Justiça reconhece duas mães em certidão de nascimento de garota em Alagoas
Uma adolescente de 15 anos, que mora em um povoado em Palmeira dos Índios (AL), terá os nomes de duas mães na certidão de nascimento: a biológica e a adotiva. A Justiça atendeu ao pedido da jovem e de sua família adotiva, que sonhavam em ter o nome dos pais adotivos, que são seus tios, em seus documentos.
Agora, com o julgamento do pedido dado como procedente pelo juiz José Miranda Santos Junior, da 1ª Vara de Infância e Juventude de Palmeira dos Índios, a adolescente tem, oficialmente, duas mães. Como na certidão de nascimento não consta o nome do pai biológico, ela terá apenas o nome do pai adotivo.
A família aguarda a ordem judicial ser enviada para o cartório de União dos Palmares para acrescentar os nomes à certidão de nascimento da adolescente.
Em sua sentença, o magistrado destacou a importância de aplicar o direito de acordo com a realidade vivida pelas pessoas e “em especial quanto ao direito de família, que é ramo que permite maior flexibilidade na aplicação de normas, em razão das constantes mudanças do conceito de família na sociedade contemporânea”.
A adolescente Kivia Manuelle Marques, 15, conta que receber o nome dos pais adotivos, Maria José Marques Leite e Zaldirom Pereira Leite, acrescido aos seus documentos é um das retribuições que ela pode dar a quem a criou desde que nasceu. A jovem foi deixada na casa dos tios maternos com três dias de nascida porque a mãe biológica, ainda de resguardo, disse que não tinha condições de criá-la, deixou-a com a tia e foi embora.
Maria José relata que nunca escondeu a origem de Kivia e que os preceitos que a filha foi criada tiveram como base o amor à família. Kivia tem duas irmãs adotivas, de 30 e 33 anos, e é considerada o xodó da família. Da parte da mãe biológica, que casou com um homem depois do seu nascimento e mora em Maceió, ela tem também duas irmãs.
“As irmãs de Kivia, minhas filhas, fazem tudo que ela quer, dentro das nossas possibilidades. Dão até mais coisas a ela que os próprios filhos. Hoje como as coisas estão mais fáceis, Kívia tem mais coisas que as irmãs e, mesmo assim, não é motivo de briga ou ciúmes. Todas nós nos amamos por igual”, disse Maria José, que contou que ficou viúva em 2015 e a companhia dela é a filha adotiva. As outras duas filhas se casaram e moram com seus respectivos maridos.
"Multiparentalidade"
A decisão pela multiparentalidade ocorreu após o pedido da família adotiva da adolescente, que ingressou com ação judicial por meio da Defensoria Pública de Alagoas relatando que a jovem almejava ser reconhecida oficialmente como filha da tia materna.
Segundo a Defensoria Pública de Alagoas, tempos depois da adoção não-oficial da garota, os pais adotivos decidiram formalizar o procedimento, com o consentimento da mãe biológica e a aprovação dos filhos do casal, que já são maiores de idade. No entanto, a morte do pai afetivo provocou a paralisação do processo.
A Defensoria Pública explicou que, para dar continuidade ao processo, solicitou, inicialmente, destituição de poder familiar da mãe biológica para que a tia materna da adolescente pudesse tornar-se sua mãe. Mas, durante o processo, foi constatado que a jovem tratava a mãe biológica e a mãe adotiva como suas mães, pois mantinha vínculos afetivos tanto com a tia que a criava quanto com a mãe biológica, que tinha seu nome registrado na certidão de nascimento.
Para resolver o problema, a defensora pública Bruna Pais alegou à Justiça em seu pedido de multiparentalidade que “em atenção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade, do respeito à diferença, do pluralismo familiar, da proibição do retrocesso social e da proteção integral dos interesses de crianças e adolescentes, deferisse a adoção à autora”, sem destituir do poder familiar a mãe biológica, de modo que a adolescente passasse a ser filha das duas, tendo em seu registro de nascimento dupla maternidade.
É necessário, pois, que se acompanhem as mudanças, em especial nas relações familiares, que se pautam no amor e, por isso, transcendem formalidades e põem no chão noções obsoletas e preconceituosas de que antes embasavam leis e a jurisprudência nacionais."
Bruna Pais, defensora pública
A defensora pública explica que a multiparentalidade é reconhecida pela jurisprudência recentemente, podendo ser definida como a possibilidade jurídica de, conservando-se o vínculo biológico entre genitor e filho, haver a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais entre esse filho e terceira pessoa, com quem este detém consolidada relação de afeto.
“Fiquei muito feliz em saber que Kivia terá nos documentos o meu nome e do meu marido. Até chorei porque era um desejo nosso e ele não está mais aqui para compartilharmos essa felicidade”, afirmou Maria José.
Entretanto, a família pretende recorrer da decisão para que o nome da mãe biológica seja retirado da certidão de nascimento da jovem. A família alega que não acha justo a mãe biológica, que “nunca participou de nada financeiramente nem presencialmente constar o nome na certidão de nascimento dela”.
“Fizemos a festa de 15 anos dela e a mãe biológica não veio. Disse que não estava com o dinheiro da passagem de ônibus. Ela não se esforça como faz pelas outras filhas que moram com ela e o marido. Kivia a chama de mãe porque ensinei, mas a mãe quem cria, que tem a responsabilidade, quem toma as decisões e quem a sustenta sou eu junto com as minhas outras duas filhas”, destaca Maria José.
A família disse que após o recesso do Poder Judiciário de Alagoas, que começou na última quarta-feira (20) e vai até o dia 2 de janeiro, vai à Defensoria Pública solicitar uma nova ação contestando o nome da mãe biológica na certidão de nascimento da adolescente.
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