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"Derrubou a minha casa": Mar avança, destrói construções e muda cenário no litoral paraibano

Fenômeno do avanço do mar vem mudando a geografia e os hábitos de Baía da Traição  - Francisco França/UOL
Fenômeno do avanço do mar vem mudando a geografia e os hábitos de Baía da Traição Imagem: Francisco França/UOL

Colaboração para o UOL, em João Pessoa

05/02/2018 04h01

“A força do mar derrubou a minha casa. As ondas eram tão fortes, tão violentas, que estremeciam o chão.” O depoimento é de Cícero Paulino, 68 anos, pescador aposentado que há quatro anos perdeu a casa em consequência do avanço do mar no município de Baía da Traição, Litoral Norte da Paraíba. O fenômeno vem mudando a geografia e os hábitos na pequena cidade, terra de índios potiguaras e um dos principais destinos turísticos do Estado.

Segundo o aposentado, as ondas começaram a destruir lentamente a casa de três cômodos onde ele morava com a mulher desde 1964, quando se mudou para Baía da Traição.

Antes era bom demais. A praia era normal, tinha areia, a gente pescava, mas com o passar dos anos o mar foi avançando violentamente
Cícero Paulino, pescador aposentado 

Sempre que a maré está alta, o barulho das ondas faz o pescador aposentado Cícero Paulino, 68, lembrar da ameaça do avanço do mar. Ele mora na segunda casa que construiu em Baía da Traição (PB); a primeira moradia foi destruída pelas ondas  - Francisco França/UOL - Francisco França/UOL
Sempre que a maré está alta, o pescador aposentado Cícero Paulino, 68, lembra da ameaça do avanço do mar
Imagem: Francisco França/UOL

Alertado por familiares, Paulino tirou as economias que guardava para uma emergência e construiu uma nova casa no mesmo terreno. Pelo que ele calcula, o gasto aproximado para a construção da segunda casa foi de R$ 15 mil.

Mas a preocupação não parou por aí. Sempre que a maré está alta, o barulho das ondas faz o aposentado lembrar que a situação não está resolvida. Mesmo assim, ele disse que não pretende ir embora da rua onde mora. “Já vi muito vizinho largar as coisas e ir embora, vi casa sendo vendida pela metade do preço. Eu não vou embora, não. Vou ficar aqui até o dia que Deus me levar. Um pescador não pode ter medo do mar”, afirmou.

O quebra-mar que ele construiu aos poucos também vai sendo levado pelas águas. Ao lado da casa de Cícero, o que se observa são escombros e terrenos abandonados. 

Muro de arrimo para conter avanço

A ferrugem que se observa no telhado e nas paredes da casa de Gilson e Darlene Gentil é um sinal de que a maré cheia invade a área de serviço. O barulho das ondas é forte. Tão forte que as crianças se assustam. Em dezembro, o casal teve de construir um novo muro de arrimo, tendo em vista que, com o avanço do mar, a primeira construção foi destruída. “Gastamos uns R$ 15 mil para fazer esse quebra-mar”, explicou. 

Maré cheia invade a área de serviço da casa de Gilson e Darlene Gentil, em Baía da Traição (PB). Parte da casa foi reconstruída, e o casal teve de fazer um novo muro de arrimo para conter o mar  - Francisco França/UOL - Francisco França/UOL
Maré cheia invade a área de serviço da casa de Gilson e Darlene Gentil, casal teve de fazer um novo muro de arrimo
Imagem: Francisco França/UOL

Parte da casa teve de ser reconstruída. A laje caiu e as paredes racharam ao longo dos anos. O piso, feito há pouco tempo, já apresenta sinais de desgaste em consequência da força das ondas. “Se o poder público tomasse as devidas providências, a situação poderia ser outra. Enquanto isso, nós, moradores, temos que buscar paliativos para não ter a casa totalmente destruída”, disse Gilson. A faixa de areia em frente à casa, quando aparece, está cada vez menor, segundo os moradores.

Perto da casa dos Gentil, o pedreiro João Batista Júnior trabalha há quase dois meses na reconstrução de outra moradia. O muro da casa foi parcialmente destruído e as paredes apresentaram rachaduras que tornaram o local inseguro para os moradores. “Dessa vez estamos usando materiais mais resistentes. Também fizemos um novo muro de arrimo, com concreto pesado, para aguentar a força do mar”, disse Júnior.

