Mãe PM agiu corretamente ao matar assaltante?
Ao lado da filha de sete anos, uma policial militar reagiu a um assalto no último sábado (12), atirou e matou um assaltante em frente a uma escola em Suzano, na Grande São Paulo. Depois de dar voz de assalto e atirar uma vez --a arma dele falhou--, Elivelton Neves Moreira, 21, foi atingido por três disparos efetuados pela cabo Kátia Sastre, 42, que estava de folga e sem farda.
Ao atirar e matar o assaltante, a PM agiu corretamente e de modo proporcional ao risco? Ao reagir à ação criminosa, ela colocou outras pessoas e ela própria em risco?
O UOL apresentou essas e outras questões a três especialistas em segurança pública --dois deles, policiais militares da reserva. Eles analisaram o contexto de ação da policial, que aguardava, com a filha e outras mães e crianças, a abertura da escola onde haveria uma homenagem pelo Dia das Mães.
Na manhã de domingo, a cabo foi homenageada pelo governador de São Paulo e pré-candidato à reeleição, Márcio França (PSB).
PM agiu “de maneira correta”, diz coronel
Crítico da conduta da PM paulista e autor do livro “O guardião da cidade”, em que aborda a letalidade da corporação já desde a formação dos policiais, o tenente-coronel da reserva Adílson Paes de Souza avalia que a cabo agiu de maneira correta naquela situação.
Na avaliação de Souza, que tomou por base as imagens de câmeras de segurança da escola divulgadas na imprensa, a cabo “efetuou disparos com noção para cessar a agressão do criminoso”. “Tanto que ele caiu e não prosseguiu atirando, por exemplo. Ela foi até ele e afastou a arma do bandido”, disse.
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“O policial tem treinamento para imobilizar, mas, sobretudo, tem treinamento para fazer uso proporcional da força. Avalio que ela agiu de maneira correta, pois era uma situação peculiar em que o bandido não apontava a arma para ela, mas para outra pessoa: ela teve tempo de antever o movimento dele e de gerenciar o risco", analisa Souza, argumentando que a PM "certamente" seria morta se fosse revistada e tivesse a arma descoberta.
“Em toda situação de risco, o papel do policial é minimizá-lo. Eu criticaria a atuação dela se a pessoa tivesse caído ao solo e ela continuasse atirando, ou se houvesse uma pessoa entre ela e o criminoso, ou se estivesse passando um carro por ali. Não havia isso. Quando ela saca a arma, o alvo passa a ser ela – mas o assaltante foi colhido de surpresa.”
Por outro lado, o policial afirma que a atitude da policial não deve encorajar reações semelhantes em situações de violência, sobretudo por não policiais. “A imagem dela reagindo e atirando não pode servir de estímulo para pessoas andarem armadas e reagirem a assaltos. Trata-se de uma policial com treinamento”, disse.
Souza lembra que mesmo PMs de folga tiveram resultados diferentes na abordagem –caso de um policial à paisana que reagiu a assalto dentro de um ônibus do transporte público, no mês passado, em São Paulo. Os bandidos revidaram, e, na troca de tiros, morreram um passageiro, um assaltante e o próprio policial. “A ação da cabo tem um caráter singelo, bem específico. Não era um ambiente confinado e com pessoas entre o policial e o bandido, como no ônibus”, afirmou.
"Ela expôs pessoas ao risco", diz ex-chefe da PM do Rio
Para o ex-chefe do Estado-Maior da Polícia Militar do Rio, coronel Robson Rodrigues, o resultado da reação da policial foi “ação de muita sorte”, em virtude dos “riscos altos” a que ela se expôs, além de expor outras pessoas.
Também oficial da reserva e antropólogo, Rodrigues explicou que, pela reação vista nas imagens, não se considerou, por exemplo, a possibilidade de que o assaltante poderia estar acompanhado, tampouco a de que duas mães e uma criança corriam próximas a ele enquanto a cabo apontava a arma.
“Se nesse caso tivéssemos um segundo elemento mais afastado para dar a cobertura [ao que anunciou o assalto], ele teria alvejado não só a policial, mas as outras pessoas ali. Foi uma ação de muita sorte, de quem, de fato, tem treinamento para atuar em serviço. Mas sozinho e armado o risco é muito maior”, considerou.
“Pela análise da cena, foi uma decisão rápida, mas que não afastou todos os riscos: havia mães saindo ainda próximo ao marginal. Mesmo em razão dessa tensão toda, a policial não tem uma previsão de onde alocará seus tiros, por mais bem treinada que seja. É uma área de risco muito grande –ela agiu para se defender, mas expôs outras pessoas ao risco”, avaliou.
Um dos responsáveis pela implementação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) no Rio, o coronel ponderou ainda como fator de sorte a munição do assaltante ter picotado, ou seja, falhado. “Mas nem sempre isso acontece daquela forma; além disso, ele estava com revólver, não pistola, e, aparentemente, não tinha cobertura. Geralmente esses criminosos não agem sozinhos”, afirmou.
