Laudo de peritos dificulta identificação e punição de assassino de Ághata
Resumo da notícia
- Na quarta, instituto divulgou laudo sobre disparo que matou Ághata
- Para especialistas, documento dificultará identificar de quem partiu o tiro
- Laudo diz que disparo é compatível com o de fuzil, mas não diz origem, nem direção do tiro
As conclusões do laudo emitido na quarta pelo ICCE (Instituto de Criminalística Carlos Éboli) sobre a morte da menina Ághata Félix, 8, dificultam a identificação do autor do disparo, dizem especialistas consultados pelo UOL. Segundo a família da vítima, o tiro partiu de um grupo de policiais militares, mas o documento concluiu ser impossível identificar a arma responsável pelo disparo.
Segundo o instituto, foi encontrado no corpo da menina apenas um fragmento do projétil. O objeto, "adequado a armas de fogo do tipo fuzil", está "destituído de elementos técnicos para determinar calibre nominal, número e direcionamento das raias [ranhuras que indicam o calibre], bem como de microvestígios de valor criminalístico, fato que o torna inviável para o exame microcomparativo", diz o relatório.
Foram apreendidos duas pistolas e cinco fuzis. Três desses fuzis foram utilizados naquele dia, o que coloca sob suspeita três policiais. "Mas não é possível fazer uma condenação coletiva", afirma o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron.
É fundamental e indispensável a individualização das condutas, e aí há duas possibilidades: ou os três responderão por tentativa de homicídio --admitindo que os três fuzis atiraram, o que é pouco provável-- ou os três serão absolvidos por falta de identificação
Alberto Zacharias Toron, advogado criminalista
O criminalista afirma que a conclusão do laudo pode ajudar na argumentação dos policiais. Segundo eles, houve troca de tiros com criminosos no momento do crime, o que a família nega.
"Como os policiais dizem que houve tiroteio, abre-se a possibilidade de afirmar que o disparo partiu de um criminoso."
Delegado da Polícia Civil no Rio, Orlando Zaccone concorda. "O resultado do laudo dificulta muito a condenação de alguém", afirma. "Agora, a primeira coisa a ser esclarecida é se houve ou não confronto. Se prevalecer a tese da família [de que não houve], será preciso identificar os policiais na ação e buscar por algum vídeo ou testemunho de alguém, o que dificulta muito alguma punição."
Mesmo assim, ele afirma, "fica muito fragilizada uma condenação sem que se saiba de qual arma partiu o tiro".
Neste aspecto, o caso se assemelha à condenação de 74 PMs pelo massacre no presídio do Carandiru (SP), em 1992. Em setembro do ano passado, o Tribunal de Justiça anulou todas as condenações porque um dos argumentos do relator Ivan Sartori é que não havia provas suficientes para determinar quem atirou contra os presos dentro da Casa de Detenção.
O delegado afirma que não se pode afirmar nada até a conclusão das investigações, "mas a revolta dos familiares no momento do acontecido não parece ter sido construída". "A forma reativa da família dá a impressão de veracidade à afirmação de que não houve confronto."
Advogado criminalista, o professor de direito penal da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Marcelo Leonardo diz que os policiais ainda podem ser condenados após "a prova testemunhal e eventuais declarações policiais".
"O fato de já ter afirmado que o fragmento é de fuzil já é uma indicação em relação a quem estava fazendo utilização dele", diz Leonardo. "Agora é preciso confirmar se houve a troca de tiros."
O delegado lembra que, mesmo que os peritos tivessem identificado um dos policiais como o autor do disparo, ele ainda poderia ser absolvido se o confronto com traficantes se confirmar. "A defesa pode alegar que, ao tentar atingir o agressor, o policial acabou acertando um inocente."
Para Toron, a impressão que fica é de "despreparo policial". "Essa questão toda revela, no mínimo, o mais absoluto despreparo de policiais que saem atirando em via pública, assumindo o risco numa imprudência total com o aval do governo do Estado."
Depoimentos
Até o momento, a Delegacia de Homicídios da Capital tomou o depoimento de 20 pessoas no inquérito que apura a morte de Ághata. Foram ouvidos 11 policiais militares, o pai, a mãe, um tio e uma tia de menina, o motorista e o proprietário da Kombi onde ela estava, além de outras três testemunhas.
Laudo do IML (Instituto Médico Legal) concluiu que Ághata levou um tiro nas costas. A causa da morte foram lacerações no fígado, no rim direito e em vasos do abdômen, provocadas por esse tiro.
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