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1 mês de intervenção: assassinato de Marielle, 'choque nas polícias' e queda de braço com o tráfico

O general Walter Braga Netto é o interventor federal no Rio de Janeiro - Foto: Agência Brasil
O general Walter Braga Netto é o interventor federal no Rio de Janeiro Imagem: Foto: Agência Brasil

Luis Kawaguti

Do UOL, no Rio

17/03/2018 04h00Atualizada em 17/03/2018 19h29

Em um mês de intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, o general interventor Walter Braga Netto fez mudanças no comando das polícias e travou uma queda de braço com traficantes da favela Vila Kennedy, na zona oeste da cidade.

O número de tiroteios e disparos de arma de fogo registrados na região metropolitana do Rio entre 16 de fevereiro (início da intervenção) e 16 de março foi de 678 --queda de 4% em relação aos 30 dias anteriores--, segundo levantamento da organização não governamental Fogo Cruzado, feito a pedido da reportagem. Na cidade do Rio, a diminuição foi de 449 casos para 385 --redução de 14%.

Apesar da ligeira queda no indicador, um assassinato, que provocou comoção nacional, tem potencial para colocar a intervenção à prova. O desfecho da investigação das mortes da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes deve influir diretamente na imagem da ação federal e na sensação geral de segurança no Rio, segundo analistas ouvidos pelo UOL.

A intervenção foi decretada no dia 16 de fevereiro pelo presidente Michel Temer (MDB), após o Rio registrar casos de violência durante o Carnaval, e completa 30 dias corridos neste domingo (18).

Veja a seguir o que já foi feito e o que está em jogo na intervenção:

Caso Marielle

O assassinato da vereadora Marielle Franco na noite de 14 de março gerou grande impacto político na intervenção federal e deteriorou a sensação de segurança no Rio de Janeiro, segundo analistas ouvidos pelo UOL.

O governo Temer apostou capital político significativo para tentar tirar o Rio da crise de segurança. A morte da vereadora fez Temer enviar ao Rio, no dia seguinte ao crime, seu ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, acompanhado dos diretores da Polícia Federal e da Abin (agência de inteligência) para um encontro com o interventor.

Ministro Raul Jungmann dá entrevista ao lado de chefes das polícias civil e federal e da Abin - Jorge Hely/Brazil Photo Press - Jorge Hely/Brazil Photo Press
Ministro Raul Jungmann dá entrevista ao lado de chefes das polícias civil e federal e da Abin
Imagem: Jorge Hely/Brazil Photo Press

A presença deles reforçou a mensagem de apoio federal à investigação, mas, ao mesmo tempo, funcionou como fator de pressão por resultados. Se o crime não for resolvido, opositores da intervenção ganharão força.

A resolução do crime também pode pôr à prova o processo de integração dos departamentos de inteligência das polícias estaduais, da Polícia Federal, da Abin e das Forças Armadas. A melhoria e a integração das áreas de inteligência é um dos desafios dos interventores.

Sensação de segurança

Segundo o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, além do fator político, a repercussão na mídia do assassinato de Marielle prejudica a sensação de segurança no Rio. Se o crime ficar impune, pode estimular criminosos a cometerem mais delitos.

Aumentar a sensação de segurança é um fator importante na estratégia de intervenção, segundo afirmaram à reportagem militares envolvidos no processo. Uma sensação de Estado presente e atuante ajuda não só a desestimular crimes, mas incentiva a população a fazer denúncias sobre o paradeiro de criminosos e armas.

Porém, segundo Julita Lemgruber, ex-ouvidora das polícias do Rio e socióloga do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, a sensação de segurança pode ter aumentado na zona sul carioca, onde se concentra a classe média, mas não teria chegado nas comunidades pobres dos bairros periféricos.

Há cerca de dez dias, o ministro Jungmann havia dito que a equipe de intervenção se concentra em melhorar a gestão das polícias e mudanças mais consistentes no cenário da segurança do Rio só devem começar a ser sentidas em meados de junho.

Mudanças na polícia

O foco principal da intervenção é fazer mudanças na gestão das polícias do Rio, sem colocar blindados e tropas patrulhando as ruas, segundo a equipe de intervenção.