“Vários policiais não morrem pelo que veem, mas pelo que não veem –já perdi amigos assim, baleados na nunca mesmo dentro de uma agência bancária porque o criminoso estava com comparsa”, diz Rodrigues. “Se o policial leva uma arma, estando de folga, fica muito mais preocupado. E aí o problema é que se perde uma referência do todo: por mais bem treinado que ele seja, perde o referencial em um momento de estresse, ou seja, vai trocar, em fração de segundos, a visão circunstancial pela pontual.”
Nesta terça (15), a Polícia Civil confirmou que um segundo homem, suspeito de acobertar a ação de Elivelton, no sábado, foi preso.
Entretanto, o especialista pondera que a situação de violência é determinante para que um PM porte arma mesmo fora de trabalho.
“De um lado, há uma facilidade grande hoje de acesso a armas de fogo e um lobby de políticos para armar o cidadão, como se isso fosse solucionar o problema. De outro, temos que lamentar o estado em que se chegou a segurança pública Brasil –a ponto de um PM ter de ir para casa armado, ganhando pouco”, disse. E completou: “Não podemos celebrar qualquer morte, nem mesmo a do marginal. Senão, entramos em uma histeria e em uma barbárie, e a próxima vítima seremos nós.”
Rodrigues salientou que a maior parte dos assassinatos de PMs tanto no Rio como em São Paulo acontece durante as folgas. Em São Paulo, por exemplo, oito em cada dez policiais militares assassinados nos últimos dez anos estavam de folga. “Nenhum método de ação é 100% seguro, e as estatísticas têm mostrado que a maior parte das reações tem tido mais resultados adversos que positivos”, diz Rodrigues.
No caso de Suzano, assinalou o coronel, o “grau de simplicidade do assaltante” não deixou claro se ele conseguiu identificar a periculosidade da PM presente. “Em geral, o que eles querem, até estatisticamente dizendo, é roubar fácil e rapidamente e sair dali o mais rápido possível. A recomendação sempre é que ninguém reaja e entregue o que é pedido." Mas, assim como Souza, Rodrigues reitera o risco de morte quando um bandido descobre que a vítima é PM.
"A policial não tinha outra alternativa", resume professor
Professor de Administração na FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani reforçou a opinião do oficial da PM paulista de que a cabo teria agido de maneira adequada.
“A policial não tinha outra alternativa e estava em uma situação muito delicada, com a arma apontada muito próxima a ela e com as pessoas ao redor já sob risco. E em São Paulo o histórico é este: se o criminoso consegue identificar que se trata de um policial, vai executá-lo”, afirmou Alcadipani. “A PM teve um átimo de segundo para pensar no que fazer, e, nesse caso, viveu uma situação clássica em que o agente não tem opção: tinha que usar da força para neutralizar um risco maior”, avaliou.
Para especialistas, ação do governador foi precipitada
Além do risco de ser morta caso fosse identificada como policial pelo assaltante, os três especialistas convergiram em outro ponto: o governo Márcio França se precipitou ao condecorar a policial no dia seguinte à ação.
“O governador tentou, como político com baixa posição nas pesquisas, se viabilizar por meio de uma velha prática populista no Brasil que é a de usar um caso grave para obter ganhos políticos sobre isso. Mas quais são as ações concretas que o governador tem tomado para proteger o policial cotidianamente? Em um único fim de semana, foram três policiais envolvidos em situações como essa”, destacou Alcadipani.
O estudioso se referiu ao PM de folga que reagiu a um assalto a uma farmácia neste domingo (13) em Guarujá (SP) e matou o criminoso e a um delegado da Polícia Federal que morreu depois de reagir a um assalto em sua residência, nesta segunda (14), no Morumbi, na capital paulista.
Já para o coronel Rodrigues, a condecoração promovida por França à cabo em São Paulo “foi lamentável”. “É muito mais importante cuidar da situação psicológica dela e ter uma segurança pública mais eficiente e que evite que fatos como esses aconteçam. Um serviço de patrulhamento ostensivo mais eficaz, por exemplo, diminui o risco e protege a área de circulação também desse policial. A investigação de assaltos também, para identificar as frequências e os autores desses crimes – e é aí onde o policial mais se identifica com a população, pois também sofre”, afirmou Rodrigues.
Para o tenente-coronel Souza, tratar como herói o policial que reage e mata o bandido é errado. “O correto é amparar essa PM e acolhê-la com tratamento psicológico, porque ninguém sai incólume de um trauma desses – com certeza é algo que deixa uma marca e que precisa ser tratado, mas nunca como herói. Ela protegeu a vida dela e de outras pessoas, e cumpriu o dever dela.”
Em agenda em Araçatuba, no interior paulista, o governador reagiu a críticas de que, com a homenagem, teria contrariado estratégia da própria PM. “É claro que a gente gostaria que não acontecessem casos assim, mas quando acontecem casos como este, eu fiz questão de elogiar. Acima de tudo, como mãe, ela deu um exemplo para a sociedade. Os jornais podem criticar, eu respeito quem critica, mas a maioria de São Paulo elogiou e acha que está correto, que a atitude da moça foi decente", afirmou França. "Não custa nada elogiar. A PM é o único setor público em que, quando falham, são identificados."
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