciárias e carceragens de delegacias do país, informa o Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), divulgado nesta sexta-feira (8) pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

"Em relação ao número de vagas, observamos um déficit total de 358.663 vagas e uma taxa de ocupação média de 197,4% em todo o país, cenário também agravado em relação ao último levantamento disponível", lê-se no relatório do Infopen, cuja base de dados se refere a junho de 2016. A coleta de informações foi feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Quando se compara os números do Infopen 2014, o último a ser divulgado, com o mais recente levantamento percebe-se que as prisões ficaram ainda mais lotadas (aumento de quase 20% em dois anos e meio) com quase o mesmo número de vagas (queda de 2,3%).

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"O que nós temos é um aumento da população carcerária e praticamente uma estabilidade na oferta de vagas e estabelecimentos prisionais", constatou, em entrevista coletiva, Jefferson Almeida, diretor-geral do Depen (Departamento Penitenciário Nacional). O órgão da pasta da Justiça é responsável pela administração do sistema penitenciário do país.

"Esse números colocam o país como o terceiro que mais encarcera no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (2,1 milhões de presos) e China (1,6 milhão de presos)", disse Almeida, referindo-se a números absolutos.

Em 2016, o Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) repassou R$ 1,2 bilhão aos Estados para obras, reformas, investimento e custeio do sistema penitenciário. "As informações do Infopen são muito importantes para que o departamento realize a correta aplicação de recursos financeiros e também oriente os Estados", disse Almeida.

"O Depen se preocupa [com a superlotação], acompanha esses dados e trabalha para que esse quadro diminua."

Superlotação beneficia facções

Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que a pesquisa confirma que os presídios brasileiros são palcos de constantes violações de direitos humanos e que a superlotação cria um cenário que favorece a expansão das facções criminosas.

"O Estado brasileiro se tornou uma espécie de departamento de RH (Recursos Humanos) para as facções criminosas dentro das prisões", afirma Flávio Werneck, vice-presidente da Federação Nacional de Policiais Federais.

"Em boa parte dos presídios ainda vigora a divisão de presos por facção, o que é uma situação absurda, pois os presos ficam à mercê do recrutamento dessas facções."

Para o ex-policial e atual agente penitenciário federal Carlos Augusto Machado, o sistema penitenciário brasileiro não respeita o princípio constitucional da individualização da pena.

"Se este princípio fosse respeitado não veríamos réus primários cumprindo pena no mesmo ambiente em que estão criminosos de alta periculosidade. Não se leva em conta a vida pregressa do acusado antes de estabelecer a pena e o que se tem é esse encarceramento em massa", diz Machado, que preside o sindicato de sua categoria no Paraná.

"Não defendo que não se deve punir quem comete crimes, mas a pena tem que ser proporcional à infração", completa Machado.

Lei antidrogas e o aumento de prisões

Exatas 176.091 pessoas presas foram condenadas ou aguardavam julgamento pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas, de acordo o mais novo Infopen. Esse número representa 28% do total de presos.

"A imensa maioria desse contingente é de pequenos traficantes ou mesmo de usuários de drogas jogados nas celas brasileiras que são verdadeiras masmorras e escolas do crime", afirma o advogado Marcos Roberto Fuchs, diretor adjunto da ONG Conectas Direitos Humanos e ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.

Socióloga e coordenadora do Centro do Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Julita Lemgruber diz que o aumento da população carcerária está diretamente relacionado a mudança na lei das drogas. “A legislação de 2006 [Lei antidrogas 11.343/2006], que muita gente diz que é branda, resultou nisso”, afirma.

Ex-diretora do sistema prisional fluminense, ela defende que é preciso encarar os custos da chamada guerra às drogas, que define como “míope” e “fracassada”. A pesquisadora prepara um estudo em conjunto com outros especialistas para mapear e transformar em números tantos os gastos causados por essa política, que, diz, incluem desde o custo operacional do sistema de Justiça Criminal até boa parte dos 60 mil homicídios anuais no país, quanto seu impacto na sociedade.

“Se fala muito nos custos da violência, mas precisamos encarar o custo da guerra às drogas”, afirma Julita.

“Quanto custa para a polícia implementar essa legislação, quanto custa para área da Justiça Criminal --desde o funcionamento dos tribunais, salários de juízes, promotores, defensores--, para o sistema penitenciário? O Brasil tem 60 mil homicídios por ano, muitos desses diretamente relacionados com a proibição das drogas”, questionou.

Violações são propositais, diz ex-membro de conselho

O levantamento do Infopen confirma que a população carcerária brasileira é majoritamente negra.

"A partir da análise da mostra de pessoas sobre os quais foi possível obter dados acerca da raça, cor, ou etnia, podemos afirmar que 64% da população prisional é composta por pessoas negras. Enquanto na população brasileira, a parcela negra representa 53%", lê-se no relatório.

De acordo com o levantamento, 40% das pessoas presas no Brasil estavam à espera de julgamento. 

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"As violações no sistema são propositais", afirma a especialista em arquitetura prisional Suzann Cordeiro, ex-integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e professora de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Alagoas.

"O sistema prisional repete o que a nossa sociedade espera da Justiça. Que se jogue os criminosos em um espaço fechado e que, se possível, se coloque em uma câmara de gás. Quando você observa o sistema prisional você vê in vitro (em um microcosmo) como a sociedade a que ele pertence funciona."

Suzann Cordeiro completa: "O sistema prisional é construído para torturar, para violar os direitos humanos das pessoas que estão ali. Acaba violando os direitos dos presos, das famílias, dos agentes penitenciários, dos técnicos, de todos que passam por lá. Quando eles saem de lá, eles trazem o ranço das violências que sofreram. A violência que vivemos no país é também reflexo da violência no sistema prisional."

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