"Não agredi, não cuspi na cara, não desacatei policial", diz defensor preso
O defensor público Rafael Português, 39 anos, preso e algemado quando trabalhava acompanhando manifestações contra a reforma da Previdência em São Paulo, na sexta-feira (14), negou ao UOL ter agredido policiais. Segundo ele, um policial militar, chamado capitão Mozart, é que tentou sufocá-lo. O defensor afirmou ainda que, com empurrões, o PM o impediu de fazer seu trabalho de acompanhar uma abordagem de um morador de rua.
Mozart, segundo Português, é o policial que aparece no vídeo divulgado pelo UOL no sábado agarrando Português e acusando-o de agredir PMs. O defensor nega. "Não agredi nenhum policial, não cuspi na cara de ninguém, não desacatei nenhum policial, não resisti a nenhuma ordem policial", disse ele à reportagem por meio de mensagens de áudio e de texto encaminhadas por WhatsApp.
De acordo com ele, os momentos pelos quais passou mostram que "há vários casos" semelhantes. "No nosso cotidiano de atuação recebemos diversos relatos de presos que não são apresentados imediatamente, ficam incomunicáveis durante horas, sem saber o motivo de sua prisão ou mesmo contato com qualquer pessoa", afirmou ao UOL.
Ele afirma ter observado "evidentes violações ali". "Abuso de autoridade, sabe? O tratamento degradante de me deixar, durante horas, de forma desnecessária dentro da viatura. Acho que também a responsabilização pelos tiros indiscriminados contra os manifestantes."
Português não aceitou ser entrevistado pelo UOL por ligação telefônica. No entanto, no domingo (16), mandou as mensagens por meio da assessoria de imprensa da Associação Paulista de Defensores Públicos (Apadep).
Defensores públicos costumam acompanhar manifestações de rua para prevenir e impedir cenas de violência por parte de militantes e forças de segurança. "Bom deixar claro que eu estava no exercício da minha função. A todo momento, eu me identifiquei como defensor público."
Segundo Português, durante as manifestações contra a reforma da Previdência, ele observou que policiais abordavam um morador de rua perto da praça do Ciclista, na avenida Paulista, por volta das 19h30 de sexta-feira (14).
"Estavam derrubando a sacola dele, virando a sacola dele", afirma. "Disse que acompanharia a abordagem. Imediatamente, o policial disse que era para eu sair dali. Eu não saí." Na sequência, o capitão teria dado empurrões no defensor.
De acordo com o boletim de ocorrência registrado horas depois no 78º DP (Jardins) pelos policiais, o morador de rua era foragido da Justiça, conforme pesquisa da PM nos sistemas de mandados de prisão em aberto. No entanto, até agora ninguém revelou o nome desse suposto foragido. A polícia alega que o morador de rua fugiu no meio da confusão. Português afirma que os agentes jamais trataram de qualquer suposto mandado de prisão. "Em nenhum momento eles me informaram que o rapaz estava foragido", contou à reportagem.
A reportagem do UOL procurou a Secretaria de Segurança Pública na noite de domingo sobre as declarações do defensor, mas não obteve resposta até a publicação. O texto será atualizado assim que houver posicionamento.
Veja o que a Secretaria de Segurança Pública disse no sábado
Agressões aconteceram em três momentos, relata
O defensor disse que foi agredido com empurrões quando estava perto do morador de rua, na parada de ônibus que aparece no vídeo e ao tentar fugir do carro da polícia. Ele diz que tentou fugir porque os PMs não o apresentavam para o delegado do 78º DP. Ele teria ficado mais de uma hora algemado no carro policial. Assim que conseguiu falar com o delegado, as algemas foram removidas. Ele só saiu da delegacia às 2h30 de sábado (15), de acordo com a Apadep.
Rafael Português fez exame de corpo de delito no sábado. De acordo com a assessoria da Secretaria de Segurança Pública, ele responde por desacato, lesão corporal e fuga de pessoa presa. O defensor, no entanto, diz que ele já é considerado "vítima" na investigação.
O defensor público geral de São Paulo, Davi Depiné, afirmou que vai acionar o comando da PM e a Corregedoria da corporação na segunda-feira (17). "O colega foi indevidamente algemado e levado preso a um distrito policial, em condições absolutamente inadequadas em relação à sua dignidade", diz.
Leia os principais trechos do relato de Português sobre o que aconteceu:
"Bem, eu estava no final da manifestação, na parada ali da praça do Ciclista. De repente, eu percebi um morador de rua sendo abordado. Estavam derrubando a sacola dele, virando a sacola dele. Eu me dirigi até lá. Chegando lá, me identifiquei como defensor público e disse que acompanharia a abordagem. Imediatamente, o policial disse que era para eu sair dali. Eu não saí. E perguntei ao cidadão o que tinha acontecido quando, de repente, um dos policiais sai e retorna com o comandante da guarnição, o capitão Mozart, com os dois braços no meu peito, gritando "Sai daqui", me empurrando. E tentando impedir ali que eu tivesse contato ou me aproximasse da pessoa que estava sendo abordada.
Após o policial capitão me empurrar, vários policiais, por determinação dele, partem para cima de mim. Eu caio no chão. Tento me proteger. Várias pessoas que estavam ali no local começam a protestar, gritar, me apoiar, pedindo para a polícia parar. Eu consigo pegar na grade do vão da Paulista. Eles ficam me chacoalhando, me puxam pela calça. Tentam me dar uma gravata ali. Nisso, vários policiais começam a atirar bombas de efeito moral e balas de borracha nas pessoas. Os policiais não conseguem me tirar dali da grade. Quando os policiais desistem de me tirar dali da grade, eu vou direto ao ponto de ônibus tentar buscar abrigo.
