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Inmetro queria liberar recauchutagem de pneu de moto sem parecer técnico

Infomoto
Imagem: Infomoto

Antonio Temóteo

Do UOL, em São Paulo

22/09/2018 04h00

Documentos obtidos com exclusividade pelo UOL mostram que o presidente do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), Carlos Augusto Azevedo, queria a liberação da recauchutagem de pneus para motos sem possuir toda a avaliação técnica, mesmo tendo sido alertado dos riscos.

A área técnica do órgão avisou-o em memorando de 2 de agosto sobre os perigos e também sobre a falta de análise adequada. Em email do dia 13 deste mês ele manteve o pedido. 

Pneus reformados são considerados inseguros pelo próprio Inmetro para veículos de duas rodas. A mudança, que atenderia a empresas do setor, seria publicada no "Diário Oficial da União" nas próximas semanas, mas os planos mudaram após reação interna de técnicos do instituto. Eles relataram que o processo devido seria descumprido, daria margem para questionamentos legais e poderia representar riscos graves à segurança dos motociclistas no país. 

O presidente disse que o processo está cumprindo todo o rito técnico normal e a nova portaria, autorizando a recauchutagem, pode ser publicada, mas não estimou prazo.

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Portaria de 2015 proíbe serviço de recauchutagem

O artigo 6º da portaria do Inmetro nº 554 de 2015 proíbe a recauchutagem de pneus para motos no Brasil. 

Uma nota técnica do Inmetro editada em 2017 informa que a reforma dos pneus de motocicletas é desaconselhada porque nenhum processo de recauchutagem, segundo a tecnologia atual, seria capaz de garantir equilíbrio e uniformidade exigidos para garantir segurança aos motociclistas.

O relatório ainda aponta que os pneus de motos não são fabricados para que passem por qualquer reforma. “Enquanto pneus de veículos leves e pesados são fabricados a partir de reforço da carcaça, as reduzidas espessuras dos materiais dos pneus de motos [o tamanho do pneu] dificultam a raspagem [processo de reforma], podendo comprometer sua estrutura”, detalhou o texto.

Recomendação para liberar partiu de ministério

O presidente do Inmetro propôs a liberação da recauchutagem de pneus de motos com base em uma recomendação do secretário de Desenvolvimento e Competitividade Industrial, Igor Nogueira Calvet, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic).

Após reunião com o Sindicato das Empresas de Revenda e Prestação de Serviços de Reforma de Pneus e Similares do Estado de Minas Gerais (Sindipneus), em 6 de junho de 2018, Calvet encaminhou ao Inmetro, em 26 de junho, a sugestão para que o artigo 6º fosse revogado. 

Conforme o documento assinado por Calvet, a secretaria é favorável ao uso dos pneus reformados diante da eficiência econômica e ambiental, desde que atinjam níveis de desempenho e segurança. “A posição do Sindipneus é que os pneus reformados de motocicletas são totalmente seguros, e passariam nos testes utilizados para a avaliação dos pneus novos de motocicletas”, informou a nota assinada por Cavelt.

A recomendação enviada ao Inmetro sugere que, além da suspensão do artigo, seja criado um grupo de trabalho sobre o tema para definir requisitos mínimos para atestar a qualidade dos pneus reformados. Ele ainda propõe que não seja permitida a reforma em pneus que já passaram por reparos anteriormente e com data de fabricação superior a sete anos.

A secretaria levou em conta estudos apresentados pelo Sindipneus e uma pesquisa que não encontrou restrições similares nos Estados Unidos e na União Europeia. “A inexistência internacional de normas, regulamentos técnicos ou esquemas de avaliação da conformidade para a reforma de pneus de motocicletas sempre foi um empecilho à regulamentação do tema pelo Inmetro”, detalhou a recomendação do Mdic.

Pedidos para liberar recauchutagem são frequentes

O uso de pneus reformados por motociclistas em vias públicas é ilegal desde que o Contran (Conselho Nacional de Trânsito) editou uma resolução em 2004, mas o serviço de recauchutagem era permitido até 2015, quando o Inmetro vetou.

