Topo

Após derrota no TRF, família Merlino ganha batalha no TJ por nova certidão

O jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto em 1971, em uma de suas últimas fotos - Arquivo pessoal
O jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto em 1971, em uma de suas últimas fotos Imagem: Arquivo pessoal

Marcelo Oliveira

Do UOL, em São Paulo

11/10/2019 19h42

Pouco mais de 24 horas depois de o Tribunal Regional Federal da 3ª Região negar o recebimento da denúncia do MPF sobre o assassinato do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto pela ditadura em julho de 1971, a família da vítima recebeu a informação que a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo acatou o recurso administrativo proposto pelos Merlino e determinou que o Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais do Jardim América, em São Paulo, terá que retificar o atestado de óbito do jornalista.

Lavrado em 1976, no atestado original constava que Merlino morreu de "anemia aguda traumática". No novo atestado, de acordo com a decisão do Corregedor Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, deverá constar que o óbito aconteceu "em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985".

A mudança no atestado de Merlino havia sido requerida por sua família à CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos) durante a gestão da procuradora regional da República Eugênia Augusta Gonzaga, demitida do cargo em julho deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro.

Em 2017, a CEMDP estabeleceu uma resolução para criar um mecanismo para a modificação de atestados de óbito com base nas apurações da comissão ou da CNV (Comissão Nacional da Verdade). O conteúdo dos atestados era definido em processo realizado pela Comissão com a participação das famílias das vítimas da repressão política, com base na lei que criou a CEMDP, em 1995, e também com base na lei de registros públicos.

A resolução da CEMDP de 2017 cumpre também a recomendação número 7 do relatório da CNV. "Com a alteração na lei de registros públicos, em 2017, entendemos que a comissão deveria providenciar toda a documentação formal necessária para a retificação administrativa", explicou Eugênia.

A viúva de Merlino, Ângela, concede entrevista - Marcelo Oliveira/UOL - Marcelo Oliveira/UOL
A viúva de Merlino, Ângela, concede entrevista
Imagem: Marcelo Oliveira/UOL

Cartório negou

Quando o atestado da CEMDP foi emitido para a família Merlino, reconhecendo a morte do jornalista, o cartório onde havia sido registrado o documento foi oficiado para providenciar um novo assento (registro no livro do cartório) e a nova certidão de óbito, mas a Oficial do Registro Civil recusou as alterações, alegando que a questão era subjetiva, decisão mantida pela juíza corregedora permanente.

A família Merlino recorreu e o corregedor encaminhou o caso para a análise da juíza assistente Stefânia Costa Amorim Requena, que reconheceu o pleito da família Merlino. Segundo o parecer da juíza, a Corregedoria Nacional de Justiça já havia reconhecido que os atestados emitidos pela CEMDP são "títulos hábeis para a retificação administrativa dos assentos de óbito", ou seja, quando os cartórios recebem esses atestados, devem providenciar a mudança do assento de óbito e emitir nova certidão.

Passado sempre volta

"Foi uma decisão negativa ontem e hoje uma decisão positiva. Estou muito contente. A luta vai continuar, independente de mim, porque o passado sempre volta, como está acontecendo hoje na Espanha, onde os restos mortais do ditador Francisco Franco estão retirados do Vale dos Caídos (memorial em homenagem aos heróis da Guerra Civil Espanhola), que terminou em 1939", afirmou Angela Mendes de Almeida, viúva de Merlino.

A atual gestão da CEMDP não deverá prosseguir com a política de retificação dos atestados de óbito iniciada pela gestão anterior da comissão. Segundo Eugênia Gonzaga, o entendimento atual é que a medida configura delito de advocacia administrativa, pois haveria favorecimento a particulares. A procuradora rebate e afirma que a função da comissão é justamente cuidar de interesses dos familiares de mortos e desaparecidos relacionados a medidas de reparação estatal.

"Quando a comissão cuida de reparação a uma família, a medida é de interesse público, pois interessa a toda sociedade, já que é uma questão de memória e verdade".