Até agora o interventor nomeou o general Mauro Sinott para chefiar o Gabinete de Intervenção Federal (órgão que coordena a estratégia da ação) e o general Richard Nunes para comandar a Secretaria da Segurança Pública.

Nunes trocou os chefes das polícias Civil e Militar escolhendo nomes que soaram como um recado contra a corrupção, segundo policiais ouvidos pelo UOL.

O novo chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, veio da Delegacia de Homicídios, departamento conhecido por ter policiais não envolvidos em esquemas de corrupção. Ele assumiu o cargo dizendo que o combate aos maus policiais será sua prioridade.

O comandante da Polícia Militar é agora o coronel Luis Cláudio Laviano, ex-chefe do Bope (Batalhão de Operações Especiais) --unidade que ficou conhecida por ser mais dura em relação a desvios.

Em paralelo, o general Sinott começou a fazer visitas a batalhões da Polícia Militar para diagnosticar problemas. A primeira visita ocorreu no dia 14 em uma unidade de Bangu, na zona oeste, que já tinha sido alvo de investigação por corrupção em 2014.

“A fiscalização tem um valor simbólico importante. Não é só fiscalizar a eficiência operacional do batalhão, mas é como dar um choque na corrupção. Eu só cogitaria levar membros de polícias mais estruturadas de outros Estados para participar da fiscalização”, disse José Vicente Silva Filho.

Nos bastidores, a equipe de intervenção também se articula para fazer mudanças que aumentem o efetivo das polícias nas ruas. Uma das medidas deve ser trazer de volta ao patrulhamento cerca de 3.000 policiais que estão emprestados a órgãos públicos não ligados à segurança.

Segundo Silva Filho, sem a intervenção, não seria possível viabilizar a volta desses policiais devido à influência de interesses políticos.

Ele afirmou que outro desafio será otimizar as escalas de trabalho dos policiais. Alguns deles chegam a trabalhar 24 horas seguidas e a folgar três dias, o que não seria produtivo. Mas os policiais resistem a mudanças porque não querem perder o tempo de folga para trabalhar em bicos --que podem dar mais dinheiro que o salário na polícia.

3.mar.2018 - Militares realizam operação na Vila Kennedy, na zona oeste do Rio. A ação conta com veículos blindados e equipamentos pesados de engenharia - Brenno Carvalho/Agência O Globo - Brenno Carvalho/Agência O Globo
Militares realizam operação na Vila Kennedy, na zona oeste do Rio.
Imagem: Brenno Carvalho/Agência O Globo

Vila Kennedy

A favela Vila Kennedy foi adotada como uma “experiência piloto” para as ações das forças de segurança --com tropas e blindados na rua-- durante a intervenção.

O local foi palco de uma das primeiras operações das Forças Armadas, no dia 23 de fevereiro, logo após a arma do sargento do Exército Bruno Cazuka ter sido achada na região. Ele fora assassinado dias antes pelo crime organizado.

O Gabinete de Intervenção Federal diz que a ação já estava programada no âmbito da operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) que vigorava desde julho passado no Rio.

Desde então, seis grandes operações (com mais de mil militares) foram realizadas na região. Nelas, soldados derrubaram barricadas e detiveram suspeitos. Mas, quando as Forças Armadas deixavam o local, o crime organizado construía novas barreiras e voltava a operar na região.

Sobre essa “queda de braço”, Jungmann disse que as contínuas ações demonstravam a resiliência das forças de segurança para derrotar os traficantes.

Há uma semana, as Forças Armadas passaram a fazer patrulhas diurnas de forma permanente na região, usando efetivos de cerca de 300 militares.

As polícias e as Forças Armadas também fizeram ações em favelas como a Kelson’s, na zona norte, e no Jardim Catarina, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio. No âmbito da intervenção, não foram feitas incursões em comunidades como Maré, Rocinha e Alemão.

Apreensões no período

As apreensões mais importantes de armas no período da intervenção não ocorreram em favelas, mas em vias de acesso ao Rio, segundo Jungmann. Durante a intervenção, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) intensificou blitze e bloqueios, ao menos uma vez com o apoio dos militares.

Na maior apreensão, em 26 de fevereiro, foram encontrados 12 fuzis, 33 pistolas, 106 carregadores e 40 mil munições. O material havia sido adquirido no Paraguai e estava em um carro que iria para o Complexo da Maré.

