15 mortes no RJ: ouvidor da Defensoria questiona isenção da perícia
Ouvidor-geral da Defensoria Pública do Rio, Pedro Strozenberg questionou a independência das perícias em investigações sobre mortes cometidas por policiais. Um dos responsáveis por acompanhar as investigações sobre uma operação da PM que terminou com 15 mortos nas comunidades do Fallet e Fogueteiro, na região central do Rio, em fevereiro, ele teme que o caso termine em impunidade.
Na sexta-feira (11), a Corregedoria da PM (Polícia Militar) entendeu que os PMs envolvidos na ação não cometeram nenhum crime ou desvio funcional. O IPM (inquérito policial militar) apurou a conduta dos agentes em relação a 13 das 15 mortes ocorridas nas comunidades --dois mortos, achados em uma área de mata próxima às comunidades não foram classificadas como mortes em confronto com a polícia. "Quais são as condições de autonomia e independência das perícias?", diz Strozenberg.
Ouvidor-geral fala em interferência na perícia
O ouvidor-geral questiona a isenção não só da perícia de local, como dos laudos cadavéricos e confronto balístico.
Além da Corregedoria da PM, o caso é investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio. Logo após a operação, no dia 8 de fevereiro, moradores, familiares e autoridades apontaram que havia indícios de "execução" e "fuzilamento" na casa onde ocorreram a maior parte das mortes.
De acordo com documentos aos quais o UOL teve acesso, a perícia no local do crime, feita pela Polícia Civil, não esclarece detalhes importantes, sobre as dinâmica dos fatos. Faltam informações sobre a trajetória dos tiros e a circunstância em que os mortos foram baleados, por exemplo.
A conclusão do laudo tem apenas seis linhas: "Limita-se o perito a constatar o local objeto de exames, na forma supramencionada, onde houve confronto entre agentes com disparos de arma de fogo no local".
"Esse é um indício da fragilidade da perícia. Outro é que tem um dos mortos que está aberto com as vísceras para fora e isso não aparece no laudo pericial. Há relatos de familiares de corpos que foram tatuados com faca e isso também não aparece", lista Strozenberg.
Para ele, a estrutura administrativa da segurança no Rio —na qual todo o setor de polícia técnica está vinculado à Polícia Civil— prejudica a autonomia dos trabalhos. Strozenberg defende que a polícia técnica atue como um órgão independente.
O ouvidor-geral destaca ainda que, no caso do Fallet, houve pressão política por parte do governador Wilson Witzel (PSC) e do comando da PM —logo após as mortes, Witzel justificou e elogiou a operação (vídeo abaixo).
Eu acho que esse modelo de perícia que a gente tem é muito suscetível à interferência das forças policiais, porque está subordinada a elas. Em um caso com esse nível de repercussão, com um posicionamento prévio favorável pelas polícias e pelo governo do estado, [a perícia] está mais sujeita a uma influência externa.
Pedro Strozenberg, ouvidor-geral da Defensoria Pública do Rio
Endosso de Witzel pode estimular mortes, diz ouvidor
O ouvidor-geral destaca a demora para que a Polícia Civil e o Ministério Público apresentem uma conclusão para suas investigações, mesmo sendo um caso em que os policiais foram identificados desde o início. Na última terça-feira (8), as mortes completaram oito meses.
"Eu acho que é um tempo longo. A maior preocupação é que seja feito com responsabilidade e consequência. O prazo preocupa muito, principalmente aos familiares e moradores dessa comunidade", lamenta.
Strozenberg demonstra preocupação com a mensagem que pode ser passada às polícias caso as mortes no Fallet —que ele classifica como chacina— fiquem impunes. Ele crê que isso pode servir de estímulo para que policiais matem, especialmente porque essa postura é endossada pelo governador Wilson Witzel e por outros políticos.
Essa que é uma das preocupações fundamentais. Mesmo com esse nível de letalidade, a operação é aplaudida não só pelo governador, mas também na Alerj, com moção de aplausos, e pela Corregedoria da PM. Dá esse sentimento de legitimidade de que esse nível de letalidade é aceito como prática.
Atenção internacional
Outras ações policiais com alta letalidade já geraram condenações ao Brasil em tribunais internacionais. O precedente é o caso Nova Brasília, no qual o Estado brasileiro foi punido pela CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos), vinculada à OEA (Organização dos Estados Americanos).
O processo diz respeito a duas chacinas ocorridas na comunidade, que faz parte do Complexo do Alemão, entre 1994 e 1995. Foram 13 mortos em cada uma das ações. Também houve denúncias de tortura e estupros. A punição ocorreu porque o Brasil não garantiu investigações independentes e justiça.
Na sentença, em 2017, o tribunal internacional condenou o Brasil a indenizar aproximadamente 80 pessoas e a reabrir as investigações.
Na decisão, a CIDH critica a falta de imparcialidade das investigações sobre mortes em confronto no Rio. "Antes de investigar e corroborar a conduta policial, em muitas das investigações, realiza-se uma investigação a respeito do perfil da vítima falecida e encerra-se a investigação por considerar que era um possível criminoso", diz a sentença.
Strozenberg disse que a Defensoria Pública só irá avaliar a necessidade de levar as mortes no Fallet a cortes internacionais após o término das investigações, mas destacou que há paralelos com o caso Nova Brasília.
"Ainda é cedo para dizer que é um caso em que pensamos de medidas em cortes internacionais", ressalva.
"De fato o Brasil foi condenado na CIDH, não pela execução, mas pela não-concretização da justiça. No caso da Nova Brasília ressalta-se a falta de independência da perícia, já que a mesma força policial que investiga o caso é a que participou da operação policial. Também é apontada a falta de resposta e apoio aos sobreviventes e familiares. Infelizmente, [no caso do Fallet] há semelhanças com aquilo que aconteceu na Nova Brasília mesmo 25 anos depois", concluiu.
Procuradas para comentar as críticas, a PM e a Polícia Civil não retornaram os contatos da reportagem. À época da operação, os policiais militares envolvidos na ação do Fallet alegaram ter reagido a disparos de criminosos.
O Ministério Público do Rio afirmou que não se manifestará até o fim das investigações.
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