Em nenhum momento eles me informaram que o rapaz estava foragido. Eu me apresentei como defensor público para saber qual o motivo da prisão. Mas eles não disseram. Então, comecei a ser agredido justamente para não manter contato com o averiguado. Só consegui perguntá-lo se gostaria que eu acompanhasse sua detenção. Lembro que o averiguado ainda ficou no local no momento em que tentavam me tirar dali usando a força.
Eu saio andando calmamente em direção ao ponto de ônibus ali da praça do Ciclista, quando sou novamente abordado. Imediatamente, eu levanto os braços e, quando percebo que vou ser puxado novamente, que vou ser retirado dali, eu abraço a pilastra, a coluna do ponto. O policial, esse capitão Mozart, novamente pressiona meu pescoço tentando me sufocar para que eu consiga soltar da pilastra. Algumas pessoas da imprensa aparecem. Eu novamente digo que sou defensor público, que o que está acontecendo ali é arbitrário, é responsabilidade do policial. Ele começa a inventar que eu teria agredido ele. Eu até questiono quem agredi. Ele diz que é desacato, desobediência, enfim... mas as acusações não têm nenhum fundamento.
Depois, quando um sargento, um outro policial se aproxima de mim, conversa comigo, fala que vai guardar minha bicicleta e meu material de trabalho, que estava ali comigo, eu aceito ir com os policiais. E, imediatamente, sou algemado, colocado dentro da viatura. Fico incomunicável. Eles fecham a viatura, sem ar condicionado, sem nada, sem ventilação. Passa a comissão da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], que estava acompanhando a manifestação. Eu tento contato e eles impedem meu contato com essa comissão. Em seguida, eu tento chacoalhar o veículo e tento fazer barulho para que as pessoas percebam onde eu estou. Quando os advogados começam a procurar onde eu estou, eu sou retirado dali e encaminhado para a delegacia dos Jardins.
Fico algemado mais de uma hora na viatura. Não sou apresentado à autoridade policial. Eles estacionam a viatura na delegacia, mas não me apresentam à autoridade policial. Lá, sou deixado ali. Peço para retirar as algemas. Não retiram as algemas. E, quando eu percebo que eles novamente vão fechar a viatura para me tirarem dali e eu não ser apresentado ao delegado, eu saio da viatura. Ela estava com o capô aberto. Os policiais me agarram e novamente me agridem tentando me colocar dentro da viatura. Um, inclusive, dá um "mata-leão" tão forte que um dos policiais pede para ele parar.
Eu começo a gritar para as pessoas que estão na rua, tentando chamar a atenção para o que está acontecendo. Surge uma policial civil que, vendo aquela cena, imediatamente determina que eu seja apresentado à autoridade policial. Durante esse momento em que eles tentam me [inaudível], eles apertam ainda mais a algema, né? Aí, sou apresentado à autoridade policial, que retira minhas algemas, diante do relato confuso dos policiais ali. Diz que eu não estou preso. Já deixa eu ficar numa sala esperando e devolve meu celular. É quando eu entro em contato com meus familiares e com os defensores, que depois vão lá acompanhar a ocorrência no local.
Bom deixar claro que eu estava no exercício da minha função. A todo momento, eu me identifiquei como defensor público. Desde o primeiro momento, eu falei que era defensor público. Quando eu fui algemado, falei que era necessário comunicar o defensor público geral [Davi Depiné]. Tentei contato com a comissão da OAB, o que impediram. Não me apresentaram à autoridade policial. E é importante dizer: não agredi em nenhum momento nenhum policial, não cuspi na cara de ninguém, não desacatei nenhum policial, não resisti a nenhuma ordem policial. Eu tentei me proteger a todo momento. Me agarrei na grade, me agarrei no pilar. Quando conversaram, disseram que iam cuidar do meu material de trabalho, da minha bicicleta, aceitei ser conduzido. Fui novamente agredido na delegacia. As imagens da própria delegacia vão comprovar as agressões que sofri, o 'mata-leão' que sofri.
E a Defensoria Pública já se manifestou que irá buscar responsabilização pelas evidentes violações que houve ali... Abuso de autoridade, sabe? O tratamento degradante de me deixar, durante horas, de forma desnecessária dentro da viatura. Acho que também a responsabilização pelos tiros indiscriminados contra os manifestantes. E toda a situação terá que ser apurada. Na própria ocorrência, já consto como vítima. Hoje eu já fiz o exame de corpo de delito. E acho que todas as ocorrências desse dia terão que ser apuradas. As pessoas, responsabilizadas. As associações nacional e estadual estão empenhadas nisso, a Defensoria Geral, a Comissão Nacional dos Defensores Públicos para que a gente possa encontrar os responsáveis por essa situação que ocorreu no dia 14.
Podemos presumir que há vários casos, porque no nosso cotidiano de atuação recebemos diversos relatos de presos que não são apresentados imediatamente, ficam incomunicáveis durante horas, sem saber o motivo de sua prisão ou mesmo contato com qualquer pessoa. A lei e os tribunais determinam que o uso de algemas somente deve ocorrer em situações excepcionais, como em casos de resistência. Mas o cotidiano forense demonstra que o respeito a esta regra não é sempre observado. O meu caso é mais uma prova disso, pois as imagens mostram que não resisti à ação policial e, ainda assim, fiquei indevidamente algemado, e por tempo excessivo."
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