Em vez de água, transposição do São Francisco tem rachaduras, erosão e mato
Pouco mais de dois anos após a inauguração que levou à região o então presidente e ex-presidentes, o eixo leste da transposição do rio São Francisco apresenta uma série de problemas estruturais que, segundo inspeção feita pelo MPF (Ministério Público Federal) na Paraíba, são incompatíveis com o tempo de construção. Em vez de água, que deixou de ser bombeada em fevereiro, em muitos locais do canal são fissuras, assoreamento e mato que tomam conta.
O UOL teve acesso ao documento técnico da inspeção feita nos dias 21 e 22 de julho, em Monteiro (PB), que revela uma série de problemas. "Em alguns pontos do canal foi observado que o revestimento de concreto apresentava rachaduras de mais de 1,5 cm de espessura, bem como trechos em que o revestimento estava totalmente danificado", diz o documento, assinado por Marcelo Pessoa de Aquino Franca, analista pericial de engenharia civil do MPF.
O relatório ainda aponta que os problemas não são apenas as rachaduras. "Percebemos que o canal da transposição apresenta vários trechos assoreados. As principais causas do assoreamento do canal estão relacionadas a falhas na proteção dos taludes de corte dos canais e obstrução das canaletas de drenagem", completa. "Foi constatado que vários trechos dos canais de drenagem externa estão completamente danificados, comprometendo o direcionamento das águas para todo o sistema."
Na conclusão, a perícia diz que o eixo "apresenta uma série de patologias que são incompatíveis com o tempo decorrido desde a construção" e sugere problemas na concepção ou execução da obra.
"A meu ver, tais patologias estão associadas a impropriedades quando da concepção e/ou execução da obra e não a fenômenos naturais ou climáticos da região. Entendo que o excesso de fissuras, trincas e mesmo a ruptura do concreto que reveste o canal por si só é um indicativo de que: ou a qualidade do material ficou aquém daquela desejada ou existe uma deficiência na concepção das juntas de dilatação e controle", completa.
Procuradoria alertou sobre problemas
Segundo a procuradora do MPF em Monteiro, Janaína Andrade de Sousa, problemas no canal são alertados desde "a inauguração simbólica" do eixo e vêm se sucedendo ao longo do tempo. "Falo simbólica porque foi inaugurada sem estar em operação total, ainda na fase de testes. O fato é que a obra não estava concluída, como não está ainda", diz.
A inauguração oficial do eixo leste ocorreu em 10 de março de 2017, dez anos após o início da construção. O evento contou com a presença do então presidente Michel Temer (MDB). O evento causou uma discussão política sobre a paternidade da obra, o que levou os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), nove dias depois da ida de Temer a Monteiro (PB), a fazerem a "inauguração popular" da obra.
Segundo o governo, o eixo leste foi projetado para levar água a 4,5 milhões de pessoas em 168 municípios de Pernambuco e da Paraíba. Já o eixo norte, que ainda está em obras, promete beneficiar 7,1 milhões de habitantes em 223 municípios de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Ao todo, a transposição está orçada --em valores de 2018-- em R$ 10,7 bilhões, mas a CGU (Controladoria-Geral da União) estimou um gasto final de R$ 20 bilhões.
Para a procuradora, até o momento o eixo não apresentou melhoria na vida dos paraibanos. Um dos pontos comemorados pelo governo foi que a água do eixo leste desemboca no rio Paraíba, que por sua vez abastece o reservatório do Boqueirão, em Campina Grande.
"Eu contesto essa informação. Eu falo isso categoricamente: a água que chegou pelo leito do rio é mínima pela evaporação e pela aridez. Boqueirão teve mais água pela quadra invernosa, que foi muito forte", afirma.
Cinco meses sem água
Uma outra questão que chamou a atenção dos moradores de Monteiro é que, desde fevereiro, a água não está sendo bombeada de Pernambuco para a Paraíba. O assuntou foi denunciado por políticos locais e gerou discussão.
Segundo apurou o UOL, a suspensão ocorreu no dia 22 de fevereiro por conta de um problema na barragem de Cacimba Nova, no município de Custódia (PE), vizinho a Monteiro. Agricultores e moradores da cidade denunciaram o caso, que passou a ser apontado como causador das rachaduras. O assunto foi tema de debate na Câmara de Vereadores de Monteiro.
Apesar do questionamento de autoridades locais, o MPF não crê que a suspensão levou às rachaduras e problemas no eixo leste. "Essas falhas ocorriam em outras localidades do canal. O que tenho certeza absoluta é que não foi a falta de água que causou rachaduras, porque não teve variação térmica e lá está chovendo. Tanto que tem até vegetação no local", diz a procuradora.
Ministério diz que fará vistoria
Em nota encaminhada ao UOL, o Ministério do Desenvolvimento Regional informou que foi notificado pelo MPF na terça-feira e "fará a análise do documento para tomar as medidas cabíveis".
"Como é de conhecimento público, o eixo leste do Projeto de Integração do Rio São Francisco encontra-se em pré-operação, etapa em que pode surgir a necessidade de serviços de manutenção e reparos nos canais e estruturas", explicou a pasta.
O ministério informou ainda que um consórcio operador é o responsável pela pré-operação, manutenção, gestão ambiental, conservação e vigilância patrimonial das instalações. "Entre as atribuições do consórcio está a permanente realização dos serviços de manutenção nos canais. No caso das fissuras, vale destacar que o concreto não apresenta função estrutural e sim mecânica. Ou seja: caso a situação volte a ocorrer em algum ponto, em nada afetará a funcionalidade das estruturas."
Sobre a suspensão do bombeamento, o ministério disse que ele foi retomado no dia 4 de julho. Lembrou ainda que "o segundo maior reservatório do estado da Paraíba, o Boqueirão, tem disponibilidade hídrica para assegurar o atendimento de cidades abastecidas pelo Projeto São Francisco. Portanto, interrupções temporárias no bombeamento não afetaram a chegada da água à população na região de Campina Grande, por exemplo, que é atendida pelo sistema desde março de 2017".
A informação de que o bombeamento foi retomado no dia 4 contradiz as imagens feitas pelo MPF no local nos dias 21 e 22 de julho, que mostram o eixo sem água. Além disso, em ofício de 18 de julho, a prefeita de Monteiro, Anna Lorena, cobra do ministério a retomada do bombeamento de água. "O assunto tem gerado cobranças da população e da imprensa, sem que haja uma explicação plausível sobre o caso", disse.
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