No primeiro mês de intervenção, a PRF apreendeu 52 armas, 1,2 tonelada de maconha e 1,6 kg de cocaína. No mesmo período do ano anterior, foram encontradas oito armas, 14 kg de maconha e 10 kg de cocaína.

Segundo a instituição, 380 policiais rodoviários federais foram emprestados ao Rio no meio do ano passado --elevando o efetivo para 1.120. O reforço aumentou o número de apreensões.

Ainda sob o período da intervenção, no dia 2 de março, foi apreendida cerca de 1,5 tonelada de cocaína pura na região portuária do Rio. Foi a maior apreensão da história do Estado. A carga foi avaliada em R$ 250 milhões. A droga, apreendida por policiais civis juntamente com a Polícia Federal e a Receita, estava distribuída em 48 malas no fundo de dois contêineres. Ninguém foi preso na operação.

Plano e dinheiro indefinidos

Militares ouvidos pelo UOL afirmaram que a intervenção ainda está em uma fase de planejamento. No entanto, detalhes sobre as metas da ação e os caminhos para atingi-las não foram divulgados pela equipe do interventor.

Sabe-se que o general Braga Netto e sua equipe tentam atualmente mapear as falhas dos órgãos de segurança para implementar novas formas de gestão que aumentem o efetivo, o equipamento e a eficiência das forças policiais. Na última quarta-feira (14), o general Sinott fez a primeira visita a um batalhão da PM, em Bangu, para tentar identificar problemas e necessidades.

A equipe de intervenção vem afirmando que as mudanças vão precisar de investimentos.

O governo Temer prometeu ajuda federal e anunciou financiamentos por meio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social), mas o Estado do Rio não pode ter acesso ao crédito porque está inadimplente.

Jungmann vem tentando a liberação do crédito e disse que haverá um aporte de recurso independente de financiamento, mas até agora o dinheiro não chegou ao Rio.

Braga Netto e Jungmann estão passando o chapéu, nas palavras do ministro. O general conversou com o juiz federal responsável pela Lava Jato no Rio, Marcelo Bretas, que pode canalizar parte dos recursos recuperados pela operação para a segurança no Rio. O ministro disse que vai pedir ao empresariado que crie um fundo para financiar ações de segurança.

23.2.2018 Forças Armadas realizam operação na Vila Kennedy, zona oeste do Rio de Janeiro - Luis Kawaguchi/UOL - Luis Kawaguchi/UOL
Militares apoiam as polícias no patrulhamento em favelas do Rio
Imagem: Luis Kawaguchi/UOL

Ações sociais

A equipe de intervenção e o governo do Rio iniciou neste sábado um esforço para levar serviços públicos para dentro de favelas dominadas pelo crime organizado.

A ideia, segundo militares do Gabinete de Intervenção Federal ouvidos pelo UOL, é tentar mudar a mentalidade de moradores dessas áreas de que o crime organizado seria bom para favela por fornecer ajuda e serviços que o Estado não garante.

A ação inicial, na Vila Kennedy, leva à população da favela assistência médica, odontológica, vacinação e serviços de emissão de documentos e orientação jurídica, entre outras atividades. Com isso, as forças de segurança esperam começar a ganhar a confiança da população, melhorar a imagem das operações e estimular denúncias sobre o paradeiro de criminosos e armas.

A oferta dos serviços também pode tentar reverter o sentimento negativo causado por uma ação da prefeitura no dia 9 de março. Aproveitando-se da presença das Forças Armadas, servidores municipais usaram uma escavadeira para derrubar quiosques de comerciantes na praça Miami, na favela. A ação teve repercussão negativa que levou o prefeito Marcelo Crivella (PRB) a dizer que houve uso desproporcional da força. 

“É lamentável que seja necessária uma intervenção federal para que se acorde para a ideia de que a intervenção social é necessária”, disse Lemgruber.

Mas a especialista lembrou que o projeto de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), iniciado em 2008, também tinha como objetivo levar serviços sociais para as favelas. No entanto, essa parte da ação não prosseguiu de forma consistente.

O desafio agora será saber se o Estado terá condições de dar continuidade ao trabalho iniciado pela equipe de intervenção.