Mapa-Paraiba - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL
Prefeitura aguarda decreto de situação de emergência

Um projeto orçado em R$ 8 milhões, que prevê a construção de espigões --barreiras na extensão do mar para minimizar a força dos ondas--, foi enviado no segundo semestre de 2017 para o Ministério da Integração Nacional, segundo informou Luiz Moreno, secretário de Turismo e coordenador da Defesa Civil municipal de Baía da Traição. Ele disse ainda que o problema foi comunicado à Defesa Civil, em Brasília, para que a situação de emergência seja reconhecida diante da realidade.

Segundo o secretário, o projeto elaborado pela prefeitura levou em consideração as especificidades do município e o rastro de destruição causado pelo mar.

Infelizmente a prefeitura não tem condições financeiras, não tem arrecadação suficiente para arcar com os custos do projeto. Fica impossível de assumir
Luiz Moreno, coordenador da Defesa Civil de Baía da Traição

Há um temor no município de que o mar avance a ponto de atingir o único manancial de água doce de Baía da Traição. 

Segundo moradores de Baía da Traição (PB), faixa de areia em frente às casas, quando aparece, está cada vez menor. Problema prejudica turismo, e há um temor no município de que o mar avance a ponto de atingir o único manancial de água doce - Francisco França/UOL - Francisco França/UOL
Moradores dizem que a faixa de areia em frente às casas, quando aparece, está cada vez menor
Imagem: Francisco França/UOL

Lorena explicou também que o problema traz prejuízos diretos ao turismo e à economia do município, uma vez que, com o abandono das casas, há menos arrecadação de IPTU, há menos pessoas comprando nos mercados etc. “Temos uma população flutuante significativa, mas o avanço do mar, na dimensão que está, prejudica e inibe quem quer investir em imóveis na cidade. É importante que esse projeto seja aprovado o quanto antes”, frisou.

Para oceanógrafo,  situação vai piorar nos próximos anos

A destruição causada pelo avanço do mar não acontece só na Paraíba. O fenômeno se repete em vários trechos do litoral brasileiro. A situação de emergência por erosão costeira foi reconhecida em setembro de 2017 pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil em municípios como Florianópolis, Barra Velha e Bombinhas, em Santa Catarina. Na Bahia, o reconhecimento foi feito ao município de Mucuri. Nenhuma outra cidade do litoral nordestino aparece na lista de situação de emergência.

Para o oceanógrafo Gilberto Alves Pekala, diante do atual cenário na costa brasileira, as coisas tendem a piorar nos próximos anos. Ele destacou que, em outros países, a legislação é feita para impedir que as cidades avancem, para que o mar tenha seu espaço.

Quando o urbano se aproxima do mar, causa uma mudança morfológica
Gilberto Alves Pekala, oceanógrafo

Ele disse discordar dos projetos que preveem a colocação de barreiras como quebra-mar, espigões ou gabiões para conter o avanço do mar. Há, segundo o oceanógrafo, três consequências diretas quando isso é feito: prejuízo das navegações, comprometimento da zona de pesca e dificuldade da navegação ribeirinha. “Isso sem contar que o mar destrói essas barreiras com o tempo. Temos vários exemplos”, afirmou. 

A avanço do mar em Baía da Traição, no litoral norte da Paraíba, destruiu várias casas. Moradores tiveram de reconstruir seus imóveis e fazer sistemas de proteção, como muro de arrimo, para evitar que as ondas afetem mais uma vez a estrutura das casas  - Francisco França/UOL - Francisco França/UOL
A avanço do mar em Baía da Traição, no litoral da Paraíba, destruiu várias casas
Imagem: Francisco França/UOL

Pekala defende a implantação de uma nova tecnologia, já adotada nos Estados Unidos, a chamada “sandsaver”, que significa ‘salvador de areia’. O protótipo foi desenvolvido em 2013 e vem se mostrando bem mais eficaz que os métodos tradicionais adotados no Brasil. Há expectativa de que Jaboatão dos Guararapes (PE) adote esse modelo, mas ainda não há confirmação.

O “sandsaver”, segundo o oceanógrafo, tem se mostrado eficaz como um “engorda-mar” (alargamento da faixa de areia) e chega a pesar cerca de 2 toneladas (após a colocação do concreto). Os blocos de plástico têm furos em forma de cones que permitem a passagem da água do mar de forma a evitar a erosão. “Além de dissipar a força da onda, evita que o mar leve a areia”, explicou Pekala. Por fim, o especialista lembrou que “o ideal é não mexer na natureza, mas, se isso tiver de ser feito, que se faça com o menor impacto possível”.