No ano passado, empresários do setor de reforma de pneus pediram a liberação do uso dos pneus, mas o Contran manteve a proibição, com base em parecer do próprio Inmetro. Mesmo com a proibição, nas contas do Sindipneus, 2 milhões de unidades são recauchutadas por ano no país. Especialistas afirmam que a liberação da recauchutagem pelo Inmetro garantirá argumentos técnicos e de segurança para que um pedido para o uso desses pneus em vias públicas seja enviado e aprovado pelo Contran.

Com a retomada do processo para liberar a recauchutagem de pneus, o diretor de Avaliação de Conformidade do Inmetro, Luiz Antônio Lourenço Marques, encaminhou em 2 de agosto memorando para o presidente da instituição e alertou que a proposta não seguiu o processo regulatório da autarquia, não foi submetida a consulta pública, não passou por análise de impacto, nem por avaliação dos riscos e das informações prestadas pelo Sindipneus.

“Nesse sentido, cumpre mencionar que, ao contrário da manifestação do Sindipneus, não há, sob o ponto de vista técnico, estudos que embasem a segurança no uso de tais pneus reformados”, destacou Marques no memorando.

Os alertas do diretor de Avaliação de Conformidade, entretanto, foram ignorados. O UOL obteve com exclusividade o email do dia 13 deste mês em que o presidente do Inmetro pedia que o diretor mudasse a regra para uso dos pneus.

Diz um trecho do email: “Com fundamento nos encaminhamentos sugeridos pela Assessoria do Mdic, bem como pelo Secretário de Desenvolvimento e Competitividade Industrial, constantes no item 5 da nota informativa nº 19 de 2018, solicito seus préstimos no sentido de derrogar [revogar] da Portaria Inmetro nº 554/2015, que aprova o Regulamento Técnico da Qualidade para reformas de pneus, especificamente seu artigo 6º [que proíbe recauchutagem]”.

Posições divergentes entre técnicos e presidente do Inmetro

Após o pedido do presidente, Marques submeteu o processo aos técnicos da autarquia. Em email recebido em 17 de setembro, o chefe da Divisão de Qualidade Regulatória do Inmetro, Fernando Antônio Leite Goulart, relatou que a revogação do artigo ocorreria sem a conclusão da análise de impacto regulatório, procedimento adotado antes de que qualquer medida seja tomada.

Somente após o alerta de Goulart, a presidência mudou de ideia. O chefe de gabinete substituto do presidente do Inmetro, Daniel Campos da Silva, avisou ao diretor de Avaliação de Conformidade para continuar com os estudos antes da publicação da portaria.

Técnicos da autarquia já tinham alertado que pareceres emitidos em 2009, 2012 e 2017 concluíram que pneus recauchutados não são seguros. 

Presidente do Inmetro nega desrespeito ao rito processual 

Por telefone, o presidente do Inmetro negou ao UOL que tenha feito qualquer pressão para que uma portaria fosse publicada sem o cumprimento do processo de análise técnica. Segundo ele, o parecer inicial que afirma que o pneu reformado não é confiável é de 2002. Além disso, Azevedo comentou que todos os testes realizados pelo Sindipneus foram aprovados.

“Meu papel aqui é colocar luz sobre o assunto e cobrar da área técnica um tempo de resposta razoável para as coisas. As coisas não podem demorar anos para se resolver. Nenhum outro teste ou cronograma foi proposto. Se isso não foi feito, é necessária a revogação porque não há motivos técnicos para isso”, disse Azevedo.

O presidente do Sindipneus, Paulo César Pereira Bitarães, afirmou que todos os procedimentos técnicos solicitados pelo Inmetro à entidade foram cumpridos. Além disso, ele declarou que parte dos testes realizados em pneus reformados ocorreu em laboratórios credenciados pela autarquia.

“Defendemos que a reforma de pneus seja regulamentada. Não queremos que empresas na informalidade continuem nesse mercado. Queremos um produto de qualidade e que garanta total segurança aos consumidores", afirmou.

Procurado, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços informou que Calvet estava em viagem oficial fora do país e que não poderia comentar o assunto.

O Contran afirmou que não há nenhuma discussão no órgão sobre o uso de pneus recauchutados para motos e lembrou que já havia se manifestado por manter a proibição no ano passado.